08/10/2014

Relembrança


Uma manhã na Ribeira

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br

Na caminhada matinal que, diariamente, faço pela Cidade Baixa, procuro sempre visitar os mesmos locais, onde sou acolhido com simpatia.
Por mais que já tenha repetido esse trajeto, sempre volto fascinado, como quem vai pela primeira vez. A Ribeira não é minúscula, mas, ainda assim, perfeita para explorá-la a pé.
Hoje, todavia, percebo com tristeza como as ruas estão desertas. Na incerteza de cada passo, sinto falta de não avistar os velhos conhecidos com quem cruzo há décadas. Onde andarão?! Sinto saudade das inesperadas conversas matinais.
Quando encontro algum esboçamos tímidas saudações – às vezes, um simples sorriso, um balançar de cabeça, um erguer de sobrancelhas... Alguns deles não sabemos se já falamos alguma vez na vida, se ao menos fomos apresentados. Mas, isso não importa, o que vale são os cumprimentos sinceros que trocamos.
Continuo andando. Um pouco mais a frente, avisto um pequeno grupo de senhores reunido à porta do local onde funcionou o café A Cova da Onça – não me cumprimentam – mas, sinto que conheço alguns deles de algum lugar.
Reinicio o percurso solitário, da esquina da Rua Dr. Barata em direção à Rua Chile. O dia já clareava um pouco. Um silêncio reverente domina a cena – só escuto o ruído dos meus passos na calçada de ladrilhos gastos.
De repente, como num passe de mágica, o sol chegou forte e tudo brilha ao meu redor. Os pássaros cantam alegres nas árvores da avenida – o nascer do sol à beira-rio é fantástico! Detenho-me um pouco, não quero perder nenhum detalhe dessa apoteose.
Mais à frente, o Rio Potengi beira os degraus do antigo cais da Tavares de Lira (ex-cais Pedro de Barros), e o céu se curva para acariciar suas marolas. Ao longe, dois barcos pesqueiros cruzam o rio em direção à Ponte Newton Navarro, na Redinha, a essa hora de trânsito calmo.
O velho bairro, sedutor, apresenta-se em gestos medidos, e insinua-se diante dos meus olhos, que não cansam de admirá-lo. Uma experiência para não esquecer jamais.
Imagens antigas chegam-me rápidas e confusas. A memória agita-se, atropelando lembranças que teimam em vir à tona.
Assim como a moça que abre a janela para ser acariciada pelo sol da manhã, a Cidade Baixa se deixa ver em toda sua plenitude. A brisa suave que vem do rio acaricia meu pescoço, rosto e braços. Deixo-me envolver sem resistência. A sensação é incrível!
Continuo o passeio pela Rua Chile, tendo o cuidado de não tropeçar nos velhos trilhos de trem, que, embora sem uso, ainda permanecem no mesmo lugar. O caminho de ferro lembra-me fatos passados no bairro. Noto a harmonia presente entre os velhos armazéns que acompanham o rio, em direção ao cais do porto. Infelizmente, muitos estão abandonados pelo descaso dos proprietários.
Continuo meu percurso devagar, não tenho pressa. Uma umidade salgada chega-me até as narinas. Chego ao Largo da Rua Chile que se encontra em final de obras. Dentro em breve será inaugurado o novo Terminal de Passageiros. Será que terá movimento?!
A Ribeira faz tudo para encantar os homens, no entanto, alguns fingem ignorá-la. Bem-vindos sejam todos vocês!

06/10/2014

JF

Pedro Avelino, um dos nossos doidos, no Alto Juruá




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

No final de 1910, ano em que se deu a “Revolta dos cem dias” por mais autonomia para o Acre, o major Pedro Avelino foi nomeado Prefeito do Alto Juruá, um dos três Departamentos do Acre. Segundo a “Folha do Acre”, uma das suas missões era por termo à anarquia que ali implantou o ex-comandante e déspota capitão Guapindaia, que à frente da Prefeitura cometeu toda sorte de violências e depredações. Para essa difícil tarefa, o novo prefeito levou vários auxiliares, como poderemos ver das notícias que se seguem.

