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27/12/2017

Sanderson e o querer bem



Lívio Oliveira – membro da ANRL e do IHGRN

Sanderson Negreiros partiu. Foi em busca de outras paisagens e paragens. Despediu-se de nós um dos maiores escritores do Rio Grande do Norte, um dos nossos mais sensíveis e profundos poetas, um amante dos livros, um sábio. Sanderson nos deixou após uma longa temporada de solidão e recolhimento. Imensamente sofria pela perda, há alguns anos, de sua amada Ângela: aquela que ele avistou, pela primeira vez, no céu.
Agora, novamente, o fez. No céu. No céu pleno e azul.

Lembro-me dos dias em que tive a especial oportunidade de visitá-lo e entrevistá-lo. O grande poeta e cronista ainda morava no Alto da Candelária, onde convivia apaixonadamente com Ângela e com os livros.

Cheguei a acreditar, antes de ingressar naquele verdadeiro templo do intelecto e da sensibilidade, diante de uma bela Acácia que ele plantara, que Sanderson não me receberia bem, que exibiria algum humor dificultoso ou vaidade demasiada (o que chega a ser comum no meio intelectual potiguar). Talvez eu tivesse tais impressões em face do seu semblante muitas vezes hermético, com ares de reflexão ou devaneio. 

Nada disso. Nada de mau humor. Sanderson era uma figura terna e harmoniosa. A partir da minha entrada em sua casa, passei a alimentar por ele um querer bem que me pareceu mesmo ser correspondido. Ele me dizia, sim, que eu era uma figura agradável e do bem. E isso me envaidecia, trazia-me e me traz responsabilidades, como me trouxe o voto entusiástico (considero sagrado) que dele recebi para o ingresso na Academia.

Foi ali, em meio aos livros, quando eu escrevia uma série de textos para O Galo –posteriormente enfeixados num volume publicado pelo Sebo Vermelho, intitulado “Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte” – que Sanderson me falou acerca do seu maior amor, amor de toda a vida. Nada mais belo do que aquela história. Foi ele mesmo quem me disse, apontando para a presença forte de Ângela, a nos acompanhar na conversa:

“Conheci a minha mulher na praia de Genipabu, quando eu visitava, junto com Luís Carlos Guimarães, a casa dos pais de Ângela. Um avião pequeno dava rasantes sobre o mar. Eu, que estava pensando em voltar para o Rio de Janeiro, onde estava trabalhando, avisado sobre a moça aviadora, disse logo, sob o olhar desconfiado do seu pai: – Vou casar com ela! Hoje, a minha esposa é a minha conselheira espiritual, minha colaboradora, minha censora, a única pessoa que eu permito que me censure.”

Essa a grande paixão de Sanderson. E todos sabem o que a perda da inesquecível companheira ocasionou no interior do imortal. Todos nós, os seus amigos (apesar das diferenças relativas às gerações, acredito que ele me considerava assim), percebemos que o semblante de Sanderson mudara. Mesmo assim, não deixou de distribuir o bem querer entre as pessoas que o procuravam. A mim, por exemplo, sempre dirigiu palavras de incentivo honesto, verdadeiro e edificante. Sempre as colhi como quem colhe as mais belas flores da primavera. E as guardo na profundidade do coração. E da mente, porque Sanderson também sabia ensinar, orientar. Era uma das suas inegáveis vocações.

Sigo aqui, caro mestre Sanderson, com algumas de suas lições anotadas, como aquela advertência serena com que me presenteou uma vez: – Lívio, não trate o seu livro por “livrinho”. Nunca! Ele pode ficar triste! 

Estamos tristes, sim, querido Sanderson, mas ainda ouvimos firme a sua voz, que deixou impressa no tempo, para nos alegrar sempre. Vá em paz, em busca do seu maior amor no céu, onde o viu pela primeira vez.

Por aqui, vamos repetindo palavras com que nos brindou a todos, tatuadas na pele do mar: “Tenho a solidão/conhecida por altos príncipes/do azul.”

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