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31/12/2017

FELIZ ANO NOVO



FELIZ ANO NOVO, DE VERDADE

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO



O tempo é um enorme desafio, emoldurando a vida. Não se trata apenas de uma sucessão de dias, revelando a impotência humana para detê-lo. Apesar do progresso da ciência e de suas conquistas, não conseguimos pará-lo. A sua realidade fugaz é uma complexidade, que não se explica por um conceito meramente cronológico. Porém, a humildade, que desnuda o coração humano de toda pretensão, é capaz de criar a possibilidade de não o tornar um aguilhão que aponta diariamente a verdade de cada um. A simplicidade faz-nos aceitar os enganos das escolhas. O tempo passa inexoravelmente. Ninguém é capaz de segurá-lo. E hoje se tem a impressão de que ele é mais veloz. Há avalanches de solicitações, propostas, informações, possibilidades, necessidades criadas etc. que nos assaltam, muitas desprovidas de interioridade. Os mestres da espiritualidade, filósofos e místicos ensinam que o tempo é, antes de tudo, uma questão interior. Se concentrarmos tudo na exterioridade e nas aparências, ele não só passa mais rápido, como também se esvai à nossa revelia. Sem interioridade, adota-se um modo egoísta de existência, sem compromisso com o próximo.
O desejo de um verdadeiro “Feliz Ano Novo” necessita de algo a mais. Urge cultivar a sensibilidade humana e social, desenvolvendo outro estilo de relacionamento humano. O profeta Isaías, para despertar a consciência do povo sobre a novidade do tempo, fala do sentimento e do propósito de Deus a ser assumido por todos. Afirma que o Onipotente, por amor e solidariedade a seu povo, não descansa enquanto “não surgir na sociedade, como um luzeiro, a justiça, e não se acender nela, como uma tocha, a paz” (cfr. Is 62, 1). E isso é o novo para o profeta. Deste modo se desenha o caminho para que se possa trazê-lo, na contramão de interesses egoístas, grupais, partidários e até religiosos, por vezes mesquinhos e alienantes.
Para que haja realmente um Ano Novo, vamos reduzir a insensibilidade, a violência, o pessimismo, o ódio, e regar de ternura nossos sentimentos mais profundos. Não podemos nos mirar totalmente nos outros. A inveja mina a autoestima e fomenta o ressentimento. Em 2018, empenhemo-nos a todo custo por crer em nós mesmos e em nossa criatividade para superar crises e dificuldades, bem como abraçar os desafios. Acreditemos que carregamos dentro de nós a força maior da esperança, do amor e da fé. Esforcemo-nos para estender aos outros as mãos, como pessoas livres e não reféns do egoísmo. Para que o ano seja realmente novo, é necessário cuidar daquilo que falamos. Não pronunciemos difamações e injúrias. O ódio destrói a quem o carrega na alma, não o odiado. Troquemos a maledicência pela benevolência. Comprometamo-nos a expressar alguns elogios por dia, em troca das críticas e condenações.
Para haver novidade e ano novo é preciso não desperdiçar nosso tempo e nossa vida hipnotizados pela televisão. É necessário não navegar irresponsável ou aleatoriamente pela internet, naufragados no turbilhão de imagens e incontáveis informações que não conseguimos absorver e silenciar. Não deixemos que a sedução da mídia anule nossa capacidade de discernir e nos transforme em consumidores compulsivos. A publicidade sugere felicidade e, no entanto, nada oferece, senão prazeres fugazes. Procuremos centrar nossas vidas em valores permanentes, nunca nos efêmeros. Procuremos o silêncio neste mundo ruidoso. Lá encontraremos a nós mesmos e, com certeza, Deus, que quase nunca é escutado. Isso, sim, será sem dúvida Ano Novo.
Tentemos cuidar de nossa saúde, mas sem a obsessão das dietas e a escravidão das balanças e academias. Aceitemos os cabelos brancos e nossas rugas, e não temamos as marcas do tempo em nossos corpos. Elas são sinal de sabedoria e experiência. Usemos revitalizadores de compreensão, generosidade e compaixão. Procuremos não confundir o urgente com o prioritário. Não nos deixemos guiar pelo modismo. Afastemos de nossas mentes preconceitos, sentimentos que discriminam, pensamentos que excluem. A vida é breve e, de definitivo e certo, só conhecemos a morte. Guardemos um espaço em nosso cotidiano para o contato com o Transcendente. Deixemos que Ele habite em nossa subjetividade e aprendamos a fechar os olhos para ver melhor. Assim teremos real e verdadeiramente um Ano Novo!

