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13/10/2020

 


A democracia, as eleições e a cidade

Tomislav R. Femenick – Jornalista

 

Dentre os inúmeros presentes que recebemos dos gregos (falo dos presentes genuínos, e não do cavalo de Troia), a democracia talvez tenha sido o mais precioso. Todavia, como muitas outras coisas – tais quais o ar e a água – é frequente não nos darmos conta de sua importância. A democracia é como a liberdade, a sua irmã siamesa; falamos muito sobre elas, porém só “sentimos” a sua importância quando as perdemos.

Como já deu para notar, o assunto de hoje é a democracia, explicitada nas eleições que se aproximam. Mas, afinal de contas, quem é essa senhora? Teórica e filosoficamente, a democracia (do grego: δῆμος”, povo; “κράτο”, poder) é o regime político em que todo o poder se origina do povo. Em nossa Constituição está dito: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. É lindo, não é?

Ela, a democracia, parece estar presente em todo o processo eleitoral, mas somente parece. Acontece que, no Brasil, os partidos políticos têm donos que se assenhoram da máquina e impõem sua vontade, prostituindo o conceito de democracia. Esses senhores fazem o que querem, escolhem os candidatos e a distribuição dos recursos do fundo partidário. E o povo? Ora, o povo! O povo é apenas massa de manobra desses senhores que transformam os partidos políticos em verdadeiros feudos, nos quais eles mandam e, mais que isso, desmandam.

As eleições que se aproximam são um exemplo clássico desse proceder. Para angariar votos, vale tudo, inclusive candidatos inexpressivos, sem plataforma nenhuma, mas que são simpáticos e possíveis puxadores de votos para reforçarem a votação das legendas. As redes sociais das quais participo dão um exemplo típico. Tenho recebido mensagens pedindo meu voto, oriundas de pessoas que conheço e, também, de outras que não conheço e de quem nunca ouvi falar. Tem de tudo. De pagodeiro a doutores, de intelectuais a gente do povo, de políticos profissionais a estreantes, dos que apresentam enredos de planos de ação aos que apelam para a excitação de sentimentos. No entanto, a grande maioria se apega a nomes como Bolsonaro ou Lula.

O que esses senhores e senhoras se esquecem é de que as próximas eleições têm caráter municipal, têm a ver com o cotidiano da cidade em que moramos; aqui, no nosso caso, a cidade de Natal, uma urbe cheia de problemas que nunca são resolvidos, dos mais simples aos mais sérios. Por exemplo: quase ninguém fala do nosso eterno problema de saneamento básico, do desmantelo que é o transporte público, da desatualização do Plano Diretor que engessou o desenvolvimento urbano. Há, dirão, mas esses são problemas que exigem grandes recursos ou grandes trabalhos. Sim, no entanto é para resolver grandes problemas que existem prefeitos e vereadores. Os pequenos, os funcionários burocráticos resolvem sozinhos.

O que falta é vontade política para resolvê-los, inclusive os pequenos assuntos controversos. Quer exemplos? Temos aos montões. Entram e saem governantes e ninguém resolve a questão da numeração das edificações de nossas ruas, avenidas e praças. Localizar um número é enfrentar uma loucura organizada. Em alguns logradores, não há um segmento lógico, há repetição de números, um número alto é seguido de um número baixo e assim por diante. Para completar a loucura, a maioria das ruas não têm placas nos cruzamentos.

Outra loucura é a altura das calçadas. Saindo dos bairros centrais, encontramos calçadas de todas alturas, umas baixas e outras altas, umas seguidas das outras. Completam o quadro da desordem os rebaixamentos ou as elevações para as entradas dos carros. As pessoas, principalmente as com deficiência de locomoção, que se lixem.                 

Não vi nem ouvi nenhum candidato falar nesses problemas; são pequenos demais para eles se envolverem. O foco deles é se apresentarem como simpáticos ou seguidores dessa ou daquela corrente, de direita ou de esquerda. A maioria pensa apenas em se dar bem.

 

Tribuna do Norte. Natal, 10 out. 2020.

 

 


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