Da “Província do Pará” datada de 20 de março de 1911, foi extraída algumas informações pela “Folha do Acre”, que davam conta da viagem do novo Prefeito. Partindo do Rio, no Paquete Nacional, Pedro Avelino aportou em Belém, Província do Pará, tendo como acompanhantes, a esposa, Maria das Neves Alves de Sousa, e um filho; seguiram com ele, também: o ajudante de ordem tenente Luiz Ferreira Souto; o cirurgião-dentista José Alexandre Alves de Souza (irmão de Maria das Neves); médico, Dr. Joaquim Rodrigues de Oliveira; funcionários e auxiliares que eram Joaquim Diógenes, Antonio G. Ferreira, Ezequiel Barbosa, Francisco Góes; mais ainda, Pedro T. Tetéo e José F. Téteo (esses deviam ser dos Tetéos de Macau); Afonso Avelino Dantas (filho de Emygdia Avelino, irmã de Pedro Avelino); Luiz, Cícero e Francisco Câmara, e José Gomes, que iriam ocupar diversos cargos na nova Administração. Acompanhavam, ainda, 8 operários e um mestre carpinteiro a fim de executar várias obras na Prefeitura. Em seguida a comitiva partiria para Manaus, e após 8 dias embarcariam, em um vapor, para Cruzeiro do Sul, sede do Departamento do Alto Juruá.

Segundo as mesmas notícias, o Secretário do major Pedro Avelino, Dr. Paulino de Souza, viria no Paquete Bahia, acompanhado de mais outros auxiliares.

Em Belém, o major Pedro Avelino, hospedou-se à rua vinte e oito de setembro, 138, na residência do Dr. Belmiro Milanez de Loyola (tenente-coronel reformado da Guarda Nacional, que foi 1º escriturário da Fazenda do Rio Grande do Norte), que lhe ofereceu um jantar, tendo participado, entre outros membros da comitiva do dito major, o 1º subprefeito, Dr. Francisco Bruno Pereira (foi deputado, aqui, pelo Congresso Legislativo Estadual, para o período de 1920/1923); 3º Prefeito e médico da Comissão, Dr. Joaquim de Oliveira; Delegado de Polícia, tenente do exército reformado, Alexandre Vasconcelos; chefe da comissão de mesas de rendas, coronel Cícero Leopoldo; chefe da contabilidade, Francisco Salles. 

Do “Diário do Natal”, a “Folha do Acre” extraiu o seguinte comentário sobre a nomeação do major Pedro Avelino para o cargo de Prefeito do Departamento do Alto Juruá.

O governo do Marechal Hermes da Fonseca vem de dar uma prova de consideração e confiança ao nosso distinto coestaduano, correligionário e amigo major Pedro Avelino, escolhendo-o para o elevado cargo de Prefeito do Alto Juruá, com missão que, estamos certos, terá brilhante desempenho, pois ao ilustre patrício não faltam os requisitos precisos a um bom administrador: talento, competência, honestidade, energia e critério.


O governo andou acertadamente confiando tão importante missão ao invicto batalhador, ao ardoroso patriota, que tudo envidará pelo desenvolvimento material e moral daquela porção da pátria brasileira, aparelhando-a para a sua almejada autonomia política e administrativa.


Rejubilamo-nos vendo devidamente aquilatados pelo patriótico governo do Marechal Hermes os merecimentos do nosso digno coestaduano e amigo, qualificado, pelo órgão oficial deste Estado, de um dos nossos doidos no Rio.


Sim, doido porque se rebelou contra o domínio ominoso da oligarquia Maranhão, que reduziu a nossa pobre terra a uma colônia de escravos. Doidos, idiotas no conceito dos oligarcas, são todos quantos não se submetem ao seu jogo e tem a coragem de fazer-lhes frente.


Ao juízo do órgão do Sr. Alberto Maranhão, sobre Pedro Avelino e José da Penha, contrapomos o do benemérito Presidente da Republica cumulando-os de considerações.


Parabéns a Pedro Avelino pela honrosa investidura e ao povo do Alto Juruá pelo administrador que vai ter.