29/12/2017

A casa do Rio Vermelho


texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

A casa de Jorge Amado e Zélia Gattai


A casa do Rio Vermelho foi o começo de uma nova vida e de muitas histórias de vida. Jorge e Zélia habitaram e planejaram cada lugar naquela casa comprada em Salvador/BA, no bairro do Rio Vermelho. Projeto do arquiteto Gildebert Chaves e pitacos de amigos, como o próximo Carybé, revelaram a composição final da casa. O que se passou durante toda uma vida de amor e filhos desde a compra, e eram os anos 1960, está sedimentado na casa.

Jorge na varanda escrevendo seus romances, que ganharam o mundo e todas as línguas, cada um com seu sabor. Gabriela veio a cravo e a canela, Dona Flor quituteira de muitos costados, esposa de dois maridos, um vivo, outro morto, um sério, outro Vadinho. E Cacau, e Capitães de Areia. Muitas histórias, tantos personagens, e tanta vida e verdade que todos eles descem e sobem Salvador todos os dias no imaginário do povo, porque é dele que foram feitos.

Uma casa para a vida simples e rica do casal, que ali recebia gente de todo canto e que lá se hospedava sem regalo. Portas estiveram sempre abertas, janelas escancaradas para a vida, porque de outra forma não receberia o espírito do baiano, aquele que nunca hesita e sempre convida, a casa é sua, sempre cheia.

Vinicius de Moraes certa vez cantando para as crianças e inventando canções, Zélia ali calada com o gravador, e assim nasceu o álbum Arca de Noé. Uma casa que também hospedou, mais de uma vez, um poeta conhecido e ovacionado de toda gente, o chileno Pablo Neruda, e sua Matilde.

Dos detalhes: o portão de ferro é desenho de Carybé; os azulejos executados por Udo Knoff; Mário Cravo projetou o lago do jardim; os móveis, desenho do arquiteto Lew Smarchewski; e a porta de entrada é do gravador Hansen Bahia. Jenner Augusto ficou com as outras. Mais, na casa, muita comida e crença baianas, um amor e uma vida a dois, Jorge e Zélia, semeada, vivida, registrada numa casa tão sonhada e realizada, porque feita de nada mais do que muita vida, a casa do Rio Vermelho.

ATINGIMOS OS 140.000 ACESSOS.
OBRIGADO AOS NOSSOS LEITORES.

ESTAMOS EM RECESSO ATÉ 06 DE JANEIRO DE 2018.

FELIZ ANO NOVO.

28/12/2017

CEARÁ-MIRIM PERDE UM FILHO QUERIDO


MINHA PROFUNDA SAUDADE 
Por:  CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES

CIRO JOSÉ TAVARES

Flavia Sobral e Ciro Tavares - primos de 3º grau


Ciro José Tavares da Silva, nascido em Natal, a 25 de agosto de 1940, formou-se em Direito na Faculdade de Direito de Recife em 1964. De 1964 a 1980 militou na imprensa, exerceu a advocacia e integrou os quadros funcionais da Esso Brasileira de Petróleo e da Siderúrgica Açonorte, ocupando funções Administrativas. Em 1981, estimulado por seus pais, abandona definitivamente tarefas vinculadas a empresas, viaja à Europa e na volta retoma sua profissão de advogado.
Iniciou-se efetivamente na literatura em 1987, publicando, a convite do jornalista Marcus Prado, dois poemas na coluna do jornal Diário de Pernambuco. Um ano depois, recebe o Prêmio Ladjane Bandeira de Poesia com o livro “Além da Rosa-dos-Ventos”, posteriormente selecionado pela UBE, RJ para o Prêmio Jorge Lima de Poesia. Contudo, sua publicação pela FUNDARPE, uma semana antes da premiação, levou o autor a retirar sua inscrição, porquanto a obra não mais correspondia ao espírito do certame, destinado a estreantes. Paralelamente, na mesma ocasião, seu “As Elpses de Phoenix” credenciara-se para o Prêmio Jorge Fernandes de Poesia, também da UBE-RJ.
A nível regional, recebeu, duas vezes, o Prêmio de Poesia Raymundo de Moraes, do Gremio Cultural Rubem Van Der Linden e da Academia de Letras de Garanhuns (PE). Integrou diversas antologias de poesias no Brasil e no Exterior. Publicou ainda Baladas e Moinhos, seu terceiro livro de poesias, e as biografias À sombra do Tempo, sobre seu pai, o cirurgião José Tavares da Silva, e A Sinfonia do outono, sobre a figura centenária de João Paulo de Souza, um ícone do mundo empresarial do Rio Grande do Norte. Resgatou e organizou o livro Álbum de Versos Antigos, de Adele de Oliveira, sua tia-avó.
Eu conheci Ciro quando fazia contatos em Ceará-Mirim para a publicação do livro de sua tia-avó a poetisa Adelle de Oliveira. Fizemos uma reunião na Biblioteca Municipal e gravamos seu depoimento a respeito dos poemas e jornais deixado pela poetisa.
O escritor é descendente da família Sobral de Ceará-Mirim, e, quando criança, passou muitas férias na residência de Adelle ao lado da linha do trem onde conheceu a história dos engenhos do vale, principalmente, o Engenho Cumbe já em ruínas.
Para homenagear Ceará-Mirim o poeta escreve, em seu livro ANÊMONAS o poema Ode a Ceará-Mirim.
I


