11/11/2016
10/11/2016
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História do cotidiano
Rua Silva
Jardim. Ali, em uma casinha branca, ainda reside os descendentes diretos de uma
família que, com bravura, conseguiu ser protagonista de cem anos de lembranças.
Sei que estou esticando os números. E por serem pedaladas de anos, e não fiscais,
estou isento de penalidades.
Foram muitos
encontros, abraços quebra-ossos, tragédias, como na morte do marido de Ceci,
quando se dirigia de Mossoró para Açu; traumas, como na morte de Maria Laís e,
recentemente, com a morte de Anália, o grande esteio do clã dos Cirilo.
Desde pequeno,
levado por minha mãe, que tinha um parentesco com a matriarca da família,
conheci seu José Cirilo e dona Mariinha, os baluartes dessa família de bravos
homens e mulheres que Areia Branca sequer sabe que existem, fato comum entre as
pessoas comuns de uma cidade. Do casal surgiram cinco filhos, que lutaram pelo crescimento
da cidade, fosse transportando e comercializando água de Upanema – com José,
conduzindo sua carroça puxada por Condave, um belo touro cinza -, fosse atuando
na distribuição e venda de ração para animais – com Anália -, ou junto a uma empresa
de navegação – com Chico -, fosse no comércio – Raimundo, com uma bodega ao lado
do Grupo Escolar Conselheiro Brito Guerra -, fosse na educação – Ceci -, ou na confecção
de roupas, com Maria Laís.
Pela década
de 1950, grupos de ciganos apareciam com certa frequência em Areia Branca.
Aristeu, cigano esperto e mercantilista, trouxe para a cidade a primeira
galena, instrumento precursor do rádio e capaz de sintonizar, de forma
aleatória, emissoras de rádio. Aristeu também foi o responsável por aquela estória
da égua que mudou de cor.
Macondo era
uma povoação fundada pela família Buendia-Iguaran (Cem Anos de Solidão). A
primeira geração desta família é formada por José Arcadio e Úrsula, que tiveram
três filhos: José Arcadio, rapaz forte, viril e trabalhador; Aureliano, que era
filosófico, calmo e introvertido; Amaranta típica dona de casa. Úrsula é uma mulher
que trabalha por sua famílias em medires forços, possui comportamento forte e
busca a todo momento o melhor para sua família.
Melquíades
é um dos ciganos que visita Macondo, trazendo inventos e mercadorias de
diversos lugares do mundo. Escreve os pergaminhos que preveem a história da
família Buendia, e que somente serão decifrados quando o último da estirpe estiver
às portas da morte.
Todas as
gerações foram acompanhadas por Úrsula – filhos, netos, bisnetos e trinetos. Dois
nomes carregam consigo as características físicas e psicológicas de seus herdeiros.
Todos os José Arcadio são impulsivos, extrovertidos e trabalhadores, enquanto que
os Aurelianos são pacatos, estudiosos e muito fechados em seu próprio mundo
interior.
Areia Branca,
uma família honrada desde a primeira geração, sob o braço firme de dona Mariinha
e José Cirilo. Macondo, seis gerações sob o comando de Úrsula.
Em Macondo,
Úrsula teve que sair do povoado para tentar descobrir o que havia em volta. Em Areia
Branca isso não foi necessário. Deífilo Gurgel nos avisou que o mundo por trás
da barra era muito grande – Cais da Ausência.
Aristeu,
provedor de novidades para Areia Branca – galena e aparelhinho quedava choque para
a cura de doenças. Melquíades, provedor de novidades para Macondo; trocou uma lupa
com José Arcadio Buendia por um jumento e um rebanho de cabritos.
Minha Macondo
existe, e se reinventa na busca da modernidade.