Muitas pessoas acham que o jornalista Pedro Avelino foi prefeito do Acre, mas na verdade, como vimos acima, ele foi nomeado para um dos três Departamentos daquele Território Federal.
Jornalista Pedro Avelino

05/10/2014

IHGRN RECOMENDA


E L E I T O R



BRASIL SEMPRE



DEVER DE CIDADANIA


V O T E



OMISSÃO NÃO RESOLVE

04/10/2014

Marcelo Alves



Um apelo


Os que leem o que eu escrevo aqui já devem ter notado: sou um entusiasta da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal e da valorização, como forma de otimizar a prestação jurisdicional, dos precedentes judiciais em geral.

Em razão disso, uma coisa tem me preocupado: o Supremo Tribunal Federal simplesmente parou de editar enunciados de sua Súmula Vinculante. Foram cerca de 30 enunciados, sendo o último de 2011, e pronto.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal pode aprovar, revisar ou cancelar enunciados de sua Súmula Vinculante de ofício ou por provocação externa (CF, art. 103-A, caput e § 2º e art. 2º da Lei 11.417/06). Quando agir de ofício, isso pode ser feito por proposta de um ou mais de um de seus ministros. Quanto à legitimidade para a provocação externa, o § 2° do art. 103 da Constituição Federal e o art. 3ª da Lei 11.417/06 dispõem que a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciado da Súmula poderá ser provocada, entre outros, por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

Sei que o quórum para aprovação de um enunciado vinculante não é simples. Segundo o art. 103-A da Constituição Federal e o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06, a aprovação dá-se por decisão de dois terços dos seus membros. E é interessante notar que o quórum de 2/3, proporcionalmente, é maior que o quórum de 3/5, necessário para a aprovação de emenda constitucional, o que faz presumir o quão difícil é a aprovação, revisão e cancelamento de enunciado da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.

Sei, ademais, que o § 1º do art. 103-A da Constituição Federal (assim como o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06) deixa claro que a súmula vinculante terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, afastando de seu objeto, assim, as questões de fato. Os enunciados vinculantes devem versar somente sobre questões ou teses jurídicas. Quanto aos fatos, mesmo que se trate de questão jurídica já sumulada, os juízes deverão analisá-los atentamente a fim de verificar se eles realmente se subsumem ao enunciado da Súmula.

Sei, também, que nem todas as questões de direito poderão ser objeto de enunciado vinculante. A Emenda Constitucional 45/04 (ver redação do art. 103-A, caput, da CF) atribuiu ao Supremo Tribunal Federal prerrogativa de editar Súmula Vinculante apenas em matéria que tenha conteúdo constitucional. A matéria, geralmente, dirá respeito, também, a um outro ramo do Direito (previdenciário, tributário etc.), mas deve ter conteúdo constitucional.

Sei, ainda, que alguns ramos do Direito possuem natureza compatível com os enunciados curtos e precisos de uma súmula; outros, não. No primeiro grupo, estão, por exemplo, o direito tributário e o direito previdenciário: em regra, apesar da complexidade de suas teses jurídicas, as questões fáticas não são de grande complexidade. Mas há ramos do Direito, como o direito penal e o direito de família, em que, além das teses jurídicas por vezes tormentosas, as questões de fatos são quase sempre bastante complexas, de profundo casuísmo, impedindo a incorporação na súmula vinculante ou, ao menos, dificultando-a sobremaneira.

Sei, por fim, que, nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu outras prioridades, tais como julgar a famosíssima Ação Penal 470 (conhecido como o caso do “Mensalão”) e fomentar o incremento do importantíssimo instituto da Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários.

Mas acredito que chegou a hora de fazer um apelo. E duplamente direcionado.

Primeiramente, ao próprio Supremo Tribunal Federal e aos seus ministros. Afinal, como visto, pode-se agir de ofício. Em segundo lugar, aos legitimados do art. 103 da Constituição Federal (aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade). Numa democracia representativa como a nossa, eles “representam”, bem ou mal, os jurisdicionados como um todo ou, ao menos, parcela considerável deles. Como o fim da Súmula é ter caráter de vinculação geral, nada mais natural que eles muito usem (mas não abusem) da prerrogativa para provocar a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciados vinculantes.

