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15/06/2018


 

 
   
Marcelo Alves

 


Crimes econômicos (V)

No artigo da semana passada, levando em consideração a expansão da legislação relativa aos crimes econômicos e à corrupção (especialmente a partir da década de 1990) e a sofisticação cada vez maior na prática desses delitos, defendi o papel colaborativo que devem ter a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a Justiça Federal e as chamadas agências de “controle e inteligência” (a Receita Federal, o COAF, o TCU, a CGU e por aí vai) na prevenção e na repressão a esse tipo de criminalidade, hoje mais organizada do que nunca. 

Mas de que recursos fazem uso essas instituições – por exemplo, a Polícia Federal e, sobretudo, o Ministério Público Federal, instituição da qual faço parte e conheço melhor – e os seus agentes, para fins de investigação e persecução dessa criminalidade? 

Antes de mais nada, eles fazem uso de uma legislação abundante. Temos uma Constituição Federal com inúmeros dispositivos orientados ao combate à criminalidade organizada e à corrupção, tais como a própria previsão dos órgãos/agências incumbidos desse mister (Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, polícias judiciárias etc.), as garantias dos agentes envolvidos nessa tarefa (vide as garantias dos magistrados e dos membros do MP) e os inúmeros instrumentos elencados para tanto (ação penal, inquérito policial, ação de improbidade, inquérito civil público etc.). E temos, também, a nossa legislação infraconstitucional vocacionada a esse combate: a Lei nº 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional), a Lei nº 8.078/90 (crimes contra as relações de consumo), a Lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária e contra a ordem econômica), a Lei nº 8.176/91 (crimes contra a ordem econômica), a Lei nº 9.613/98 (crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores) e a Lei nº 10.303/2001 (crimes contra o mercado de capitais), entre outros diplomas legais, que se somam aos nossos Código Penal e Código de Processo Penal. 

Ademais, de um ponto de vista mais prático – que pretendo salientar aqui –, eles fazem uso de um cabedal de “novos” instrumentos de investigação e produção de prova, bem mais eficientes no combate à criminalidade econômica organizada que aqueles previstos no Código de Processo Penal. De há muito tempo, até porque constantes de um Decreto-Lei de 1941, esses instrumentos do CPP – o exame de corpo de delito e as perícias em geral (arts. 158 a 184), interrogatório do acusado (arts. 185 a 196), a sua confissão (arts. 197 a 200), as declarações do ofendido (art. 201), os depoimentos das testemunhas (arts. 202 a 225), o reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226 a 228), a acareação (arts. 229 e 230), a simples prova documental (arts. 231 a 238), a busca e a apreensão (arts. 240 a 250), os denominados “indícios” (art. 239) e por aí vai – se mostraram insuficientes para o combate a esse tipo de criminalidade. 

Esses novos instrumentos estão sobretudo previstos na Lei nº 12.850/2013, que, entre outras coisas, define o que é organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal e os meios de obtenção da prova em infrações penais relacionadas a esse tipo de associação. Dispõe o artigo 3º da referida lei: “Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I – colaboração premiada; II – captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III – ação controlada; IV – acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V – interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI – afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII – infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII – cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal”. 

Sobre cada um desses instrumentos há muito o que falar. São assuntos para uma dissertação de mestrado, para uma tese de doutorado e, fora da academia, para um bom livro. É o caso, por exemplo, da merecidamente badalada “colaboração premiada” (inciso I do citado art. 3º), tema da dissertação de mestrado da nossa conterrânea Cibele Benevides Guedes da Fonseca, depois transformada em livro, com o título “Colaboração premiada” (Del Rey Livraria Editora, 2017). Sem espaço aqui para um maior aprofundamento no tema, recomendo sua leitura. Sem dúvida. 

Sobre cada um deles há também muito o que elogiar. É o caso, por exemplo, do “afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica” (inciso VI do mesmo art. 3º). Por exemplo, só tenho elogios à permissão dada à Receita Federal do Brasil, com base na Lei Complementar nº 105/2001, de acessar dados bancários dos contribuintes, sem necessidade de autorização judicial, para fins, lícitos e bastante republicanos, de averiguação de irregularidades/ilegalidades tributárias. Finalmente considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (RE 601314 e ADIs 2386, 2397, 2390 e 2859), faz parte de um esforço, tão necessário em nosso país, de combate à criminalidade, incluindo aquela de “colarinho branco”. Sua eficácia já foi mais que comprovada, especialmente no combate à corrupção, à sonegação fiscal e à lavagem de dinheiro. É o caso, também, da “interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica” (inciso V do art. 3º). Qual persecução de organização criminosa hoje prescinde desse instrumento de investigação e produção de prova? Em muitos casos, ela chega a ser a prova “número um”. E é sem dúvida o caso da “cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal” (inciso VIII e último do mesmo art. 3º). Sobre essa cooperação, aliás, eu já falei no artigo anterior. 

Entretanto, se há muito o que falar e elogiar – e, infelizmente, não temos espaço aqui para tanto –, há também há muito o que criticar. Tanto no que toca ao mau uso desses novos instrumentos de investigação e produção de prova, como no que atine ao combate à criminalidade econômica e à corrupção como um todo. É o outro lado da moeda, sobre o qual, até por honestidade intelectual, eu escreverei, nem que seja um pouquinho, no artigo da semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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