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28/02/2015

PARA NÃO CAIR NO ESQUECIMENTO

 

Esmeraldo Siqueira (1908 – 1987)


Médico, professor, poeta, crítico literário potiguar, nasceu em 16 de agosto de 1908 e morreu em 20 de junho de 1987.

"Expressão mais alta da nossa vida literária e científica", nas palavras de Veríssimo de Melo, Esmeraldo Homem de Siqueira nasceu em Vila Nova, hoje Pedro Velho (Rio Grande do Norte), filho do juiz Joaquim de Siqueira Cavalcanti e de dona Maria Joaquina de Siqueira Cavalcanti. Transferiu-se com seus pais para Natal em 1913, iniciando no mesmo ano seus estudos primários no Grupo Escolar Augusto Severo. Depois, estudou no colégio Santo Antônio e no Ateneu Norte-rio-grandense.

Em 1928, matriculou-se na Faculdade de Medicina do Recife onde colou grau na turma de 1933. Começou a exercer a profissão em Jardim do Seridó. De lá, nas horas vagas, escrevia e mandava para A República os seus "Intentos", série de artigos sobre literatura e filosofia. A partir de 1936, transferiu-se para Natal e passou a lecionar na Escola Normal a disciplina de História Natural. Em 1941, ingressa no quadro de professores do Ateneu Norte-rio-grandense ensinando Língua e Literatura Francesa. Para essa cadeira publicou "Letras de França" (1969), que é uma espécie de excursão didática erudita nas obras e nas vidas dos grandes autores franceses.

Intelectual polêmico e contestador, portador de uma vasta cultura científica e humanista, colaborou assiduamente nos jornais A República, Diário de Natal, Correio do Povo e Tribuna do Norte. Neste último, manteve uma coluna semanal sobre literatura e filosofia entre os anos de 1954 e 1955.

Era um homem de temperamento arredio, contrário às reverências aos poderosos e aos círculos de privilegiados, preferindo o trabalho intelectual solitário que exercia habitualmente à noite, encerrada a jornada diária pelos colégios onde ministrava aulas. Deixou dezenas de livros editados versando sobre temas da literatura clássica européia, sobretudo francesa, mas também sobre temas da cultura brasileira.

A maioria desses livros foi paga por ele próprio. Na poesia, deixou uma produção vasta e variada, lírica, satírica, romântica.

Descrevendo-o em artigo, assim se expressa seu filho Juliano Siqueira: "Esmeraldo escreveu seus poemas de acordo com seu credo literário: romântico, parnasiano, simbolista, moderno. Um humanista."

Em 1949 funda, com outros colegas, a Faculdade de Farmácia e Odontologia - primeira escola superior da Universidade Federal no Rio Grande do Norte - onde lecionou a cadeira de Botânica Farmaceutica. Foi também um dos fundadores da Faculdade de Filosofia à qual vinculou-se depois que essa instituição acadêmica foi incorporada à Universidade Federal.

Em 1957, fundada a Faculdade de Filosofia de Natal, passa a lecionar Língua e Literatura Francesa. Aposenta-se em 1958 na cadeira que ocupava na Faculdade de Farmácia. Suas aulas, cultas e descontraídas, ficaram famosas por atraírem grande número de alunos, inclusive vindos de outros cursos. Ingressou, a convite, na Academia Norte-rio-grandense de Letras, em 1949, ocupando a cadeira número 29, cujo patrono é Armando Seabra.

Obras:

Caminhos Sonoros (versos), Tipografia A. Lira, Natal, 1941;
Roteiro de uma Vida, editora Pongetti, Rio, 1968;
Música no Deserto, editora Pongetti, Rio, 1968;
Fauna Contemporânea - Sátiras, editora Pongetti, Rio, 1968;
Novos Poemas (versos), Departamento Estadual de Imprensa, Natal, 1950;
Taine e Renan (ensaios), editora Pongetti, Rio, 1968;
Sugestões da Vida e dos Livros (crítica literária) Imprensa Universitária, Natal, 1973;
Caminhos Sonoros (poesias) editora Pongetti, Rio 1941;
Poemas do Bem e do Mal (poesia), editora Pongetti, Rio, 1984;
Pretéritas (poemas) editora Pongetti, Rio, 1984;
Jorge Fernandes Desconhecido in "Revista da ANL", número 15, voluma 27, novembro de 1979/80.
Fonte:Blog Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes
 

 

O professor Esmeraldo Siqueira

Diversas gerações conviveram no Atheneu, no bairro de Petrópolis, pelos anos de 1960. Devem-se registrar os fatos vividos, dos quais…

