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15/07/2014

CASOS DA NOSSA HISTÓRIA

Por: Gileno Guanabara, sócio do IHGRN

             São comuns casos que ocorrem em qualquer lugar e época, a par das sucessivas crises de outras naturezas, como ocorrentes na História do Brasil. Estão presentes no cotidiano, na formação parlamentar e se reflete no espírito gozador do povo. São fatos colhidos pelo jornalismo, pela literatura, anotados por escribas de época, os serventuários do dia a dia e registrados até nos anais do parlamento.
            - Nos idos de 1808, ao deixar Portugal, fugindo da invasão iminente das tropas napoleônicas, D. João VI trouxe uma comitiva numerosa, a qual comungava os preconceitos difundidos pela crônica lusitana, contrariamente às dificuldades da vida da fazenda chamada Brasil. O jornalista Hipólito da Costa, brasilianista e já defensor da independência, publicava em Londres o jornal Correio Brasiliense. Foi sincera a referência que fez, quando da transferência da família real e o séquito que a acompanhou: - São 10 ou 20 mil vadios e parasitas que vão fazer no Rio o mesmo que faziam em Lisboa, isto é, comer e beber à custa do Estado e nada fazer para o bem da Nação. E ainda depois vão alegar o serviço de terem deixado a pátria, a fim de servir ao soberano, como se seguissem por outro motivo que não fosse o de desfrutar...         
- Joaquim Nabuco se referia ao marquês de Olinda, atribuindo-lhe atitudes definitivas. Porém, dele assegurava não tinha flexibilidade para ceder... tinha em tudo ideias próprias, sentimentos, ou antes preconceitos, que ninguém podia modificar. Em razão da crise que se consumou com a ida dos Andradas para o exílio, em 1823, D. Pedro I convidou pessoalmente o marquês para ser primeiro ministro do Império: Preciso no ministério de um homem de sua qualidade, disse o monarca. De temperamento austero, sincero, o convidado, antes de se decidir, fez alusão ao clamor do povo pela clemência em favor de José Bonifácio e seus irmãos. O imperador, tomado de cólera acusou-o: Atrevido. Ao assaque o marquês retrucou: Então V. M. procure outro para ser ministro. O Imperador, sem controle, avançou em direção ao interlocutor e o derrubou no chão. Ao levantar-se, o marquês antecipou: - Agora caem os patriotas...Um dia cairá V. majestade. Anos depois, Araújo Lima foi o regente do Império, enquanto D. Pedro I fora destronado.
            - José Bonifácio foi o personagem principal da cena ocorrida no Paço de São Cristovão, quando a marquesa de Santos fez ao imperador o pedido de anistia em favor dos revoltosos de São Paulo e do Rio. D. Pedro I recepcionou a súplica da mulher amada e transmitiu ordens a serem compridas por José Bonifácio que, tomado de arroubos, se viu diminuído em seu prestígio. Bonifácio se altercou com o imperador, repudiou a presença e a influência da marquesa no palácio, a enfeitiçar a cabeça do soberano. Diante do palavrório impublicável usado pelas partes, o camareiro-mor de S. M. que a tudo assistiu ouviu de José Bonifácio:  - Meu amigo, não sou mais ministro, nem o serei jamais. Perdi o ministério, mas ganhei a minha liberdade. Para o Imperador mais vale o encanto de mulher bonita do que os meus conselhos.
            - Martim Francisco, ministro da Justiça no terceiro gabinete Zacarias, em 1867, em pronunciamento na Câmara, defendendo que a ideia da emancipação dos escravos existia desde 1823, discutida na imprensa e na tribuna parlamentar, foi interrompido pelo colega Cândido Torres Filho: Mas a ideia não foi estudada pelo governo, disse. Sem perder o vigor e a eloquência, o orador prosseguiu: Mas note o nobre deputado pelo Rio de Janeiro, que as questões se preparam não só quando são estudadas pelo governo, mas sobretudo quando são estudadas pelo povo, quando o são na tribuna e na imprensa... Por esses veículos de publicidade é que se demonstra a conveniência de ser aceita ou não uma ideia. E fulminou o aparte: As ideias se discutem no domínio da publicidade, e não somente nos recônditos dos gabinetes ministeriais.
- Francisco de Salles Torres Homem publicava, no ano de 1848, sob o pseudônimo de Timandro, o seu terrível livro Libello do povo, com ataques à monarquia, a D. Pedro II e a família Bragança. Anos depois, reconciliou-se com o monarca. Foi senador, ministro, conselheiro, visconde de Inhomirim. Da tribuna do Senado, no ano de 1871, Torres Homem, que tinha virado de casaca, passara a destacar os avanços dos conservadores, defendia o governo, contrapondo ao atraso dos liberais. Diante da eloquência com que o orador saudava os conservadores, Silveira da Motta, dominado pela verve satírica, interveio e o aparteou: Santo Deus. Dizer que é Timandro que está falando! Responde a si mesmo vinte anos depois!     
            - No ano de 1885, o barão de Cotegipe decidiu apresentar à Câmara o gabinete conservador de 20 de agosto. Maior não poderia ser o alvoroço da oposição, cujos apartes tentavam tumultuar o orador. Qualquer indefinição, em resposta, teria como consequência a queda do gabinete. Em aparte, um dos oposicionistas interpelou o barão, se aceitava ou não aprovar o projeto de abolição do elemento servil. Pelo fato da abolição estar sendo objeto de intensos debates nas ruas, Cotegipe percebeu o embaraço que sua resposta poderia causar. Desviando, mas sem fugir à resposta, sentenciou: Sou do tempo em que os exames se faziam tirando os pontos... Não sei responder pergunta de algibeira.

- Maciel Monteiro, um dos homens mais elegantes do seu tempo, conquistador irreparável, foi ministro dos Estrangeiros da Regência de Araújo Lima. Ao se deparar no Parlamento com uma mocinha de faces meigas, faceira e de beleza encantadora, Maciel não se conteve: Deixa beijar-te, meu bem. De súbito, a ofegante e ruborizada mocinha respondeu: Sim, mas... só se o senhor fizer, agora mesmo, o seu pedido em forma de versos. Maciel Monteiro, engoliu em seco e improvisou: Suspende, Analia divina, / Do teu recato o pudor. / Não beija o zéfiro à flor? / Não beija a aurora a bonina? // Quando o sol meigo se inclina / Não beija as ondas também? / Se ao terno pombo convém / Beijar a rola inocente, / Se a natureza consente. / Deixa beijar-te, meu bem. 

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