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08/06/2018


 
   
Marcelo Alves

 


Crimes econômicos (IV)


No artigo da semana passada, afirmei que a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal formam a linha de frente da prevenção e, sobretudo, da repressão à prática dos crimes econômicos e de corrupção (levando em conta, frise-se, aqueles delitos praticados contra a União, suas autarquias e suas empresas públicas). Ao fim de tudo, especialmente se as medidas preventivas não derem certo e for necessário partir para a repressão, as coisas deságuam nesse tripé de instituições. 

Todavia, também ressaltei que a expansão legislativa relativa aos crimes econômicos e à corrupção (especialmente a partir da década de 1990) e a sofisticação cada vez maior na prática desses delitos desafiam crescentemente o papel desempenhado pelas três instituições que tradicionalmente dividem o trabalho jurídico-penal nesta seara. E hoje há, de fato, com papéis relevantíssimos, outras agências – que posso qualificar como de “controle e inteligência” – também engajadas na missão de viabilizar e otimizar a prevenção e a repressão a esse tipo de criminalidade. A Receita Federal, o COAF, o TCU, a CGU e por aí vai. Sem a cooperação dessas agências, o combate à criminalidade econômica e à corrupção, hoje mais organizada do que nunca, ficaria completamente inviabilizado. 

Dentre essas agências/organizações de controle e inteligência, vou aqui destacar duas e, sobre elas, tecer alguns comentários: a Receita Federal do Brasil e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF. Como Procurador da República há mais de duas décadas, é com essas agências que tenho mais interagido, nos últimos anos, para fins de prevenção e repressão dos tais crimes econômicos e da corrupção. Sem falar que elas representam, a meu ver e de muitos dos meus colegas, duas faces bem distintas de atuação e de cooperação nessa área. 

A Receita Federal todos nós conhecemos. Secretaria subordinada ao Ministério da Fazenda, ela é a encarregada da administração dos tributos de competência da União. E se alguns não gostam dela, sobretudo na hora de pagar os tais tributos, o certo é que ela tem um papel relevante – e atua bem, a meu ver – na prevenção e no combate à chamada “sonegação fiscal”, entre outras coisas. De fato, como consta do livro/guia “A investigação e persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema judicial federal” (publicado pela Escola Superior do Ministério Público da União em 2016), “a qualidade das investigações realizadas pela Receita Federal é ressaltada pelos procuradores. A seletividade da Receita Federal, que traça critérios de atuação segundo metas previamente discutidas e atua discricionariamente nos casos considerados prioritários, deveria inspirar a atuação do MPF. Assim, abdica-se daquilo que não é estabelecido nos planos de metas em determinada área. (…). Alguns dos relatos sugerem que o MPF deveria inspirar-se nesta forma de gerenciamento dos recursos escassos e levar a uma ampla discussão sobre o princípio da obrigatoriedade da ação penal, a fim de concentrar nos casos mais graves e relevantes”. Alguns problemas existem, claro. As representações encaminhadas pela RF ao MPF “nem sempre possibilitam a persecução penal, pois não seriam devidamente esclarecedores da autoria dos envolvidos nas fraudes tributárias”, assim como, em alguns casos, “a perspectiva arrecadadora dos procedimentos não coincide com os parâmetros exigidos para o tratamento jurídico-penal dos casos”. Mas nada que a cooperação e diálogo direto não resolva, caso a caso em se tratando de situações de grande relevância, ou mesmo com a incorporação de rotinas de trabalho que já viabilizem a persecução penal. Já que temos uma delegacia da RF no Rio Grande do Norte, fizemos isso aqui por um bom tempo. E deu certo. Não vou citar aqui os casos porque este não é o foro adequado. 

O COAF, por sua vez, não é um órgão conhecido do grande público. Criado pela Lei nº 9.613/98 (vide o texto com a nova redação dada pela Lei nº 12.683/2012), que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, entre outras coisas, o COAF é uma das instituições mais importantes no novo arranjo de prevenção e repressão na utilização do sistema financeiro para a prática de ilícitos econômicos e de corrupção”. Basicamente, como descrito no livro/guia acima referido, “o Coaf trabalha da seguinte maneira: ele recebe informações de instituições financeiras toda vez que você for a uma instituição financeira e realizar uma transação considerada atípica; o banco é obrigado legalmente a avisar o Coaf, e essa informação chega ao Coaf e eles fazem um relatório. Às vezes consultam o banco de dados pra ver se tem mais e tal, e manda para o Ministério Público. Então, a partir daí, a partir da elaboração desse relatório da inteligência, há uma atividade de investigação mais aprofundada”. Via de regra, os peritos do MPF têm uma boa impressão do COAF. Já entre os Procuradores da República a coisa não é tão positiva assim. Como órgão de inteligência financeira e não de investigação, “as rotinas estabelecidas para a remessa de informações ao MPF não seriam, contudo, adequadas. Os relatórios de informação, em regra, seriam pouco esclarecedores do ponto de vista penal”. De fato, os tais relatórios são pouco inteligíveis para um bacharel em direito. Não sei bem qual seria a solução para isso. Talvez dotar de poderes e treinar o COAF (e as outras agências de controle e inteligência) para fins de realizar parte da investigação criminal. Teríamos relatórios mais precisos para fins de materialidade e autoria do crime em apuração, auxiliando decisivamente a propositura da ação penal. Certamente também seria o caso de conversarmos mais. De minha parte, confesso uma enorme dificuldade de trabalhar com a atual metodologia do COAF, até porque, enxergando apenas o tal relatório (em regra, é só o que eu tenho), vejo-me perdido com aquela linguagem contábil-financeira. Com o COAF, ademais, tudo é muito longe. Falta-nos diálogo, definitivamente. 

Bom, dados esses dois exemplos, concluo enfatizando a ideia de cooperação. E cooperação pressupõe constante diálogo. Entre a PF, o MPF e a JF. Entre estes três atores e as muitas agências de controle e inteligência acima referidas. Sem esta cooperação, a coisa – falo do combate aos crimes econômicos e à corrupção – não funciona. Com esta, fazendo uso da expertise das várias agências envolvidas, temos alguma chance. E não podemos nos contentar com uma cooperação de caráter apenas formal, de mera troca de ofícios e encaminhamento dos expedientes de praxe. O diálogo deve ser institucional, mas também pessoal. O mais próximo possível. Coisas simples ajudam muito mais que uma petição ou um ofício cheio de “juridiquês”: encontros presenciais constantes, uso do telefone e do whatsapp, relacionamento pessoal, linguagem simples e uniforme são apenas alguns exemplos. Se assim não for, a nossa chance de sucesso, que já não é lá grande coisa, diminui consideravelmente. Podem ter certeza. 


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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