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21/12/2017

"LEMBRANDO SANDERSON NEGREIROS"


Ivan Lira de Carvalho
  Conheci Sanderson quando ingressei na graduação em Direito na UFRN, na mesma turma de Ângela, sua esposa, que já era formada e estava fazendo o segundo curso. Ele era Chefe da Casa Civil do governo Tarcísio Maia.
 Acompanhava a mulher nas nossas confraternizações, que eram bem frequentes - e não só natalinas, como atualmente. Aí os nossos papos amiudavam, sobre cultura geral e “causos” que ele amealhou na vida acadêmica e nos cargos públicos que exerceu.
Tirava onda consigo, ao recordar que chamou o “vade mecum” de “quo vadis” nos primeiros tempos de faculdade. Misturou o bolor dos fóruns com a Sétima Arte, pela qual tinha maior predileção.
 Dizia-me da admiração profunda pelo irmão padre, Emerson, que foi vigário de Santa Cruz por muitos anos e para onde rumava em férias o seminarista Sanderson, balançado entre as virtudes sacerdotais e o apego à literatura laica. Findou vencendo o extra-muros do vetusto prédio curial da Av. Campos Sales. Consolidou-se a opção com a entrega de todo amor armazenado no coração-sentimento à doce Ângela, anjo da sua vida dali em diante. Em nova esquina da vida o destino nos marcou um encontro: pouco tempo depois de formados - um ano e meio, com precisão - eu e Ângela fomos aprovados em concurso e ingressamos na magistratura do Estado do Rio Grande do Norte.
Eu fui presidir a Comarca de Augusto Severo, miolo do Médio Oeste; ela foi judicar em Touros, linda praia onde os alísios curvam o continente. A cada jantar, a cada almoço, a cada solenidade, a cada celebração que a vida funcional nos proporcionava, eu sempre arranjava um jeito de sentar-me à mesa do poeta, para entre taças de vinho e garfadas generosas (ele era bom nessas duas ferramentas...), abastecer-me de saber e de bondade.
Certa feita dedicou uma noitada a explicar-me as virtudes da doutrina espírita e o sentido da eternidade; do real valor da expressão “plano” no contexto kardecista. O aluno aqui, indo com mais frequência à taça do que ao garfo, perdeu as conclusões da aula, à medida que a sobriedade esfumou-se como o perfume da bebida.
 Mas juntei pedacinhos daqueles ensinamentos e montei, à minha maneira, a compreensão das vidas repetidas. Noutras jornadas expunha o seu desejo de estruturar em páginas uma novela que tinha prontinha na mente, ambientada no sertão cearense, cercanias de Pereiro, onde as pessoas deixavam um casarão histórico fechado e partiam para outras plagas e quando retornavam, anos adiante, encontravam tudo intacto - paredes, portas, teto, mobiliário, utensílios -, mas que se desmanchavam ao simples toque dos dedos, reduzindo-se a pó.
As quadras se passavam e a cada encontro eu lhe cobrava a obra, obtendo a resposta gargalhada “ainda não”. Há poucos anos um abril chegou com a triste notícia da morte de Ângela. De logo vaticinei que em breve partiria Sanderson, independentemente do seu estado de saúde. E assim aconteceu. Não li, mas acredito que no registro do seu óbito, no espaço destinado à “causa mortis”, o oficial lançou a palavra “saudade”."


 

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