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14/01/2019


Sobre Maquiavel (I)

Niccolò di Bernardo dei Machiavelli (1469-1527), dito entre nós Nicolau Maquiavel, era natural da belíssima Florença, na Itália. Mas pouco se sabe da sua vida até perto dos seus trinta anos. Apenas é certo que, nascido no seio de uma família do patriciado local, foi esmeradamente educado nas letras e naquilo que hoje conhecemos como Antiguidade Clássica, tendo muito provavelmente estudado na Universidade de Florença.
Maquiavel, pelo menos a partir de 1498 e até 1512, gozou de muito prestígio na sua cidade-estado, exercendo, além de várias funções diplomáticas, os cargos de secretário e chanceler da Senhoria (isto é, do governo de então) da República florentina. Com a queda da República e a reascensão ao poder dos Médici, caiu em desgraça, sendo destituído dos seus cargos, preso e até mesmo submetido a torturas. Foi banido de Florença, dedicando o seu tempo, no exílio, a escrever. Só retornou à sua cidade Natal após a morte de Lorenzo II de Médici (1492-1519), mesmo assim por interferência do Papa Leão X, nascido João de Lourenço de Médici (1475-1521). Finalmente ganhou a confiança do cardeal Júlio de Médici (1478-1534), mais tarde Papa Clemente VII, que o encarregou de redigir uma história de Florença (devidamente concluída em 1525), mas nunca voltou a desfrutar do mesmo prestígio político de outrora.
Foi durante o seu ostracismo político, que duraria de fato até a sua morte, que Maquiavel escreveu as suas principais obras, de literatura e sobre política. A “Novella di Belfagor”, um romance, é de 1515. A peça “A Mandrágora”, uma verdadeira obra-prima da comédia italiana, é de 1518. Apreciador dos historiadores gregos e romanos, os seus importantes “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” são de 1512 a 1517. Já entre 1519 e 1520, ele redige a sua “A Arte da Guerra” (“Dell'arte della guerra”). Some-se a isso vários outros tratados sobre história e política, mais um tanto de ficção em prosa, poemas, cartas e por aí vai.
Entre suas obras desponta, claro, “O Príncipe” (“Il Principe”), de 1513, mas publicada postumamente em 1532, que celebrizou o seu autor para a eternidade. Esse badalado e infame texto de Maquiavel pertence a um gênero literário, comum na Idade Média e na Renascença, conhecido como “Espelhos de Príncipes”. Uma espécie de guia prático, dirigido a um governante – e, no caso de “O Príncipe”, ao já citado Lorenzo II de Médici –, com instruções para moldar o caráter e o comportamento deste em prol do perfeito funcionamento do Estado. De toda sorte, se o interesse de Maquiavel era também agradar o tal Lorenzo, ele continuou se dando mal.
Embora uma justificada má fama os acompanhe – vide as expressões “maquiavelismo”, “maquiavélico” e por aí vai, com conotações quase sempre negativas –, é importante registrar que Maquiavel e o seu “O Príncipe” são produtos de um tempo e de uma Itália dividida em minúsculos Estados, vivendo um triste espetáculo de guerras e perturbações intestinas. Como aponta Cabral de Moncada, em “Filosofia do Direito e do Estado” (vol. 1, Arménio Amado Editor Sucessor, 1955), Maquiavel “é o representante típico da nova mentalidade da Renascença, justamente naquilo em que essa mentalidade mais se opõe ao espírito da Idade Média, ao primado da Ética e de uma ideia universal de direito sobre o dinamismo da vontade humana”. E eles, o autor e sua obra, devem ser julgados levando em conta os padrões morais e éticos daquele inusitado período histórico.
À semelhança do francês Jean Bodin (1530-1596), sobre quem conversaremos qualquer dia desses, Maquiavel, como anota Paulo Jorge de Lima em “Dicionário de filosofia do direito” (Sugestões Literárias S.A., 1968), “era [ferrenho] defensor da soberania do Estado nacional centralizado, como forma de superar o fracionamento feudal, expressando assim as aspirações da classe capitalista em formação. Ao contrário, porém, de Bodin, não admitia a existência de direitos naturais, considerando o poder como o único fundamento do Direito”.
Como explica José Cretella Júnior, no seu “Curso de filosofia do direito” (Editora Forense, 2002), para Maquiavel, a construção de um Estado nacional italiano, unitário, era “o ideal máximo, diante do qual tudo se justificará”. Nem que para isso o seu “Príncipe” tivesse de empregar “todos os expedientes (fraude, violência, dolo, coação)” necessários. Neste caso, “o fim elevado justifica quaisquer meios”.
Bom, sem dúvida, com o seu “O Príncipe”, Maquiavel não pretendeu nos oferecer um tratado de moral. Maquiavel também não nos deu uma obra filosófica propriamente dita. Nem mesmo construiu Maquiavel um sistema político minimamente claro.
Mas onde reside, então, esse nosso interesse, sempre atual, por Maquiavel e o seu “O Príncipe”? Isso é o que veremos nos nossos próximos encontros.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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