–
Evaldo Oliveira
Sócio Correspondente
do Instituto Histórico e Geográfico do RN
09/11/2016
DEZ ANOS SEM DOM NIVALDO
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)
Na próxima quinta-feira, dia 10 de novembro, estaremos rememorando dez anos de vida em plenitude de nosso saudoso arcebispo Dom Nivaldo Monte. Uma década sem suas palavras sábias, de puro afeto, revestidas de sincera ternura, ditas com meiguice e alegria, pronunciadas na maior singeleza, para não afugentar nenhum dos seus interlocutores. Era assim Dom Nivaldo: franzino, “xoxinho”, segundo a sua própria expressão, exíguo fisicamente, mas gigante na simplicidade e no amor. O nosso “Pequeno Príncipe”, não o de Exupéry, cuidando dos baobás, mas o de Natal, regando almas, adubando corações, semeando paz e esperança, sorrindo para todos com esplendor divino. Em 1963, São João XXIII o elegeu bispo da Igreja de Cristo.
Emaús ressente-se da falta de seu poeta, tem saudades do seu jardineiro, vive a solidão do entardecer, sem ouvi-lo chamar cada um de “Nêgo véio”. Sua erudição e ciência, sua espiritualidade tão elevada não o distanciaram dos seres humanos, mas o aproximaram dos mesmos para ungi-los com o divino. “O cristianismo tem o diferencial do perdão”, repetia-nos o Santo de Emaús, cada vez que alguém se mostrava intolerante com as fraquezas do próximo. “Por ser humano, cada um tem o direito de ter o seu pecado. Deus sabe disso”, alertava ele a quem destilava condenação.
“Tudo passa, no entardecer da vida, permanece apenas o amor”, costumava lembrar, quando percebia os ventos da vaidade de algum de seus padres. “O homem só é grande, quando se faz pequeno”, dizia-nos. Assim, imitará Cristo, que sendo Deus onipotente, fez-se homem e veio ao mundo na fragilidade de uma criança. Aliás, gostava de afirmar que “a infância é sílaba divina, manifestação de sua pureza”. Amava as crianças e com elas brincava, a tal ponto de também colecionar lancheiras de aniversários. Prezava a frase de Tagore: “Cada criança que vem ao mundo, traz uma mensagem, Deus não se arrependeu ainda de ter criado o homem”.
“Ah, nêgo véio, amo tanto estas terras! Elas são um manto divino que nos envolve e protege”. Para nosso inolvidável amigo, o solo é sagrado por ser dádiva de Deus. Não deverá jamais ser regado pelo sangue, mas pelo suor agradecido de quem trabalha, e sabe que dele brota o novo maná, que nos alimenta na caminhada da vida. De nosso pastor, podemos dizer como Teilhard de Chardin: “Aquele que amar apaixonadamente Cristo latente na força da terra, esta, maternalmente, erguê-lo-á em seus braços gigantes e o fará contemplar o rosto de Deus”.
Com fidelidade e perseverança Dom Nivaldo anunciou o Evangelho, edificou a Igreja. Era afável e misericordioso com os simples e necessitados. Condoía-se ao ver famintos e miseráveis, despossuídos de esperança e futuro, vítimas do egoísmo daqueles que ignoram Deus e seus ensinamentos. Como Bom Pastor, cuidou das ovelhas sofridas no corpo ou na alma, trabalhou e rezou contrito pelo bem dos seus diocesanos, queridos filhos espirituais. Viveu o profundo significado de ser sacerdote e bispo. Trazia permanentemente Cristo em seu coração. Assumiu o amor de Jesus, um encontrar-se no seu mistério, oferecendo seu corpo frágil, para estar no meio do seu povo, sentir as suas angústias e assumir até na doença o que o Senhor sofreu para dar a vida por nós. As palavras do ritual da ordenação episcopal foram vividas plenamente por Dom Nivaldo: “Vela, pois, por todo o rebanho dos fiéis em nome do Pai, de quem és imagem; em nome do Filho, cuja missão de mestre, sacerdote e pastor exerces; e em nome do Espírito Santo, que dá a vida à Igreja de Cristo e fortalece a nossa fraqueza”!
No silêncio do Mosteiro de Sant´Ana, onde a natureza reina placidamente como sorriso de Deus, repousa nosso inesquecível Dom Nivaldo. Os pássaros alçam seu voo realizando a dança da alegria, o cheiro das plantas e da terra espargindo no ar, velando a sepultura simples de um sábio e santo. O profeta Daniel, antecipando nossa ressurreição, escreveu: “Os que estiverem dormindo no pó da terra acordarão e os que educaram muitos para a bondade e a justiça brilharão para sempre como estrelas” (Dn 12, 3).