Meu apelo é: Ministros, editem! Legitimados, provoquem! Mas do que isso, exijam! A coisa está parada desde 2011. Chegou a hora.

Para finalizar, reitero uma ideia que já defendi aqui: a Súmula Vinculante não é o remédio milagroso para todos os males da Justiça brasileira, mas que é um bom anti-inflamatório, qualquer clínico geral, como eu, sabe que é.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

03/10/2014


FERNANDO DE MIRANDA GOMES

Jurandyr Navarro
Do Conselho Estadual de Cultura
A cidade do sol clareou-lhe o entendimento, desde a infância, ensejando a vivaz inteligência projetar-se na vida social e profissional. Na adolescência, partilhou a fantasia da idade entre a bucólica localidade do Barro Vermelho e a paisagem talássica da praia da Areia Preta, onde o belo cenário descortinava-lhe um futuro promissor.
Filho de jurista, seguiu-lhe os passos, dividindo, com os irmãos, o tesouro da inteligência herdada, formando, com eles e descendência, uma grei familiar honrada, pela régia coroa da dignidade, conquistada pelo caráter bronzíneo, mercê de aprimorada educação.
Contemporâneo de brincadeiras e estudos, acompanhei a sua caminhada pelos colégios e universidade, sendo testemunha da sua fidelidade aos deveres e obrigações e responsável em todo projeto idealizado.
Diplomado, foi atraído pelas causas cíveis, com participação ativa em inúmeros debates florenses. A sua atuação profissional ficou gravada no registro histórico da nobre classe da Advocacia potiguar. Depois, a fisionomia jurídica revelou o interesse pelo direito agrário, alcançando desempenho excelente como Advogado de Terras junto à Secretaria de Estado da Agricultura, antes de pertencer ao Departamento Jurídico do Estado, chefiando a Procuradoria do Patrimônio.
A imagem jurídica reluzia ao lado do perfil de homem público, pelo trânsito bem sucedido, no primeiro escalão administrativo estatal. Toda essa trajetória, destituída de nódoa ética, ante a conduta ilibada, fez, do seu nome, referência axiológica e jurídica. E assim procedendo, foi distinguido com a confiança nele depositada por três governos seguidos, à frente da Procuradoria Geral do Estado e da Casa Civil.
Anteriormente ao desempenho na esfera do direito, Fernando de Miranda Gomes, nos seus verdes anos, prestou serviços na atividade privada, sendo, por algum tempo, Interventor Regional do SENAC, em nosso Estado e, em seguida, exerceu a Diretoria da mesma organização comerciária.
Além da visão administrativa para dirigir órgãos privados e públicos, ele se tornou um especialista em legislação, do aprendizado no cargo de Procurador do Estado. Portou-se exímio Parecerista no decifrar a esfinge da emaranhada e extensa legislação pátria.
Para penetrar no espírito das leis, o Advogado precisa especializar-se, e assim, poder, detidamente, equacionar a legislação constitucional e suas emendas, as leis ordinárias, as delegadas, decretos, suas derrogações e revogações, portarias, medidas provisórias, mensagem do poder executivo, projetos legislativos, referendos, iniciativa popular, plebiscitos (estes, oriundos da democracia semi-direta), julgados dos tribunais, e outros, conferindo-lhes a devida interpretação e consequente orientação, condizentes com os postulados jurídicos vigentes, pertinentes aos superiores interesses da sociedade politicamente organizada.
Na condição de Procurador Geral do Estado, Fernando de Miranda Gomes, competente sempre esteve para fazer a necessária análise da imensa compilação legal, inclusive os códigos, dela emanados.
O seu sucesso deveu-se, também, ao iluminativo carisma da sua liderança.
O valor de profissional do direito auferido, foi por todos os colegas reconhecido, a ponto da sua pessoa ser lembrada para Patrono de uma das Cadeiras da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte, pelo idealizador da instituição. E o reconhecimento desse valor chegou ao ponto, de seu nome representar a “Medalha Mérito Procurador de
Estado”, prêmio instituido na gestão do Procurador Geral do Estado, Miguel Josino Neto.
A exemplo de outros seres humanos, de singular grandeza, o destino subtraiu-lhe anos de existência, no pleno vigor de sua vida, quando prometia, ainda, alongar a órbita dos sucessos obtidos.
Todavia, ele soube utilizar os anos vividos no conceito do pensador Séneca, o qual entendia ser a dimensão da existência humana medida pelas boas ações e complementada pela sabedoria. "Não é a meta mais longínqua, a vida mais longa; porém, a mais elevada".
Esta, a vida plena!

