Do Éden ao coronavírus
Tomislav
R. Femenick
– Jornalista
No começo era o
nada. Depois fez-se a luz e o universo. E nele, o nosso planeta, o sol, a lua,
os cometas e as estrelas. Mas Deus queria mais, criou a terra, a água, o fogo e
o vento; criou o dia e a noite. E, para coroar sua criação, criou o homem à sua
imagem e semelhança. Mas era insuficiente. Criou a mulher e os colocou para morar
no Éden. É pouco: não ter que trabalhar, morar no Paraíso sem ter que pagar
IPTU nem taxa de condomínio e, além de tudo, ser casado e não ter sogra. É... o
ser humano era o centro de todo o universo; uma espécie de antropocentrismo
capenga, uma velada contraposição ao teocentrismo, que sempre põe Deus no lugar
supremo. Essa é a história contada por várias religiões, para explicar a
criação do cosmos e do ser humano.
O primeiro
percalço foi aquele da cobra e da maçã. Pura sacanagem. A cobra levou Eva na conversa
e essa sussurrou baixinho no cangote de Adão e deu no que deu: foram
defenestrados e o
jardim do Éden ficou guardado por querubins, armados com espadas flamejantes.
Mesmo despejado e
tendo que trabalhar para ganhar o seu sustento, o homem continuava no centro de
tudo, pois a sua casa natural, o planeta Terra, ficava no centro do Universo e
em seu entorno giravam todos os outros corpos celestes. Aristóteles e Ptolomeu
– o primeiro um dos maiores filósofos, e o segundo o maior astrônomo de então –
estavam aí para garantir essa firme posição, o geocentrismo, aceito e sacramentado
pela Igreja de Roma.
Estava tudo bem
assentado e aceito, até que no século XVI o castelo começou a cair. Galileu Galilei (um físico, matemático,
astrônomo e filósofo italiano) e Nicolau Copérnico (um cônego da Igreja
Católica, astrônomo, matemático, administrador, jurista e médico polonês)
desenvolveram, paralelamente, a teoria heliocêntrica, isso é, de que o sol é
que era o centro de tudo. O geocentrismo cedia o lugar ao heliocentrismo, agora
com resistência da igreja. Todas essas teorias tinham duas coisas em comum: a
primeira, explícita, a concepção fechada e finita do Universo; e a segunda,
implícita, a relevância do ser humano.
Esse “estado da
ciência” permaneceu por um bom tempo, com pequenas diferenças de entendimento,
até que estourou a bomba: o sol é apenas uma estrela de quinta categoria, e
como a Terra, há outros sete planetas: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter,
Saturno, Urano e Netuno; além de “Plutão
que já foi planeta”, mas foi excluído.
Quando a humanidade começou a se acostumar com o seu rebaixamento de categoria,
outra bomba explodiu: o sistema solar inteiro é apenas um pequeno ponto na periferia
da nossa Galáxia, a Via Láctea. O sol é apenas uma das cem bilhões de nebulosas, aglomerados, estrelas, poeira e gás do sistema galáctico.
Eita porrada
certeira na moleira do ser criado à imagem e semelhança de Deus; agora reduzido
a pó de titica de pulga de barata; a insignificância absoluta. Um detalhe a
mais, existem bilhões de galáxias no Universo.
Depois de
humilhado no sentido macro e esmagado pela grandeza do Universo, finito ou não
(mas essa é outra conversa), agora a raça humana está sendo desafiada e
devorada por um ser minúsculo, pequenininho, invisível a olho nu, o novo
coronavírus. Somente microscópios potentes, como o existente no Instituto
Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), do Rio de Janeiro, mostra, em detalhe, a
configuração do vírus e o momento exato em que uma célula é infectada pelo novo
coveiro da humanidade. O estrago tem sido feio. Dezenas de milhares de pessoas
morrem todos os dias, infectadas pelo “maledetto”, a economia do mundo está em
frangalhos, a qualidade e o nível de vida dos mais pobres está em declínio crescente.
Enquanto isso,
muitos se julgam infectáveis pelo vírus, igual àquele desembargador lá de São
Paulo. O pior é que esses intocáveis colocam em risco a vida das outras pessoas
com quem convivem – e até a de quem eles nem conhecem.