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26/09/2018


   
Marcelo Alves

 


Estórias venenosas

Em “Imitando a arte”, nosso artigo da semana passada, tratei do curioso e ao mesmo tempo trágico cometimento de crimes verdadeiros alegadamente sob inspiração dos romances da minha amiga Agatha Christie (1890-1976). Infelizmente, aquilo que nos faz tão bem – a companhia e a genialidade da Rainha do Crime –, também pode ser usado para o mal. 

Como visto, a tônica nesses crimes – supostamente praticados sob inspiração da obra de Christie – é o uso de venenos. E, como também dito, um romance em especial, “The Pale Horse” (“O cavalo amarelo”, 1961), parece haver instigado a imaginação desses assassinos reais. Em “The Pale Horse”, assassinos profissionais, forjando pretensas cerimônias de magia negra, fazem uso de uma droga incolor e inodora, difícil de detectar, cujos sintomas decorrentes do seu uso são facilmente confundidos com os de outras enfermidades: o tálio. 

Mas o uso de veneno na ficção de Agatha Christie não se restringe a “The Pale Horse”. Contam-se mais de 80 personagens que morreram envenenadas em seus livros. E suas descrições sobre o uso e os efeitos de toxinas, cujo conhecimento foi adquirido durante a 1ª Guerra Mundial, são universalmente consideradas como acuradas e engenhosas, emprestando ainda mais qualidade aos seus surpreendentes enredos. Eu mesmo posso recomendar uma meia dúzia dessas “estórias venenosas”. Diversão certa. 

Começo logo pelo excelente “The Mysterious Affair at Styles” (“O misterioso caso de Styles”, 1920), o primeiro romance da Rainha do Crime. É aqui que nos são apresentados o inconfundível Hercule Poirot (o detetive belga imaginado por Christie), o seu companheiro de aventuras Capitão Hastings (que narra a estória) e, ainda, o laborioso Inspetor Japp, da Scotland Yard. A coisa se passa numa isolada casa de campo, a mansão Styles. A casa está cheia de hóspedes. A rica proprietária da casa, no que parece ser um ataque cardíaco misturado com convulsões, morre. Todos na casa tinham algum interesse no passamento da falecida. Surge a suspeita de envenenamento. A droga usada é a fatal estricnina. 

Outro título que não fica atrás em qualidade – e no qual também se faz uso homicida de uma droga – é “Lord Edgware Dies” (“A morte de Lorde Edgware” ou “Treze à mesa”, 1933). Aliás, não é raro ser este considerado um dos melhores romances – e quicá o melhor – escritos pela minha amiga Agatha Christie. Também protagonizado pelo pitoresco Hercule Poirot, ao lado de seu escudeiro Capitão Hastings e do Inspetor Japp, a trama inicia-se com o assassinato, com uma facada [o que me evoca os tempos bisonhos que vivemos], do Lorde Edgware. A esposa, Jane Wilkinson, que o havia ameaçado de morte ante a recusa de um divórcio, é a primeira suspeita. Mas ela tem um álibi numa festa com treze convidados. E, para encobrir o primeiro crime, outro é praticado. Desta feita, usa-se um antigo e conhecido barbitúrico, o veronal. 

Em “Sparkling Cyanide” (“Um brinde de cianureto”, 1944) o título já diz tudo. Na sua festa de aniversário, a belíssima e infiel Rosemary Barton aparentemente comete suicídio. Mas a coisa não é tão simples assim. É o que dizem as cartas anônimas recebidas pelo marido. Uma reconstituição da morte é empreendida, pois todos os convidados têm motivos e coisas a esconder. O Coronel Race, outro dos personagens da Rainha do Crime, é o convidado para desvendar essa trama cheia de cianureto. 

Cicuta foi o veneno tomado por Sócrates (469-399 a.C.) para se autoexecutar na raivosa Grécia de então. Essa mesma droga causa a morte do pintor Amyas Crale em “Five Little Pigs” (Os cinco porquinhos”, 1942). Caroline, sua esposa, foi condenada pelo crime. Morreu na prisão. Criança à época do trágico evento, a filha Carla Lemarchant, dezesseis anos depois, prestes a se casar, decide provar a inocência da mãe. A pedido da jovem, entra em cena o inolvidável Hercule Poirot, que sai à caça dos cinco porquinhos (digo, suspeitos) da trama. Quase à unanimidade, “Five Little Pigs” é considerado o melhor romance de “murder in retrospect” (aliás, título desta estória, quando de sua primeira publicação) da Rainha do Crime. 

“Dumb Witness” (“Poirot perde uma cliente”, 1937) é mais um caso para a dupla Hercule Poirot e Capitão Hastings. A senhorita Emily Arundell sofre um estranho e grave acidente em casa. Desconfiada dos parentes, ávidos por sua herança, ela escreve ao amigo Poirot. Mas quando a carta chega ao detetive, ela já está morta. Poirot e Hastings vão a Littlegreen House para esclarecer o acontecido. Do crime, a principal testemunha é Bob, o cãozinho da finada. Assim como o meu Capote (esse é o nome do meu cão), ele não pode dizer nada. De toda sorte, esse melhor amigo do homem tem um papel destacado nessa trama cuja toxina assassina é o fósforo. 

Por fim, nesta minha lista, tem um romance em que é utilizado aquele que talvez seja o mais famoso dos venenos: o arsênico. Em “After the Funeral” (“Depois do funeral”, 1953), os parentes acham-se presentes às exéquias do rico industrial Richard Abernethie. A irmã Cora, para o desconforto dos demais, insinua que o de cujus foi assassinado. No dia seguinte, com machadadas, a impertinente Cora é assassinada. Para desvendar todo o sucedido: chama o Poirot. 

Bom, eu podia citar inúmeros outros títulos. De toda sorte, quando eu falo que recomendo esses romances aí, quero dizer a leitura, tão somente. Nada dessas sandices de ficar bulindo com venenos. Assim como Agatha Christie, que fazia apenas ficção, eu tento somente misturar direito com literatura. Embora com bem menos estilo que minha amiga. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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