02/10/2014


O  ‘F I C O’  E   A  I N D E P E N D Ê N C I A
Por Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN

            Em setembro de 1831, o príncipe D. Pedro, ex-Imperador do Brasil, encontrava-se em Chateau de Meudon, próximo à Nante, na França. Pelas notícias, que recebia, vinham à baila intensas polêmicas acerca da autoria do proclamado ‘Fico’, a fundação do Império e a paternidade do 7 de setembro. Perduravam os embates calorosos, de um lado, Antônio Carlos que atribuía aos paulistas, mais precisamente ao irmão, José Bonifácio, o feito da Independência. De outro lado, José Clemente Pereira protestava. Para ele, a criação do Império se devia ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, cuja presidência, à época, estava sob seu comando, no ano de 1822. Gonçalves Ledo, citando fatos e documentos, atribuía à Maçonaria os atributos de fundação da monarquia brasileira. O calor dos debates chegava à imprensa. Eram passados dez anos e a quem atribuir o feito da Independência?

Nos debates, o nome do ex-Imperador nem sempre era lembrado. Ao contrário, era evitado nas hipóteses em confronto. No entanto, o livro de A. D. Pascual, Rasgos Memoráveis de D. Pedro I (Ed. Laemert, 1864), transcreve uma carta do imperador, dirigida a José Clemente, publicada na imprensa, com data de setembro de 1831. Dizia  o ex-Imperador na missiva: Meu amigo – Muito lhe agradeço as boas notícias que me dá de meus amados filhos, e igualmente a da aprovação do Tutor, que me escreverá afim de aliviar, se possível, algum tanto, as saudades de meus filhos que dilacerão este meu INARREBENTÁVEL coração... Eu tomo pelo Brasil aquelle mesmo vivo interesse que sempre tomei, e mui principalmente no dia de amanhan, em que faz anos que eu, e só eu, declarei no alto do Ipiranga a independência do mesmo Brasil. 

            Decorrido tanto tempo e o assunto ainda pautava com veemência as discussões no Parlamento. O Jornal do Comércio (junho de 1841) publicou o discurso que José Clemente Pereira fez na Câmara, pondo um fim no disse que disse. Na época, era Ministro da Guerra, e o fez em resposta ao deputado Antônio Carlos: O nobre deputado, por ocasião de uma declaração que fiz de ter tido eu a principal parte na representação para a convocação de uma Assembléia no Brasil...que eu me referia ao dia 9 de janeiro – dia do Fico – e que em ser assim, queria reclamar, porque a glória de preferência, neste caso, pertencia a São Paulo e não ao Rio de Janeiro...

E prosseguiu o Ministro: ... mas se é necessário que alguém tenha a prioridade, há de permitir-me o nobre deputado que o conteste e que diga que ela pertence aos fluminenses (apoiados)...e não há dúvida, que a representação por parte da província do Rio de Janeiro teve lugar em 9 de janeiro de 1822 e que a representação por parte de S. Paulo teve lugar dias depois...

Mesmo diante dos apartes e contraditas do plenário – cala-te...cala-te..., o orador sequenciou sua peroração: Perdoe-me; a sua representação teve lugar dias depois de 9 de janeiro.