VALÉRIO HOMENAGEIA JANSEN
JANSEN LEIROS FERREIRA
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
Macaíba perdeu
recentemente um dos seus filhos mais destacados na arte de escrever. Nascido no
dia 15 de março de 1937, era o primogênito de Aguinaldo Ferreira da Silva e
Maria Leiros Ferreira, nascida Maria Leonor de Castro Leiros.
Estudou no tradicional Grupo
Escolar Auta de Souza e em Natal, no Ginásio 7 de Setembro de Natal, concluindo
o ginásio e o curso técnico de contabilidade. Simultaneamente, cursou o
científico no Ateneu Norte Rio-grandense. Aos dezoito anos, já havia escrito
uma plaqueta fruto de pesquisas em sua cidade, que intitulou “Macaíba e seus
tipos populares”. Após a editoração dessa plaqueta, ingressou na Faculdade de
Direito da UFRN, cursando o bacharelado em ciências jurídicas e sociais.
Foi nomeado para o
Instituto do Açúcar e do Álcool, lotado na Delegacia Regional do Rio Grande do
Norte e em 1962, obteve transferência para a sede do órgão na cidade do Rio de
Janeiro. E lá, concluiu seu curso de bacharelado em ciências jurídicas na
Faculdade Nacional de Direito, da Universidade do Brasil.
Ainda em Natal, estudou
piano erudito com o maestro Waldemar de Almeida, no Instituto de Música do Rio
Grande do Norte, ocasião em que participou de algumas audições públicas solando
aquele instrumento e participando do Conjunto de Câmera Professor José Monteiro
Galvão,
Após 1964, face às
dificuldades financeiras foi instado a deixar o serviço público federal para
exercer a advocacia dando assistência a empresas privadas.
Ainda nos anos
sessenta, realizou sua primeira viagem ao exterior, visitando o Peru, o Chile e
a Argentina. Depois, conheceu a Europa Central e os Estados Unidos.
Retornando à terra
natal, foi nomeado para as funções de Assessor Especial da Fundação José
Augusto, ao tempo em que eu exerci a presidência do órgão.
Em 1991, foi nomeado
Assessor Jurídico do Estado e lotado na Procuradoria Geral, onde se aposentou
aos setenta anos.
Jansen Leiros, como escritor,
editou os seguintes livros: “Macaíba e seus tipos populares”, “Fragmentos e
Reflexões”, “Contos do Entardecer”, “Apólogos do Nascer do Sol”, “Prelúdios de
um Novo Dia”, “Relembranças”, “Macaíba de Cada Um”, “Sonata do Alvorecer de
Aquários”, “Itinerário de um Sertanejo”, “Daphne – compromissos e resgates”, “Garimpando
a Luz”, “Acordes da Alma”, “Aleluia do Homem Novo” e “Aquarela do Sol Nascente”.
No campo da música, ele
criou entre uma vintena de composições: “Sonho de um Cello”, “Crepúsculo no
Solar da Madalena”, “Alma Nordestina” e “Balada para Daphne”, todos por ele
harmonizadas para orquestra de cordas.
Jansen, também, estudou
canto lírico, havendo sido aluno de Atenilde Cunha e Nino Crimme e participou
de conjuntos corais como o Harmus, do Instituto de Música Waldemar de Almeida,
da Fundação José AuguSto, de cuja criação foi um dos responsáveis quando
compunha o Conselho de Administração daquela casa de cultura. Barítono, como
seu avô materno – maestro João Viterbino de Leiros, era um seresteiro nato e um
orador de belas metáforas. Carismático, de simpatia contagiante, era querido
pelos que faziam seu entorno. Como advogado, exerceu as funções de Juiz
Eleitoral, do Tribunal Eleitoral do Rio Grande do Norte, nomeado pelo
Ministério da Justiça e Juiz de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção
do Estado do Rio Grande do Norte.
Colhi os dados
referidos na seara do seu primo/irmão
Wellington de Campos Leiros, escritor memorialista e poeta. A minha amizade com
Jansen é herança de nossas famílias Leiros/Mesquita/Andrade, desde os
primórdios do século passado.