Ceará-Mirim, Ceará-Mirim adormecida.
Regresso saudoso e no encontro lamento teu destino, renascida Tróia, na Via Láctea suspensa pelo novelo de Ariadne.
Ceará-Mirim, Ceará-Mirim eterna, submersa no vale, rasgado pelo rio. Vento, sol, neblina, entrelaçados, tecem, no abandono, verdes que alucinam, pelas mãos dos fantasmas nos escombros dos engenhos.
Cidade abençoada, submetida aos sonhos construídos à sombra dos antigos átrios, circulados de colunas jônicas.
O pólen, expirado pelos poros da cana-de-açúcar, viajou no colo da brisa do estio.
Pelas ruínas das venezianas, entregou sua estranha alma aos nossos corpos e, no silêncio das noites, extinguiu as velas de oratórios ancestrais como se nossas vidas apagassem.


II

Ceará-Mirim, Ceará-Mirim, o espírito dos antepassados, a rapidez do tempo substituiu por envelhecidas sombras fixadas na arquitetura.
Apenas a igreja, consagrada à Virgem da Imaculada Conceição, resiste e desafia à decadência.
Ceará-Mirim, Ceará-Mirim das manhãs fugidias nos invernos, claros matizes recolhidos por duendes à caixa de Pandora.
Presos entre salas e alpendres, os meninos brincavam, mas doía-lhes a umidade, emanante do assoalho e das paredes.
Na queda intermitente da água, as biqueiras davam a impressão de pêndulos metálicos que, nos relógios, arrastavam horas preguiçosas.

III

Ceará-Mirim, Ceará-Mirim.
O milagre, no final da invernada, devolução do azul ao céu escampo, lusco-fusco vespertino a conduzir nas chalupas da noite as sombras do ocaso, coaxar de rãs nos charcos, monocórdicos ruídos de grilos e besouros, a efêmera luz dos frágeis vaga-lumes.
Claros das luas espraiados nos telhados, novenas de maio, rosário de dezembro, casais de namorados nas calçadas, terraços elevados, violões harmoniosos, um estudo de Tárrega, uma sonata de Beethoven, débil luz de candeeiros, refulgindo a aguardente nas taças cristalinas.
A fumaça dos cigarros evolando-se, a solidão noturna das ladeiras, o quadro de lembranças concluído.

IV

Nas esquinas vazias, a alma dos avôs, o aroma fresco da alfazema, a lentidão dos passos.
De repente, o sino melancólico, distante, Senhor da vida, escurecendo lâmpada, estrela cadente, vida arrebatada, o caminho da estação do trem das Parcas, o último minuto, lágrimas, adeus.
Ceará-Mirim, Ceará-Mirim adormecida.
Nada regressará do mistério da viagem.
Somente eu pareço desperto no teu seio, até que a vida me liberte da saudade.
FONTE: Blog Ceará-Mirim Cultura e Arte




CIRO TAVARES FALECEU ONTEM, EM BRASÍLIA.


MINHA ÚLTIMA COMUNICAÇÃO COM CIRO


"NÃO CHORE O QUE SE FOI CELEBRE O NOVO AMANHÃ
Estamos aqui entre as lágrimas de um crepúsculo e as alegrias de uma nova luz que resplandece no horizonte.
Afasto dos meus pensamentos as imagens das calças – curtas de outrora, quando esperávamos que o sono viesse mais depressa e quando o sol empurrasse a noite para frente, a claridade arrastasse-nos dos cálidos colchões para a fantasia das lembranças pousadas nos chinelos.
A realidade, de um ano para outro fez desaparecer o mito e crescidos fomos apresentados à saudade. 

A todos os amigos abraço comovido desejando um belo e Feliz Natal, Ano Novo de muita luz e paz. E faço em nome da família." 