O discurso histórico do então Ministro assegurou que no dia 22 de dezembro de 1821 seguiu um comissário do Rio de Janeiro, a fim de convidar São Paulo a cooperar e enviar sua representação. E mais: antes do dia 15 de dezembro, confessou o orador, que era, na época, presidente do Senado da Câmara, ter sido visitado em sua casa por José Mariano, a fim de lhe consultar sobre um pedido a ser feito pessoalmente ao Príncipe Regente para ficar entre nós, de acordo com os interesses do Brasil. Retrucou o visitado, que embora concordasse, mesmo assim não julgava prudente ser o pedido exclusivo do Rio de Janeiro, dado o temor da presença e intervenção da força portuguesa naquela província. Daí as consultas formuladas as demais Província, São Paulo e Minas, e o aguardo de suas manifestações.

Diante da dubiedade do Príncipe Regente em ir para Portugal ou ficar no Brasil, visitas e articulações iam se sucedendo e, afinal, na casa de José Mariano, com a presença de José Joaquim da Rocha e do frei Francisco de Sampaio, foi redigida a nota de intenção, a qual foi lida solenemente e apresentada, no dia 9 de janeiro, na presença de mais de sessenta cidadãos, dentre os melhores e o povo, mesmo diante da iminente ameaça de intervenção da força portuguesa.

Nesse dia em que se deu o relato histórico e conclusivo feito por José Clemente Pereira, o bravo deputado Antônio Carlos calou fundo e silenciou. Ponderou apenas É verdade, num tom de convencimento. Domiciano Cardoso, repórter e cronista, fez constar em relação ao Fico: Tanto os estudiosos como os sabedores da História do Brasil não ignoram que o ‘Fico’ acelerou a nossa Independência.

Desde a Inconfidência Mineira pairava no ar as nuvens da independência do Brasil a Portugal. O Príncipe alternava entre o medo de perder o direito hereditário ao trono português e o de fundar um novo império, o do Brasil. Atava-se às campanhas pela Independência, enquanto ululava em carta ao seu pai, D. João VI, de quem era mandatário, a não se insurgir contra a metrópole: ...A independência tem se querido cobrir commigo e com a tropa; com nenhum conseguiu nem conseguirá, porque - a minha honra e a dela  - é maior que todo o Brasil., escreveu o monarcaOu repetiria, com o mesmo sentido: ...enquanto estiver com todas as minhas forças, a declaração da independência não será feita.

Diante da agitação nativista e das intenções furiosas da Corte portuguesa, o manifesto lavrado no dia 9 de janeiro, com o consenso dos representantes das Províncias consultadas, das elites e, no dia seguinte, lido no Parlamento no Rio de Janeiro, tornou-se o Edital do Senado da Câmara. Portanto, o dia 10 de janeiro ficou assinalado como sendo o Dia do Fico. Seguiu-se inevitável a Independência, em 7 de setembro de 1822, delimitados foram os passos à proclamação do Ipiranga. Sarou a dubiedade do Príncipe Regente que resolveu ficar e o Brasil tornou-se Império, diferentemente das províncias da América espanhola, que se proclamaram repúblicas.     

01/10/2014


Do inventário amigável de Francisco José Soares


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Dizem os abaixo assinados Luiz Cândido Maciel de Brito, herdeiro inventariante, Manoel Xavier da Cunha Montenegro e Onofre José Soares, também como herdeiros, que, tendo falecido ab-instestato, no dia vinte e cinco de maio do corrente ano de mil oitocentos e setenta e dois, nosso sogro e pai Francisco José Soares, deixando três filhos legítimos, Onofre José Soares, Dona Antonia Francisca Soares de Brito, casada com o primeiro nomeado Luiz Cândido Maciel de Brito, e Dona Maria Francisca Soares Montenegro, casada com o segundo nomeado Manoel Xavier da Cunha Montenegro, todos maiores de 21 anos, e conseguintemente isentos de forma de juízo, por isto temos justo e contratado entre nós de fazermos amigavelmente o inventário e partilha dos bens deixados pelo dito nosso falecido sogro e pai; a fim de que seja afinal julgado por sentença, e para este fim nos louvamos nos senhores: Enéas Barbalho Ferreira do Carmo, Francisco da Silva Bastos para avaliadores dos bens que forem descritos em dito inventário amigável e no senhor Idalino Abílio Pinheiro Monteiro para o escrever; os quais achando-se presentes aceitaram  esta nossa louvação prometendo-nos proceder com inteireza e conforme em suas consciências entendessem, e passamos assim a proceder a descrição e avaliação como nos cumpre sobre os mencionados bens, e declaramos, em tempo, que nos louvamos no herdeiro Luiz Cândido Maciel de Brito para inventariante, o qual aceitando a louvação presente descrever os bens pertencentes ao monte de nosso sogro e pai, havendo-se no desempenho de suas respectivas funções com todo zelo, inteireza e retidão; o que tudo para constar se lavrou o presente termo em que assinam o inventariante, herdeiros e avaliadores. Povoação de Guamaré, 14 de agosto de 1872. Eu Idalino Abílio Pinheiro escrivão louvado o escrevi. Luiz Cândido Maciel de Brito, Manuel Xavier da Cunha Montenegro, Onofre José Soares, Francisco da Silva Bastos, Enéas Barbalho Ferreira do Carmo.