Os meus sentimentos não
cabem nessas breves palavras. Ele foi bem maior do que afirmei. O seu canto
alto e sonoro ultrapassou os limites de sua dimensão humana. Espiritualista,
levou a mensagem das ideias aos quadrantes do Rio Grande do Norte. Entendeu que
a cultura é um veículo nascido para ficar, vencer, porque representa a única
atividade humana que haverá de permanecer quando tudo o mais passar. Já doente,
ainda em vida, escrevia sem cessar, porque foi uma “ponte entre o espírito e o
horizonte”. Diante de tudo e de todos, proclamo que Jansen Leiros Ferreira foi
um ser simples, disponível, abordável, pacificador, democrático nas
intransigências e nas concessões. Deus haverá de premia-lo com a luz da sua
face.
(*) Escritor.
08/11/2016
Lívio
Oliveira – advogado público e poeta
Outubro está nos
arredores e já se passaram trinta anos. Os meus olhos são, agora, neste
devaneio, os mesmos daquele menino que, sonhador, observava lá adiante o
Colégio Nossa Senhora das Neves (Colégio das Neves), a partir do referencial e
ângulo de visão da esquina da rua Segundo Wanderley com a Coronel João Gomes.
Nem sempre estudei ali, mas era o meu desejo intenso e o realizei, como
realizei quase tudo que quis de verdade. Foi um sonho confirmado. Passou no
tempo, ficou na memória e no sentimento.
De verdade. O sonho era
de verdade. Suspirava com isso. Suspirava, também, quando via as meninas com a
calça azul apertada, delineando suas delicadas ancas arredondadas, elas vestindo
a camisa branquinha da farda, com volumes e formatos plenos de volúpia ingênua explodindo no peito, que continha a
logomarca (ou brasão) da escola. Elas flanavam pela minha calçada, que se
perfumava de repente. Viravam festa os meus dias. E havia olhares. Às vezes,
correspondidos. A vida ficava toda colorida, baixava um arco-íris imaginário.
Quando ingressei no
Colégio, pude sentir de perto os cheiros sedutores, via a dança dos cabelos
compridos e – brilhando ao sol, com todas as cores – umedecidos, quando chovia
e os céus não perdoavam os corpos femininos, suaves e firmes, durinhos. As
meninas chegavam à sala de aula exalando um frescor que me atordoava.
Aquele lugar, aquele
colégio, foi o lugar dos meus conflitos mais radicalmente adolescentes e das
minhas paixões iniciáticas e cheias de pudores e recatos – depois tidos como
desnecessários e inúteis – essenciais, porém, para uma época de sonho e de pureza
e magia desassombrada e livre.
A minha amiga e colega
Cássia, numa dessas conversas de WhatsApp, fez-me recordar há alguns dias:
“Lívio, lembrando da nossa inocência: festas de São João, com a escolha da
rainha do milho, gincanas. Os jogos internos, os JERN’s. Também a Feira de
ciências, os corredores, conversas, lanches, as músicas que embalavam a todos
(o rock brasileiro que nos movia – ouvíamos Blitz, Paralamas do Sucesso, Kid
Abelha, Cazuza, Legião Urbana etc. Havia quem gostasse até do Menudo (risos),
não era o meu caso. E forrós. O pessoal gostava de dançar. Cantávamos o hino
nacional às quintas-feiras, rezávamos o Pai Nosso toda manhã, participávamos da
Novena de maio. Tivemos a TV interna do Neves, estrelamos. Ensaiamos nossa
participação democrática com as concorridas campanhas do Centro Cívico. E
recebíamos as cadernetas com as notas (sempre havia alguma tensão no ar). E o SOESP
(que tanto nos assustava)? O reencontro e a recordação são essenciais. São
trinta anos.”
Foram, de fato,
momentos mágicos. Lembro de muita coisa e fico comovido que só. Fico saudoso,
nostálgico, um pouco melancólico por saber que já se passou tanto tempo. Pois
é. Já se passaram trinta anos, colegas, amigos, desde que nos despedimos do
Colégio das Neves e passamos a viver outros sonhos. Nenhum como aquele. Nenhum.
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