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A VIDA É UM SOPRO

Valério Mesquita*

A simplicidade de Oscar Niemeyer era contagiante. Fez-me pegar a caneta como eu gosto e me habituei e passar a escrever ao sabor da emoção. Ateu mas tão socialista na oferta como Francisco de Assis. Agnóstico mas tão sábio quanto Agostinho. Reconhecido mundialmente no traço e no poder do concreto quanto Paulo nas planetárias epistolas: lógico e conciso. Tão comunista, quanto cristão na concepção arquitetônica de igrejas e capelas pelo Brasil afora. Humilde, acessivo e carismático tanto quanto João Paulo II na arte de conquistar o povo de Deus pelo olhar de plenitude e fragilidade. Niemeyer foi maior que qualquer rei do rock, do rap, dos ricaços de qualquer conglomerado empresarial neste país. Isso tudo porque foi um simples, que viveu, amou, se divertiu e se deu a respeito. Nunca ninguém leu o seu nome envolvido em falcatruas em meio a tantas criações e obras em governos mil.
Limpo e feliz, criativo e dedicado, suavizou o concreto e até a morte, nunca dela falando mesmo a vida se esvaindo. Inspirou-se no mestre Le Corbusier. Brasília, de parceria com Lúcio Costa, ele é o cara e o coroa quando expirou agora aos 104 anos. Postava-se tímido, fumante (vejam só), gostava do romance mas na arquitetura era instintivo. Falava em Deus mas não acreditava em religião. Já li esse fato em entrevista que concedeu. Claro que foi maior que sua arte. Falava em céu, firmamento, estrelas, tudo criado pelo Supremo Arquiteto do Universo, enquanto ele “o maior arquiteto do Brasil e um dos melhores do mundo”. Neste último conceito o seu estilo foi inimitável, único e incomparável.
Oscar Niemeyer possuía o dom de viver, daí a longevidade: sem ostensividade, vaidade ou vã glória. Laureado em todo o mundo, mas avesso as homenagens. Quando se sentiu ameaçado no regime militar  auto exilou-se em Paris. Não conspirou, não ameaçou nem foi terrorista. Apenas, confiava no comunismo como na sua arquitetura. Ficará conhecido e perenizado pela arte e não pela crença política. Mesmo assim, dava-se a respeito, mais do que muitos que a professaram. Sua morte foi lamentada em todo mundo. Estados Unidos, Inglaterra, França, Israel, Espanha entre outros paises, ele deixou um legado de obras cativantes, admiradas pela tipicidade e a “curva livre e sensual das suas linhas”.
Mas, a chama inapagável de Niemeyer não se notabilizou tão somente no milagre que esculpiu com a linha reta embelezando as curvas de tantas edificações. Embora centenas, todavia, dezenas de suas criações ao vivo ou à cores pela TV e fotos eu já admirava. Fui, exatamente, me emocionar com a simplicidade cósmica desse personagem. Famoso, rico honestamente – frise-se – no entanto, pacífico, modesto, recatado, ciente de sua transitoriedade. Enfim, um cristão sem reza, oração, igreja ou templo. Um pintor de arcos voltaicos, de auroras boreais, de crepúsculos planaltinos, de galáxias estrelares, com um pincel singelo, a pobreza de um proletário, revolucionário, vidente, vermelho mas suave no canto e na voz. Uma personalidade marcante para não ser esquecida que tinha no crayon o sentimento do mundo, apesar da “vida ser um sopro”, como dizia.


(*) Escritor.

27/12/2017

H O J E


PODERÁ SER ADQUIRIDO DIRETAMENTE NO HOSPITAL

Sanderson e o querer bem



Lívio Oliveira – membro da ANRL e do IHGRN

Sanderson Negreiros partiu. Foi em busca de outras paisagens e paragens. Despediu-se de nós um dos maiores escritores do Rio Grande do Norte, um dos nossos mais sensíveis e profundos poetas, um amante dos livros, um sábio. Sanderson nos deixou após uma longa temporada de solidão e recolhimento. Imensamente sofria pela perda, há alguns anos, de sua amada Ângela: aquela que ele avistou, pela primeira vez, no céu.
Agora, novamente, o fez. No céu. No céu pleno e azul.

Lembro-me dos dias em que tive a especial oportunidade de visitá-lo e entrevistá-lo. O grande poeta e cronista ainda morava no Alto da Candelária, onde convivia apaixonadamente com Ângela e com os livros.

Cheguei a acreditar, antes de ingressar naquele verdadeiro templo do intelecto e da sensibilidade, diante de uma bela Acácia que ele plantara, que Sanderson não me receberia bem, que exibiria algum humor dificultoso ou vaidade demasiada (o que chega a ser comum no meio intelectual potiguar). Talvez eu tivesse tais impressões em face do seu semblante muitas vezes hermético, com ares de reflexão ou devaneio. 

