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25/04/2015

GILENO GUANABARA, sócio efetivo do IHGRN


A COLUNA PRESTES E AS CERCAS DO SERTÃO

            Nos feriados da Semana Santa que passou visitei a cidade de Portalegre, os lados da “tromba do Elefante”, na região Oeste do Estado. Amigos meus tinham-me cobrado uma lembrança da passagem de Luís Carlos Prestes, durante os meados de 1926, no comando da Coluna que tomou o seu nome e que marchou por entre aqueles serros e caatingas, no entorno das pelejas desde o Piauí, passando pelo Ceará. Segundo Daniel Aarão Reis (Luís Carlos Prestes - Um Revolucionário Entre Dois Mundos; C. das Letras, 2014), durante a passagem pelas comunidades sertanejas, a Comuna teria sofrido duros ataques das populações, das tropas mobilizadas por fazendeiros e por líderes políticos locais, inclusive com arregimentação de jagunços e das polícias estaduais.

            Na sequência das aldeias assentadas por toda a Chapada do Apodi, anteriormente distanciadas uma das outras, hoje mais aproximadas pelas estradas pavimentadas, se descortina o progresso desvairado que atenta às tradições de gente e vínculos tão sedimentados com a terra. Se a agricultura não mais encanta seus beiradeiros e moradores, a Internet reforça o surto da juventude em busca de vida melhor, nas grandes cidades do litoral.

Às indagações feitas ninguém mais se lembra da Coluna Prestes que passou pela região. Nenhuma marca ficou guardada na memória dos mais velhos. Nem mesmo a lembrança da histeria disseminada, segundo a qual os revoltosos se apossariam da riqueza encontrada nas cidades por onde passasse. Ou de que destruiriam as igrejas e capelas, em se tratando de agentes do demônio, como se difundiu à época.

De lado a lado, entretanto, o desconhecimento das intenções da luta tornava os homens indomáveis, tal a aspereza da vida vivida no sertão. A Coluna teve de enfrentar as armas do “Exército patriótico do padre Cícero”, a que se juntavam os batalhões civis, os jagunços municiados pelo governo federal, sob o comando dos proprietários rurais, a quem se agraciava com patentes da Guarda Nacional. A isso tudo se juntava a população obstinada na perseguição da Coluna.

No dia 3 de fevereiro de 1926, a Coluna Prestes subiu a serra de São Miguel e chegou na freguesia de Luís Gomes. Em que pese a resistência da população, houve o saque daquelas cidades, com prejuízos dos habitantes. Dois dias depois, a Coluna adentrou na Paraíba, onde foi lançado o manifesto “Ao Povo paraibano”, subscrito por Miguel Costa, Prestes e dois chefes que conspiravam na Paraíba. Saudava os tenentes Aristóteles de Souza Dantas e Lourival Seroa da Mota. Por último, dava vivas ao povo paraibano, ao marechal Isidoro Dias Lopes e a revolução brasileira.

A esse tempo, o nome de Prestes tornara-se um mito, despertando em seus comandados a afeição pela retidão de justiça, a capacidade de sacrifício, enquanto lendas corriam a seu respeito. É que uma feiticeira – Tia Maria, que dançava nua perante o fogo das metralhadoras, ao som de uma flauta - teria “fechado o corpo dos rebeldes”.

Ainda hoje, passados tantos anos, ao alcance do atual registro histórico, é fácil perceber na junção da saliência íngreme dos serrotes e nos pedregulhos incólumes os traços pastoris de que se serviu a ocupação humana, ainda hoje conservados nas cercas e currais, na alimentação e no largo uso do couro, forma de domínio e liderança: o rebenque usado como instrumento de submissão do próprio homem ou dos animais.

Naquele sertão, ainda são vistas as casas de fazenda, cujos currais são a extensão do oitão através de cercas espichadas no rumo infinito da paisagem. São edificadas em vários estilos, de pedra, de pau-a-pique, cerca viva de gravetos, de aveloz, de cardeiro, em maravalha, em arame farpado, de tamanho nunca superior ao de um homem, que dê a visão de quem está do lado de fora. Cercas só faccionadas por mata-burros. Cercas horizontais que se projetam para além da casa grande, a fim de confinar a convivência do homem com vegetais e animais íntimos de toda a vida: o milho, o feijão, o boi, os porcos, cavalos, cabras e aves.

A necessidade da cerca teve razão no criatório solto, cujo apartamento anual teria êxito no cuidado diário dispensado e mais aproximado das reses. De outra, a proteção que dava nas áreas de agricultura mais intensa, nos baixios e vazantes, para evitar a invasão dos bovinos e seu pisoteio destruidor.

A configuração das cercas no sertão, dado o declínio da dominação patriarcal, bem assim com a nova configuração econômica das regiões em urbanização crescente e pela presença das estradas, está em decadência. Dão-se outras formas de ocupação e itinerário, estabelecendo novos espaços econômicos através de vias que tornam factíveis a mobilidade de grandes negócios e de contingentes humanos.

As comunidades que há quase um século viram um bando de “comunards”, liderados por visionários tenentistas, que projetavam a esperança utópica da Revolução na figura de um líder, atravessando as serras do alto Oeste, sofreram alterações inevitáveis, ao gosto da modernidade e a perda de costumes seculares. É possível encontrar-se ainda relíquias de velhas cercas de pedras empilhadas, lembranças amenas de um tempo, marcas guardadas da ocupação por judeus errantes, ou de cangaceiros fora da lei, em passagem, no rumo das charqueadas do Piauí, segundo o relato de Calazans Fernandes (O Guerreiro do Yaco - Serra das Almas. FJA.2002). Foram e continuam sendo cercas poéticas, cercas vivas, estilosas que insistem em guardar suas nuances e limites, apesar da passagem do tempo.

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