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08/07/2014


Natal e a II Guerra (I)


Natal e a II Guerra Mundial - Parte I (Minervino Wanderley*)
Com a chegada da Segunda Grande Guerra, houve a implantação da Base Aérea de Parnamirim, que terminou sendo responsável pela consolidação do bairro do Tirol, além de contribuir para o surgimento dos bairros de Lagoa Seca e Lagoa Nova.
Na visão de Ethiene Reis, morador do Tirol desde 1935, "antes da Grande Guerra, Natal começava pela Ribeira e terminava por aqui, mais ou menos onde é 16º Regimento de Infantaria. Para lá, onde hoje é Candelária Ponta Negra, não tinha nada, tudo deserto", afirma.
Pery Lamartine destaca a importância da Segunda Grande Guerra para Natal, no que se refere à sua geografia:
"Natal tinha cerca de 30 a 40 mil habitantes antes da guerra. A cidade terminava perto do Aero Clube. Para se ter uma idéia, os bondes que faziam a linha para o Tirol, nem chegavam a ir lá. Paravam ali onde hoje é a Associação Atlética Banco do Brasil-AABB, exceto quando tinha baile no Aero, que era uma vez por mês. A última construção que tinha era o prédio do Aero Clube".
Diante dos depoimentos colhidos e das pesquisas feitas, vê-se claramente que a cidade do Natal do pré-guerra não passava de uma grande vila, com carências peculiares a lugares desse porte. Sua infra-estrutura era débil e sua economia não apontava para perspectivas otimistas.
A cidade pacata e pequena, que "cresce sem querer e sem saber porque", que, segundo contam, era uma frase atribuída ao seu filho mais ilustre, o folclorista Luís da Câmara Cascudo, continuaria assim até
O início da Segunda Guerra Mundial. Foi então que sua geografia pesou como nunca no seu crescimento: os americanos, mesmo antes de deflagrada a guerra, perceberam que Natal era a cidade das Américas mais próxima da África. Ou seja, um lugar de grande valor estratégico na defesa do Atlântico Sul.
Sua proximidade com os continentes europeu e africano fez com que, desde a sua fundação, Natal tenha sido sempre um lugar "cortejado" por povos de diferentes origens, que viam a cidade como um perfeito trampolim entre os continentes.
A chegada da Segunda Guerra Mundial mudou radicalmente o perfil da cidade de Natal. A instalação da base militar em Parnamirim provocou impactos econômicos e sociais na cidade, deixando evidente o seu despreparo para absorver essa nova situação que se desenhava.
A chegada de grande contingente militar americano, que em alguns momentos chegou a cerca de 10 mil homens, demandou um aumento na quantidade de serviços nas áreas de construção, infra-estrutura urbana (transportes, hotéis e pensões) e abastecimento. Tal situação atrai, de imediato, a população em razão da oferta de emprego civil e militar, além das oportunidades surgidas pela grande circulação de dinheiro que ocorria na cidade.
Graças ao grande poder aquisitivo do povo americano, a Segunda Guerra trouxe benefícios à população, que passou a conviver com uma moeda - o dólar -de grande lastro, respeitada em todo o mundo e que viria e ser, depois da Guerra, adotada como referência na economia universal. Sobre esses momentos, Guiomar Araújo, esposa do comerciante Alcides Araújo, então proprietário da Casa Rio, conta: "O período da Guerra foi muito bom para o comércio. Além de os americanos gostarem muito de comprar nossas mercadorias, o dinheiro passava de mão em mão. O americano gastava num bar, o dono bar comprava mercadoria para abastecer no mercado, o dono do mercado comprava ao agricultor ou criador e por aí, ia". Via-se, então, que a circulação monetária trazia bens significativos à cidade e seu povo.
Se houve benefícios à sociedade como um todo, o impacto financeiro provocado pela presença americana entre nós também trouxe ganhos individuais. Comerciantes, industriais, proprietários de imóveis etc. Sobre isso, Smith Júnior relata: "Muitos natalenses ganharam dinheiro dos americanos durante a guerra. Um dos primeiros foi a Amélia Machado, que era proprietária da maior parte das terras nas quais a Base de Parnamirim foi construída. Um outro que obteve lucros foi Theodorico Bezerra, proprietário do Grande Hotel, único hotel de Natal naquela época, hospedava os oficiais americanos, recebendo o pagamento em dólares".
Na obra desse historiador, encontramos a história do começo de um dos mais bem sucedidos empresários potiguares. Vejamos: "Um judeu, Moisés Feldman, abriu uma loja na Ribeira, perto do cais do porto, onde vendia relógios aos americanos. Seu negócio tornou-se tão lucrativo que contratou um empregado, Nevaldo Rocha, que mais tarde tornou-se um rico empresário dono de uma cadeia de lojas, as Confecções Guararapes". Com efeito, Nevaldo tornou-se um dos maiores empresários do ramo de vestuário do país, criando uma grande cadeia de fábricas e lojas no Brasil e no exterior, as Lojas Riachuelo.
Por outro lado, a inviabilidade de importar produtos como hortaliças, legumes e aves, levou o comando militar norte-americano a articular, em Natal, a instalação de pequenas unidades de produção agrícola.
Até aquele momento, a agricultura em Natal que ainda era dominada pela monocultura da cana-de-açúcar e pela cultura de subsistência, passou a ter uma outra alternativa econômica fundamentada nos pequenos produtores de hortifrutigranjeiros, contrastando com os latifúndios nas áreas rurais do agreste potiguar.
Como se antevia, os problemas básicos de uma comunidade que cresceu abruptamente e sem planejamento, começaram a surgir, trazendo consigo uma espiral inflacionária. Clementino nos diz que "as restrições ao livre trânsito das mercadorias terminam por provocar uma crise de abastecimento. Os preços dos gêneros de primeira necessidade, como carne, ovos, manteiga, banha, farinha de trigo, feijão, etc, aumentam sensivelmente, tornando-se impossível a manutenção de pessoas de limitados recursos".

(*Jornalista)

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