Diversas gerações conviveram no Atheneu, no bairro de Petrópolis, pelos anos de 1960. Devem-se registrar os fatos vividos, dos quais participamos ou fomos testemunhas oculares. Foi uma época de conquistas, de manifestações literárias e mudanças políticas. Acontecências históricas, como a revolução em Cuba; os “Beatles”, Elvis Presley; as reformas de base; a UNE Volante e a bossa nova, que definiram os novos rumos.
Dentre os professores do Atheneu, à mercê de boa memória, lembramos Celestino Pimentel, Protásio; Rômulo Wanderley; Vicente de Almeida; Raimunda Bularmaqui; Evaldo; Albimar; Crisan; Rui Santos; Luiz Maranhão; professor Severino; Diva Lucena; Moacir de Gois; Ivone Barbalho; Angélica, Pe. João da Mata, Teresa Brito, Milton Amaral; Cônego Wanderley; e o professor Tião. Foram muitos. Uma figura singular, entretanto, era a do professor Esmeraldo Siqueira. Após a experiência inicial frustrada na profissão de médico em jardim de Angicos, o professor Esmeraldo retornou a Natal. Tendo de abandonar sua formação profissional, agregou-se ao magistério até o fim. Desde a recém-criada Faculdade de Farmácia ao Atheneu Norte-rio-grandense, lecionou por todos os anos. No ensino médio ocupou a cadeira de língua francesa, mesmo sem ter especialização em linguística.
De passos largos e cadenciados, tinha o guarda-chuva sempre à mão. Agnóstico, a voz firme repetia em francês, como se sua fosse, a indignação de Voltaire – Ecrisé l´infame – em referência à religião. Por seu espírito carismático e contestatório, atraía a admiração e o reconhecimento dos jovens. De temperamento forte, retrucava crítica demolidora a tudo que lhe contrariasse os princípios. Revelava o bom humor, favorecido pela graça de uma pilhéria. De literatura sua verve parnasiana facilitava a criação de versos simples, com rigor exigente quanto à métrica e a rima. Repudiava as renovações literárias, mais ainda se compromissadas com engajamento político. Dizia-se apolítico, entretanto fora udenista por gratidão. Não tencionava reprovar os alunos. Bastava que o Atheneu os ensinasse a ser macho.
Certa manhã, um grupo de alunos foi ao encontro do professor Esmeraldo. Inocentemente, passaram para ele a cópia de uma poesia contestatória, de caráter panfletário, divulgada na época. Tinha por título “I.N.Ê.S”, epíteto motivadamente revelado no subtítulo: “Impotência Neurótica, Econômica e Social”, com denúncia à situação do país. O poema que falava “dos esgotos do federalismo”, de corrupção e outras mazelas, atribuídos à vida das elites. A pretensão modernista do texto era voltado à conscientização obrerista das massas, recheado de chavões. À menor lida, o professor Esmeraldo sentiu-se provocado, devolveu o texto e sem parcimônia bradou palavrões. Repudiou aquilo como poesia, nem lhe reconheceu valor. O professor Esmeraldo baixou o centralismo democrático e não foi contestado.
No seu diletantismo, as aulas do professor Esmeraldo se concentravam em verdadeiro panegírico sobre a França que ele não conhecera. Ora fazia perorações sobre o Iluminismo; ora fazia citações sobre o romantismo e os autores preferidos. Ou se entusiasmava pela conjura política dos jacobinos. Em relação à escola realista, destacava Eça de Queiroz, cujos romances fez anotações, em especial pelas peripécias do Primo Basílio. Não economizava louvores a Machado de Assis. Exaltava Aluízio de Azevedo e Raul Pompeia. A fora disso, prevaleciam os fatos triviais e paroquianos da província, ou a inquisila que indispunha os intelectuais conterrâneos entre si. A falta de modéstia não permitia afagos entre eles.
Certo final de ano, o professor Esmeraldo reuniu duas turmas concluintes, a fim de aplicar as provas finais. Ditou questões e respostas, para uma turma e depois para a seguinte, as quais copiavam, na mesma sequência. Ao fim, o professor aplicava um rodízio de notas que ia da nota oito à nota dez e vice-versa.
Um aluno sentindo-se ofendido em seus pendores, acrescentou à resposta sua discordância daquela forma de fazer exame. Ao ler a desdita, o professor Esmeraldo desceu as escadas à procura do aluno, que se retirara, sem encontrá-lo. Transtornado, retornou à sala da prova e diante dos presentes, lavrou na prova do indigitado aluno o diagnóstico, os termos que eram apropriadamente de sua formação. Recomendava, como médico, às autoridades sanitárias a internação daquele elemento em hospital psiquiátrico. Subscreveu a sentença e autorizou que fosse arquivada.
Já decrépito, mas sem perder a graça, recebia na Rua Jundiaí a visita de ex-alunos. Tinha ainda ânimo de gozar com a vida: “Aos poucos estou sendo consumido pelos fundos, como acontece com as panelas, meus filhos.”, gracejava.

Gileno Guanabara, advogado e vice-prefeito de Extremoz
(gilenoguanabara@gmail.com)

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