No inventário, entre as terras descritas, salientamos: Fazenda Carauzinho; lote de terras no Riacho Camurupim, comprada a João Leandro; meia légua de terras, no Sítio Fazenda Nova para o Guajiru; um lote de terras no Sítio Lagoa da Ilha, no Rio Salgado, da Freguesia da Vila de Angicos, comprada a Manoel Vieira da Costa (este, irmão de dois tetravós meus, Agostinha Monteiro de Sousa e Vicente Ferreira da Costa e Mello do O’); um lote de terras no Sítio Canafístula, comprada a Clara Gomes da Silveira; lote de terras na Freguesia de Angicos, no Sítio Assenon, comprada a Alexandre Francisco Pereira Pinto; lote de terras na Fazenda e Sítio Assenon, comprada a Gonçalo Pereira Pinto.

Francisco José Soares, o inventariado, desposou Izabel Joaquina da Hungria, na capela de Nossa Senhora da Conceição de Guamaré, em 21 de julho de 1830, ele, filho de Manoel José Soares, falecido, e Felipa Maria de Jesus, ela, filha de João Francisco dos Santos e Gertrudes Gomes da Silveira, sendo testemunhas o padre José Berardo de Carvalho e Venâncio José da Silva.

Manoel Xavier da Cunha Montenegro, que nasceu e foi batizado, em 1836, tendo como padrinhos Diogo Velho Cardoso e Catharina de Sena Flora Cavalcante, ambos casados, casou com Maria Francisca Soares, em 25 de novembro de 1857, na capela de Nossa Senhora da Conceição de Guamaré, sendo ele filho de Francisco Xavier da Cunha e Izabel Rodrigues de São Tiago, e ela de Francisco José Soares e Izabel Francisca Soares (os nomes sempre variando de registro para registro), sendo testemunhas Onofre José Soares e Francisco Xavier da Cunha Montenegro (irmão do noivo).

Em 4 de julho de 1881, em oratório privado na Fazenda Conceição da Matta, residência do tenente-coronel Onofre José Soares, foi realizado o casamento de Onofre José Soares Filho e Maria Francisca Soares Montenegro, com dispensa de parentesco de 2º grau. Embora não constassem os nomes dos pais dos nubentes, sabemos, pelo grau de parentesco (primos legítimos), que ele era filho de Onofre José Soares e Maria do Carmo do Amor Divino, e ela de Manoel Xavier da Cunha Montenegro e Maria Francisca Soares. O registro informa que ele era de Touros, e ela de Macau.

Luiz Cândido Maciel de Brito nasceu em 1831, filho do português, de Ponta de Lima, Arcebispado de Braga, Antonio Maciel Pereira de Brito, e Izabel Clara de Macedo, tendo como padrinhos José Antonio Pereira Maciel de Brito e Antonia Maria de Bastos, da Freguesia de Una. Do casamento dele, com Antonia Francisca Soares, encontramos, apenas, a filha Izabel, nascida e batizada, em Guamaré, no ano de 1855, tendo como padrinhos Antonio Cândido Maciel de Brito, solteiro, e Severa Francisca Soares, solteira.
Capa do inventário de Francisco José Soares