Nada disso. Nada de mau humor. Sanderson era uma figura terna e harmoniosa. A partir da minha entrada em sua casa, passei a alimentar por ele um querer bem que me pareceu mesmo ser correspondido. Ele me dizia, sim, que eu era uma figura agradável e do bem. E isso me envaidecia, trazia-me e me traz responsabilidades, como me trouxe o voto entusiástico (considero sagrado) que dele recebi para o ingresso na Academia.

Foi ali, em meio aos livros, quando eu escrevia uma série de textos para O Galo –posteriormente enfeixados num volume publicado pelo Sebo Vermelho, intitulado “Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte” – que Sanderson me falou acerca do seu maior amor, amor de toda a vida. Nada mais belo do que aquela história. Foi ele mesmo quem me disse, apontando para a presença forte de Ângela, a nos acompanhar na conversa:

“Conheci a minha mulher na praia de Genipabu, quando eu visitava, junto com Luís Carlos Guimarães, a casa dos pais de Ângela. Um avião pequeno dava rasantes sobre o mar. Eu, que estava pensando em voltar para o Rio de Janeiro, onde estava trabalhando, avisado sobre a moça aviadora, disse logo, sob o olhar desconfiado do seu pai: – Vou casar com ela! Hoje, a minha esposa é a minha conselheira espiritual, minha colaboradora, minha censora, a única pessoa que eu permito que me censure.”

Essa a grande paixão de Sanderson. E todos sabem o que a perda da inesquecível companheira ocasionou no interior do imortal. Todos nós, os seus amigos (apesar das diferenças relativas às gerações, acredito que ele me considerava assim), percebemos que o semblante de Sanderson mudara. Mesmo assim, não deixou de distribuir o bem querer entre as pessoas que o procuravam. A mim, por exemplo, sempre dirigiu palavras de incentivo honesto, verdadeiro e edificante. Sempre as colhi como quem colhe as mais belas flores da primavera. E as guardo na profundidade do coração. E da mente, porque Sanderson também sabia ensinar, orientar. Era uma das suas inegáveis vocações.

Sigo aqui, caro mestre Sanderson, com algumas de suas lições anotadas, como aquela advertência serena com que me presenteou uma vez: – Lívio, não trate o seu livro por “livrinho”. Nunca! Ele pode ficar triste! 

Estamos tristes, sim, querido Sanderson, mas ainda ouvimos firme a sua voz, que deixou impressa no tempo, para nos alegrar sempre. Vá em paz, em busca do seu maior amor no céu, onde o viu pela primeira vez.

Por aqui, vamos repetindo palavras com que nos brindou a todos, tatuadas na pele do mar: “Tenho a solidão/conhecida por altos príncipes/do azul.”

25/12/2017

NATAL COMPLETA 418 ANOS



25/12/2017  Parabéns Natal, pelos seus 418 anos! Fundada em 25 de dezembro de 1599 - NATAL, a Cidade do Sol e do sal; Terra dos Santos Reis; Esquina do Continente; Capital Espacial do Brasil; Trampolim da Vitória ou simplesmente Natal: das dunas, do rio, do mar. A capital do Rio Grande do Norte também tem como símbolo a sugestiva estrela de Belém, formato da Fortaleza dos Reis Magos, que “protege” a cidade, banhada pelas águas do Potengi e do Atlântico, e emoldurada de dunas por todos os lados.







FRATERNIDADE
 
Que me ajude o meu sangue árabe
Que me ajude o meu sangue judaico
Que me ajude o meu sangue europeu
Que me ajude o meu sangue africano
Que me ajude o meu sangue asiático
e aborígine
 
Que me ajudem todos os meus sangues
a construir a fraternidade universal
 
                                   (Horácio Paiva)

22/12/2017

VM

O TEMPO E O SENSO

Valério Mesquita*

Nos dias de hoje, o ânimo de viver nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação e criatividade. O próprio Luís da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos. Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade inesgotável e volubilidade inventiva contagiadas pelas idéias, gostos e poder aliciante do charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram largamente influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo morto, pela inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que se encontram como que cristalizadas em todos nós.
São as nossas afinidades eletivas fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a realidade ou, às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os procedimentos rotulados de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores públicos. Não é a compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que desejamos, penso, é respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de radiação imanente, que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e destrutivo de uma “cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto astral! O crítico Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro “Retrato do Brasil” que a proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício de nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.
A cultura se transformou num circo mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e inseguranças, desde o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se serpentário de figuras exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, já passa do tempo do governador reunir os órgãos de cultura do estado: Academia Norte-Riograndense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto Histórico e mais ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos literários para ouvir sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa da sociedade, porém, totalmente esquecida e somente lembrada para eventos passageiros. No ensejo, por exemplo, do governo contrair um vultuoso empréstimo internacional, as entidades culturais não foram ouvidas para discutir e identificar os seus problemas estruturais.
É com profunda lástima que vemos as edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel da dramática criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados se encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não passa”. A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que retrata a abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado, nunca foram substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio histórico e artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e acuidade perceptiva dos governos. Como na Trindade Santa, o passado, o presente e o futuro se entrelaçam na mesma realidade temporal. São três tempos distintos numa só integridade temporal; amalgamados de idéias e inteiriços. Que esse cabedal seja intenção e deliberação permanentes dos órgãos de cultura do estado. Vamos aguardar.


