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08/01/2020


Marcelo Alves
Ditadura digital
Eu não sei se vocês assistiram à entrevista de Yuval Noah Harari (1976-), o autor de “Sapiens: uma breve história da humanidade” (2015) e de “Homo Deus: uma breve história do amanhã” (2016), no Roda Viva, da TV Cultura. Foi reprisada dia desses. Eu adorei. Imperdível.
A ideia de escrever esta crônica veio de uma resposta dada pelo historiador e escritor israelense à questão do impacto que a chamada “inteligência artificial” terá em nosso futuro. Ele descartou a possibilidade de robôs inteligentes tomando conta das coisas e do mundo, à moda de “2001: uma odisseia no espaço” (filme de 1968) ou ferindo as “Leis da Robótica” do grande Isaac Asimov (1920-1991). Não há evidência científica de que isso se dará. Harari está mais preocupado com o impacto da inteligência artificial nos postos de trabalho futuramente disponíveis e, sobretudo, no controle que as ferramentas da inteligência artificial, nas mãos de grupos ou governos mal intencionados, podem exercer no pensamento e na vida das pessoas.
Quem também explora essa última questão – falo do perigo de cairmos numa “ditadura digital” – é o filósofo francês (nascido na Tunísia) Pierre Lévy (1956-), que é autor, entre outros títulos, de “As tecnologias da inteligência” (1990), “O que é virtual?” (1995) e “Cibercultura” (1997). Aliás, outro dia, flanando pelas ruas de Natal, topei com um exemplar de “Cibercultura” na Manimbu, a nova livraria da querida Fundação José Augusto. De 1997, embora já ultrapassado em muitos aspectos – esse ramo do conhecimento sofre uma revolução a cada dia –, ele é um livro seminal. E sua ideia principal está vivíssima, já que estamos, mais do que nunca, imersos numa “Cibercultura”. De Lévy (em coautoria), mais atual é “O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária” (2010). E é deste último livro que extraio um par de argumentos em prol do que quero defender aqui.
Lévy, claro, enxerga o que a Internet e as ferramentas digitais têm para oferecer positivamente à democracia. Entre outras coisas, a Internet promove a liberdade de expressão. Hoje, em sites e nas redes sociais, gratuitamente e dispensando a chancela de um editor, posta-se o que quer. Na Web, pode-se ler e assistir a tudo, de culturas distintas e de países distantes. Bastando, claro, que se conheça o idioma da postagem – afinal, parodiando Ludwig Wittgenstein (1889-1951), “os limites do meu mundo [ainda] são os limites da minha linguagem”. A quantidade de informações e ideias hoje disponíveis é imensurável. E isso é muito bom.
Todavia, há algo latente e perigoso à democracia na Internet e na inteligência artificial, já intuído por Lévy e por Harari, que devo destacar aqui. O controle imperceptível que os chamados algoritmos – e as bolhas de informação criadas por eles – podem ter sobre o que pensamos e dizemos. Esses algoritmos, até por inocentes curtidas nas redes sociais, acabam sabendo tudo sobre quem somos. E acabam nos dando sempre mais do mesmo, insuflando os nossos – às vezes, terríveis – preconceitos. Isso é desastroso para a pluralidade de ideias.
Eu posso até dar um singelo exemplo pessoal. Adoro animais. E curto muita coisa no Facebook sobre o tema. O site, com os tais algoritmos, já descobriu isso, e eu estou agora numa bolha. Na minha timeline, só aparecem coisas de gatos e cachorros. “Rex para Presidente”.
Não serei politicamente devorado por cães de raça alguma, é claro. Mas imaginem esse tipo de inteligência artificial – ou outra ainda mais sofisticada que virá a seguir – sendo usada intencionalmente por grupos ou governos totalitários. Eu não quero viver nesse “admirável mundo novo”. Rogo: temos de ser mais conscientes e abertos. E resistir.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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