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14/05/2014

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               MAMALUCO OU MAMELUCO
Por: Gileno Guanabara, sócio do IHGRN
            Parte integrante da etnia brasileira o mameluco, presente desde a colonização, significa o resultante da mistura de europeu e índio, consoante a crônica histórica e seus relatos. Houve o tempo em que se usava o termo “mamaluco”, ainda hoje pronunciado no interior de São Paulo, com a grafia original e de que “mameluco” ter-se-ia como corruptela, conservando o mesmo sentido etimológico. Pacífico é para os dicionaristas que mamaluco ou mameluco é o resultado da mistura euro-ameríndio.

            O debate se instala, porém, quando se refere à origem da expressão. Um grupo proclama a origem árabe da palavra mameluco, enquanto para outros sua origem se deve à língua tupi. Em socorro ao primeiro vem a palavra árabe “mamlouk”, particípio passado de “malaka” (governar, possuir, ter sob ordem), correspondendo, pois, ao governado, ao possuído, com equivalência ao “servus” romano, sendo expressiva a correspondência entre uma e outra expressão.

            A referência histórica que se tem é, no ano de 1250, a existência de uma guarda pretoriana formada por mamelucos, sob ordens do sultão egípcio, Melic-Selek, em cujas dinastias o Egito foi governado até o tempo da presença de Napoleão Bonaparte no Mar Mediterrâneo (1831). Teriam sido elas vencidas pelo vice-rei Mehemet-Ali. Entre seus milicianos estavam os truculentos “bahris”, escravos comprados na Georgia e Turquestão, e os rivais “bordjis”. Revezaram-se no poder, governando militarmente e sem escrúpulos. Dos que escaparam de Mehemet-Ali, parte integrou a guarda imperial de Napoleão e, com a derrocada deste, foram dizimados em Marselha pelo Terror Branco.

            Diz Charlevoix, jesuíta e historiador do Paraguai, recolhido por Affonso de E. Taunay nos alfarrábios que juntou ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que dessa mistureba “... saiu uma geração perversa cujas desordens em todos os sentidos atingiram tais proporções, que a esses mestiços se deu o nome de mamelucos, não fosse a causa de sua semelhança com esses antigos escravos dos soldões do Egito”.

            Portanto, a par do fenômeno próprio da miscigenação de que é resultante o filho do branco europeu e mãe ameríndia, a expressão mameluco atendia também àqueles indivíduos miseráveis que, se não eram meros escravos, eram os possuídos (ou os despossuídos), falavam a língua tupi, não ganhavam sesmarias nem títulos honoríficos, filhos espúrios resultantes da bigamia que se praticava à larga e sem pundonor nas terras da América portuguesa. À falta de uma tradição histórica, os nossos curumins, a fim de amealhar fortuna, tornaram-se chefes das bandeiras, verdadeiros “cabos de tropa” violentos e impiedosos que atiçavam o “terror verde da floresta”, quando da captura de índios que eram embarcados no Porto dos Escravos (São Vicente), via Buenos Aires, vendidos para as minas de prata de Potosi, no Peru.

            São vários os registros de um primeiro branco europeu que morou no Brasil. Náufrago ou degredado, João Ramalho amancebou-se com filhas do cacique Tibiriçá e teria gerado dezenas de filhos mamelucos “tão violentos e criminosos como ele”, no dizer do Padre Simão de Vasconcelos. Habitaram as planícies do Paranapiacaba e juntos com o pai fundaram a cidade Santo André da Borba do Campo, a dez léguas de São Vicente. Pelo pecado da bigamia, João Ramalho foi excomungado pelos “homens de preto”, mas foi indultado pelo parentesco que descobriu ter com o padre Paiva e pelos serviços relevantes que prestou aos colonizadores, quando da fundação das três primeiras cidades da capitania. Fora interlocutor entre índios beligerantes e teria ocupado cargos de alcaide municipal, apesar de analfabeto. Manoel da Nóbrega solicitou às autoridades junto ao Papado, para ser elucidado o casamento oficial de João Ramalho em Portugal, possibilitando o reconhecimento da sua união marital com uma das filha do cacique Tibiriçá. Isso explica a importância do sua convivência com os indígenas - portava-se como tal - interagindo com os padres da Companhia com quem superou divergências e, pela extrema-unção, comprovou a sua condição de não judeu.

Já para os defensores da segunda teoria, Teodósio Sampaio e outros estudiosos, a expressão mameluco não existia. Possível ser tupi a palavra “mamãruca” que traz o radical “mamã” (mistura) e “ruca” ou “yruca” (o que sobra da mistura), resultando o designativo mamaluco ou mameluco.

No entanto, para as anotações de dicionaristas vários (Montoya; Batista Caetano; Stradelli) não é pacífico o entendimento dado a expressão “mamã”, que é outro: ligar, atar, cercar, amarrar. Assim, a palavra não corresponderia exatamente ao sentido de misturar, salvo se recorrendo a um comparativo aproximado, o que representaria um esforço de linguística exagerado. Por outro lado, existe na língua tupi/guarani o termo “monã” ou “monãne” que distingue exatamente misturar, mesclar, confundir.  Portanto, o termo “mamãruca” na língua geral teria um significado diferenciado ao que lhe querem os tupinófilos.

Certamente, com o vingar da história, se contemplou a expressão e qualificação do mameluco, o filho de mãe índia e do branco europeu, varrendo o perjúrio da servidão, de elemento servil, a ideia do truculento homem da mata, que lhe fora atribuída originariamente. Tornou-se fácil a incorporação da expressão, tal como havida da língua árabe, na tipificação de um segmento racial diferenciado que se encorpou ao tempo da expansão das nossas fronteiras, parte hoje significativa da população do Brasil. Esgotada a caça aos indígenas e a fortuna dela obtida pelas bandeiras, a exploração do ouro das minas de Goiazes tornou-se o foco maior de riqueza. Delimitaram-se os limites sociais do confronto entre intrépidos mamelucos paulistas e os emboabas estrangeiros, na guerra iminente que se estabeleceu.

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