(*) Escritor

21/12/2017

ÚLTIMOS MOMENTOS DO IHGRN NO FINAL DE 2017

ÚLTIMA REUNIÃO DA DIRETORIA - DIA 19


VISITA DA REITORA ÂNGELA MARIA CRUZ, DA UFRN - DIA 21







DIA 22

Encerramento das atividades no IHGRN. Reunimos a Diretoria e os funcionários e entregamos o Prêmio do Funcionário do Ano ao sr. Manoel Bezerra da Silva. Por se tratar da Casa da Memória não podíamos deixar de exibir a "memória do wisque nacional". Estaremos de volta no dia 8 de janeiro de 2018. Tenham todos um bom Natal e um 2018 cheio de realizações.


I H G R N - COMUNICADO DE ADIAMENTO DE FESTIVIDADE



ORMUZ BARBALHO SIMONETTI, Presidente do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, divulgou o seguinte comunicado aos seus associados, amigos e convidados, pedido de todos a devida compreensão:

Caros confrades, amigos e convidados. Em virtude da preocupante situação de falta de segurança que passa os cidadãos de nossa cidade, a Diretoria do IHGRN resolve adiar, por tempo indeterminado, a solenidade prevista para amanhã (quinta feira) 21 de dezembro de 2017. Oportunamente comunicarmos o dia que a solenidade será realizada.

"LEMBRANDO SANDERSON NEGREIROS"


Ivan Lira de Carvalho
  Conheci Sanderson quando ingressei na graduação em Direito na UFRN, na mesma turma de Ângela, sua esposa, que já era formada e estava fazendo o segundo curso. Ele era Chefe da Casa Civil do governo Tarcísio Maia.
 Acompanhava a mulher nas nossas confraternizações, que eram bem frequentes - e não só natalinas, como atualmente. Aí os nossos papos amiudavam, sobre cultura geral e “causos” que ele amealhou na vida acadêmica e nos cargos públicos que exerceu.
Tirava onda consigo, ao recordar que chamou o “vade mecum” de “quo vadis” nos primeiros tempos de faculdade. Misturou o bolor dos fóruns com a Sétima Arte, pela qual tinha maior predileção.
 Dizia-me da admiração profunda pelo irmão padre, Emerson, que foi vigário de Santa Cruz por muitos anos e para onde rumava em férias o seminarista Sanderson, balançado entre as virtudes sacerdotais e o apego à literatura laica. Findou vencendo o extra-muros do vetusto prédio curial da Av. Campos Sales. Consolidou-se a opção com a entrega de todo amor armazenado no coração-sentimento à doce Ângela, anjo da sua vida dali em diante. Em nova esquina da vida o destino nos marcou um encontro: pouco tempo depois de formados - um ano e meio, com precisão - eu e Ângela fomos aprovados em concurso e ingressamos na magistratura do Estado do Rio Grande do Norte.
Eu fui presidir a Comarca de Augusto Severo, miolo do Médio Oeste; ela foi judicar em Touros, linda praia onde os alísios curvam o continente. A cada jantar, a cada almoço, a cada solenidade, a cada celebração que a vida funcional nos proporcionava, eu sempre arranjava um jeito de sentar-me à mesa do poeta, para entre taças de vinho e garfadas generosas (ele era bom nessas duas ferramentas...), abastecer-me de saber e de bondade.
Certa feita dedicou uma noitada a explicar-me as virtudes da doutrina espírita e o sentido da eternidade; do real valor da expressão “plano” no contexto kardecista. O aluno aqui, indo com mais frequência à taça do que ao garfo, perdeu as conclusões da aula, à medida que a sobriedade esfumou-se como o perfume da bebida.
 Mas juntei pedacinhos daqueles ensinamentos e montei, à minha maneira, a compreensão das vidas repetidas. Noutras jornadas expunha o seu desejo de estruturar em páginas uma novela que tinha prontinha na mente, ambientada no sertão cearense, cercanias de Pereiro, onde as pessoas deixavam um casarão histórico fechado e partiam para outras plagas e quando retornavam, anos adiante, encontravam tudo intacto - paredes, portas, teto, mobiliário, utensílios -, mas que se desmanchavam ao simples toque dos dedos, reduzindo-se a pó.
As quadras se passavam e a cada encontro eu lhe cobrava a obra, obtendo a resposta gargalhada “ainda não”. Há poucos anos um abril chegou com a triste notícia da morte de Ângela. De logo vaticinei que em breve partiria Sanderson, independentemente do seu estado de saúde. E assim aconteceu. Não li, mas acredito que no registro do seu óbito, no espaço destinado à “causa mortis”, o oficial lançou a palavra “saudade”."


