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16/05/2014

GC



                          A Arte de Viajar e o Vestibular de ‘seu’ Né...


(*) Gutenberg Costa.


            Certa feita quando fui à bela cidade histórica paraibana de Nova Floresta, a convite do amigo e folclorista Kydelmir Dantas, fiquei hospedado alguns dias na então residência de seu pai, conhecido em toda a região, como ‘seu’ Né. Homem sertanejo e agricultor de fibra, a quem a classificação euclidiana cairia muito bem: ‘sertanejo, antes de tudo, um forte!’. Gente de barriga cheia e coração grande com todos os amigos de seus filhos. Positivo e honesto ao máximo, sem agradar nem ao Papa. E é diante de sua sinceridade que o visitante pode saber se um dia pode voltar a sua casa ou não. E se passou ou não em seu ‘vestibular’, como ele gosta de se referir a sua aprovação final ao visitante. Em companhia de ‘seu’ Né, fui à feira, entrei em bodega, tomei cachaça com caldo de fava e comprei rapé e chá de boldo para levar para casa. Ouvi de suas vivências histórias belíssimas, que dariam para encher um livro volumoso. E diga-se, contadas com a arte que só eram destinadas aos contadores antiguíssimos, nos alpendres das velhas fazendas em noites enluaradas. Ao ouvi-lo dei risadas e também fiquei muito sério quando foi preciso. Se existe a arte de contar, do mesmo modo existe a arte de saber ouvir!

Confesso que tenho minhas manias de viajante e regras de hóspede, que deram certo com o agrado do velho anfitrião e genitor do grande amigo escritor e poeta Kydelmir Dantas: 1 - Acordo e me levanto antes do dono da casa. 2 – Vou logo dando bom dia a todos a todos da casa e aperto sempre a mão das pessoas que lá chegam. 3 – Retiro o meu prato servido da mesa e o levo para a pia da cozinha. 4 – Deixo a cama que durmo arrumada do jeito que encontrei a noite. 5 – Sempre compro algo para a casa ou para os donos, quando vou ás compras. 6 – Agradeço na saída a minha acolhida e hospedagem a todos. 7 - Retiro da cabeça minha boina ou chapéu quando estou a mesa ou entro em um templo religioso. 8 – Não visto calção e camisa sem mangas durante as refeições. 9 – Não discuto religião, futebol e política com os anfitriões. 10 – Envio sempre que posso uma carta ou cartão de agradecimento aos anfitriões, quando retorno a minha cidade.

E esses são meus ‘10 mandamentos’, de viajante em peregrinação cultural. Teria mais regras, mas já se dá para perceber que gentileza nos faz sempre voltar à cidade que visitamos e ser acolhido da mesma maneira fomos, e, épocas passadas. Aprendi com os mais velhos um dito popular e certeiro sobre viajantes: “quem deixa sujeira na estrada não volta com vergonha!”.

            Voltando a despedida da casa de seu Né, o mesmo ao apertar bem firme a minha mão, esbravejou com toda a sinceridade sertaneja paraibana: - “Gutenberg, dos amigos do meu filho, o senhor foi um dos poucos que passou no meu vestibular... pode voltar a qualquer hora viu, essa casa ficará sempre aberta a sua presença!”... E sem mais delongas, deu-me as devidas notas e explicações para a minha aprovação em seu vestibular: - “o senhor sempre tomava café na mesa comigo, logo cedinho. Teve gente que acordou aqui só para almoçar. O senhor me acompanhava nos passeios na feira e na rua. O senhor me dava um ‘bom dia’ assim que me via pela manhã e uma ‘boa noite’ ao ir se deitar. Muita gente que já esteve aqui, até parecia que dormia comigo e não me cumprimentava hora nenhuma. O senhor nunca me olhou de lado, atravessado e nem usou óculos escuros dentro de minha casa, como muita gente já fez aqui”. E eu só gosto de gente que escute a minha conversa e me olhe prestando atenção no que eu estou falando!”.

E os outros que não passaram no vestibular de ‘seu’ Né, talvez ainda não saibam, é que Viajar é antes de tudo, uma grande arte. Fácil, mas os ditos visitantes pensaram que ainda não haviam saído de suas moradias. Lembram-se daquele aviso tão importante?: “Você não está em casa!’. Ou aquele outro?: “Costume de casa vai a praça”. 

Como é importante e necessário saber cativar e respeitar a cultura dos donos da casa em que estamos hospedados. Observar tudo atentamente quando se chega a uma cidade estranha e pensar muito antes de voltar da viagem, naquele velho ditado do povo: “Em terra de sapo, de cócoras com eles!”. Se você não sabe se comportar como príncipe no palácio do Rei ou agir como mendigo em casa de pobre, não invente de dar uma de viajante e hospedar-se em casas alheias de estranhos, de amigos ou até familiares. Ou seja, saber e dominar a arte da ‘adaptação’, não é para qualquer um não!

Também já ouvi muito na feira do Alecrim, em Natal/RN, a máxima do povo: “Cachorro onde anda leva as pulgas com ele!”. E geralmente nossas manias ficam tão enraizadas, que são difíceis de se desapegarem...

Uma vez viajei com um certo ‘gaúcho’ e o vi sentar-se para jantar a mesa, trajando calção e camisa regata, enquanto o dono da casa estava vestido com calça e camisa social. Como se dizia antigamente: “Quebrando no linho!”. Rapidamente e a contra gosto do sulista, o fiz sair da mesa e voltar ao quarto para adaptar-se a tradição nordestina do dono da casa em que estávamos hospedados.

O velho e saudoso amigo Monsenhor Expedito Medeiros, quando me recebia por dias e semanas em sua casa, em São Paulo do Potengi/RN, me via acordar bem cedinho e acompanha-lo todas as manhãs as suas missas. Na volta para o café, ouvia seus carões no caminho: “Gutenberg meu amigo, você veio pesquisar e descansar em minha casa, não precisa acordar tão cedo e ir às missas, não senhor...”. E o amigo santo do Potengi dava uma gargalhada e me perdoava quando ouvia minhas desculpas para meus gestos de visitante a moda sertaneja: - Monsenhor Expedito, saiba que em terra de cego, se anda de bengala... e em casa de Padre, missa junto com ele!.

Um dia esqueci uma toalha de banho e minha escova dental no banheiro e Monsenhor Expedito achando-as, ligou imediatamente para minha residência, acusando o meu esquecimento e foi logo dando suas santas gargalhadas ao ouvir minhas profecias: - Pode guardá-las Monsenhor, pois é sinal que ainda quero voltar!

                         (*) É Presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.

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