 

20/12/2017

Para guardar, o criado mudo


Mobiliário & objetos

texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Iminência parda, em par, firma-se sentinela ao lado da cama. Mutismo total é testemunha silenciosa da alcova, talvez venha daí a sua porção muda, enquanto a criadagem se deve às funções de guardar objetos em suas gavetas e depositar em seu cimo as coisas da necessidade do repouso e da dormida. Abajur para noite, óculos de leitura, livros e revistas de cabeceira, quem sabe um copo d´água, xícara de chá, e o que mais prouver e for útil, inclusive o velho despertador de guerra amigo dos compromissos, tudo isso e mais já andou no seu telhado, a cobertura, ao alcance da mão.


Também é conhecido por um nome mais isento, que designa o lugar em que se encontra, é mesa, mesa de cabeceira porque ali está assim também chamado pela língua inglesa, é uma beside table, e até, por estar no quarto, mais utilizado à noite, de night table. Geralmente vem com a cama com ela combinando no material, estilo e forma, mas há aqueles que além de criados e mudos são totalmente independentes da cama que ladeiam, única rebeldia permitida ao seu ofício de servir.

SÁBIOS CONSELHOS

Fernando Sabino, o conselheiro e suas listas






texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Não foi da corte de nenhuma realeza para receber título de conselheiro, na verdade os conselhos nem são assim seus propriamente dito, pegou emprestado, de tanto escutar, aprendeu e repassa. Mineiro que se carioquizou, fez-se romancista e está no panteão dos maiores cronistas brasileiros, divisando com Rubem Braga o ponto sublime, o cume da montanha.

Muitas dos conselhos que saíram em suas crônicas, é bom que logo se diga, e que deram nome a um dos seus livros, donde lhe entrevistamos, são fruto dos conselhos do velho pai, o seu Sabino. Desfrutem Fernando Sabino pelo viés dos seus conselhos, para depois cair nas listas.

Adora fazer listas. Listas de tudo que é coisa, pois toda coisa, parece, é passível de ser listada. Sétima entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é cronista. Entrevistamos no volume de crônicas No fim da certo.

Entrevistador: falemos dos conselhos...  Sabino, o que são as coisas?
Fernando Sabino: São como são e não deveriam ser ou gostaríamos que elas fossem.

Entrevistador: E o que não tem solução?
FS: O que não tem solução, solucionado está, não adianta gastar boa vela com mau defunto.

Entrevistador: E as coisas mudam, conselheiro?
FS: Se mudou, é porque não deu certo!

Entrevistador: Para antes de entrar...
FS: Veja por onde sair!

Entrevistador: Um bom conselho?
FS: Faça somente o que gosta. Para isso, passe a gostar do que faz.

Entrevistador: a melhor forma de resolver um problema é...
FS: a única forma de resolver um problema é primeiro resolver o do outro.

Entrevistador: E no fim, dá certo?
FS: Se não deu, é porque você não chegou ao fim.

Entrevistador: E as listas?
FS: Tenho um fraco por listas. Listas de tudo: das pessoas simpáticas que conheço, ou das mais chatas; dos livros que gostaria de já ter lido; dos melhores filmes que já vi...

Entrevistador: E a aquela das pequenas coisas que o desagradam, tem o que?
FS:Tampa de pasta de dentes, roupa sob medida, comprar a prestação, retirar gelo da forma da geladeira, esperar o que quer que seja, até mesmo pagamento! Salas de espera, vento, buzina, luz florescente, motocicleta, copo de plástico, poema lido pelo artista, a frase “você está lembrando de mim?”

Entrevistador: e por que a implicância com a tampa da pasta de dente?
FS: porque ela escapole da mão, cai no ralo da pia e é uma desgraça tentar tirá-la...

Entrevistador: E das coisas que agradam?

FS: Dia de chuva sem precisar sair de casa, carta que não exige resposta, conseguir desfazer um compromisso sem precisar mentir, pagar a última prestação, a frase “está tudo pago”, chegar atrasado no teatro e o espetáculo não ter começado, a frase “tenho uma boa notícia para você”, cinema sem fila, descobrir que ainda é cedo, dá tempo de tomar mais um, sabonete novo, fazer lista das pequenas coisas que realmente agradam...

   
Marcelo Alves

 
Parlamento e tribunal

Já escrevi aqui, embora faça muito tempo, sobre a Suprema Corte do Reino Unido (Supreme Court of the United Kingdom), criada pelo “Constitutional Reform Act” de 2005 (com efeitos a partir de outubro de 2009) e hoje a mais alta corte de justiça da Terra da Rainha. Todavia, por estes dias, um amigo – certamente, mais saudosista do que eu – me perguntou o que era a tal Casa dos Lordes (House of Lords) para os fins do sistema judicial daquele Reino. 

Para quem não sabe, fazendo par com a mais badalada (e importante, registre-se) Casa dos Comuns (House of Commons), numa espécie de parlamento bicameral, como é o do Reino Unido, a Casa dos Lordes é hoje a câmara alta desse Parlamento, possuindo uma porção de competências legislativas, impossíveis de discriminar aqui. Sem um número pré-determinado de membros, ela é hoje composta por setecentos e tantos Lordes Parlamentares, a imensa maioria, tirando os chamados Lordes Espirituais (bispos e arcebispos da Igreja Anglicana, que não chegam a trinta), com funções vitalícias. É bom lembrar que seus membros não são eleitos para um mandato, ao contrário do que se dá com a Casa dos Comuns ou com a maioria das câmaras e senados mundo afora. Bom, parece que eles estão satisfeitos por lá. 

Também para quem não sabe, a House of Lords, ao mesmo tempo uma das casas do Legislativo, foi, durante muito tempo (até 2009, como dito acima), também a mais alta corte de justiça do Reino Unido. Aliás, segundo nos lembram Mary Ann Glendon, Michel Wallace Gordon e Christopher Ossakwe (em “Comparative Law Traditions in a Nutshell”, West Publishing Co., 1982), “a função judicial da House of Lords antecede [melhor dizendo, antecedia] a sua função legislativa”. 

Entretanto, como eu já disse aqui mesmo, tão-somente em teoria os processos judiciais, tanto de sua competência originária quanto da recursal, eram apreciados pela Casa dos Lordes como um todo. Na prática, os nobres leigos não participavam das sessões judiciais da Casa, e os processos judiciais eram realmente apreciados e decididos pelo denominado “Appellate Committee of the House of Lords”, de fato competente para o exercício da função jurisdicional da Casa e formado apenas por profissionais do direito. O tal “Appellate Committee” era constituído pelo “Lord Chancellor”, seu presidente, e pelos “lords of appeal in Ordinary”, chamados “Law Lords”. Os “Law Lords” eram escolhidos por nomeação direta dentre os “barristers” (categoria de advogado existente no Reino Unido, juntamente com os “solicitors”) mais eminentes ou por promoção de um juiz, geralmente da chamada Corte de Apelação (Court of Appeal), corte imediatamente inferior na hierarquia. Uma vantagem de ser “Law Lord” era, evidentemente, a qualidade de nobre. O “Appellate Committee” detinha competência tanto civil como criminal e predominantemente recursal, conhecendo, no que toca à Inglaterra, por exemplo, sobretudo de recursos provenientes de decisões da Court of Appeal e, excepcionalmente, pelo denominado “procedimento de salto”, da Alta Corte de Justiça (High Court of Justice). Evidentemente, as decisões da House of Lords, salvo raríssimas exceções, eram obrigatórias para todas as demais cortes do Reino. Isso decorria naturalmente da sua posição de mais alta corte e da existência da doutrina dos precedentes obrigatórios no Reino Unido. 

Bom, até o mais conservador dos conservadores há de rever suas tradições quando o panorama da sociedade, espontaneamente ou por pressão externa, impõe mudanças que não podem ser adiadas. As pressões externas vieram; o panorama mudou. O objetivo principal do fim das funções judiciais da Casa dos Lordes (mais concretamente da abolição do “Appellate Committee of the House of Lords”) e da criação da Supreme Court of the United Kingdom resta evidente das discussões previamente empreendidas pelas instituições envolvidas: atribuir a órgãos distintos as funções legislativa e judicial do Reino Unido, em clara homenagem ao princípio da separação dos poderes e ao preconizado na Convenção Europeia de Direitos Humanos. O fato é que, após relevantes serviços, por disposição do já citado “Constitutional Reform Act 2005”, a House of Lords deixou oficialmente de funcionar, como a mais alta corte de justiça do Reino Unido, em setembro de 2009. 

E que se conforme o meu amigo saudosista!

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP