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09/09/2021
Meio século sem Monsenhor Walfredo
Padre João Medeiros Filho
Há meses, telefonou-me o ilustre jornalista Woden Madruga, amigo e colega de magistério na Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, hoje confrade da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Transmitiu-me uma mensagem de seu irmão Florian Madruga. Este consultou-me sobre a possibilidade de escrever as memórias do saudoso Monsenhor Walfredo Dantas Gurgel (1908-1971) para integrar uma coletânea do Senado, do qual foi membro o inesquecível eclesiástico. O livro faria parte das comemorações do cinquentenário de vida em plenitude do ex-senador, em novembro próximo. Declinei do honroso convite por razões de foro íntimo e não me sentir preparado para tal missão. Apesar de não acompanhar a trajetória política do Monsenhor, admirava-o nesse mister cívico e patriota. Quando governador, dirigia-se periodicamente a Caicó (onde fui pároco) para visitar sua querida “Mãe Quininha”. Nessas ocasiões, ouvi confidências do nobre sacerdote. Portanto, estou obrigado ao sigilo sobre fatos de sua vida.
Frequentemente, chegava sozinho ao Seminário Cura d´Ars, onde eu residia. Por vezes, Benedito Queiróz, seu ajudante de ordens, o acompanhava. Elegantemente, dispensava o auxiliar: “Deixe-me ficar a sós. Esta é uma conversa entre irmãos. Só preciso do testemunho de Deus.” Escutava-o atentamente. Não sabia o que dizer a um homem sábio, cheio de amor a Cristo e à Igreja. Em silêncio, partilhava minha tímida ternura e gratidão por aquele que foi também um grande educador no Seridó. Quando o sentia abatido, contava-lhe algumas anedotas de papai. Ele ria, enquanto baforava o seu cigarro encaixado numa piteira. Tantos anos são passados e ainda me emociono com a pureza de alma e retidão do padre e político. Em 1951, ele autorizou minha entrada no seminário, quando era administrador da diocese vacante.
No livro “Pedaços de mim mesmo”, Dom José de Medeiros Delgado, primeiro bispo de Caicó, demonstra sua afeição pelo seu colaborador. Destaco alguns trechos: “Recordo, por exemplo, como Dom Marcolino, bispo de Natal, interveio na minha diocese e levou Mons. Walfredo a entrar na política. Era meu Vigário Geral. Não nos afastamos do respeito e da amizade mútua. Conduziu-se, por toda a vida, político e padre!” Continua aquele prelado: “[Se] castigado canonicamente poderia ter ele se desviado... talvez não tivesse conservado o espírito sacerdotal.” Dom Delgado pediu para ser sepultado na igreja do Colégio Diocesano Seridoense, por ele fundado, onde tantas vezes celebrou Padre Walfredo, seu colega no Colégio Pio Latino-americano, em Roma.
Cabe explicar o engajamento político do inolvidável caicoense e a postura de Dom Marcolino Dantas. O Brasil vivia tempos sociopolíticos tumultuados. Incentivados por Dom Sebastião Leme (cardeal arcebispo do Rio de Janeiro) e Alceu de Amoroso Lima, alguns leigos organizaram a Liga Eleitoral Católica – LEC. Desejava-se maior compromisso dos cristãos na vida pública. Disso resulta também a participação de vários sacerdotes, dentre eles, Arruda Câmara (PE), Medeiros Neto (AL), W. Gurgel (RN), Clóvis Souza (MG), B. Godoy (SP) etc. Os três primeiros foram deputados federais constituintes, em 1946. O antístite natalense nutria grande admiração pelo Padre Walfredo. Desejava que ele permanecesse na diocese de Natal, ao ser criado o bispado seridoense. Via no preclaro presbítero alguém que daria uma contribuição preciosa para o seu estado. Na ocasião, Dom Delgado considerou as ponderações serenas do amigo e compadre Tristão de Athayde. Cheguei a ler suas cartas endereçadas ao bispo de Caicó, anos depois, na residência episcopal de Fortaleza.
Dom Delgado coroou seu testemunho sobre Monsenhor Walfredo: “Deputado, senador, [vice-governador], governador do estado, mas padre e que padre! E para confirmação do que escrevi..., poderia invocar o testemunho de muitas pessoas que nos acompanharam em Caicó e no RN. Um deles, que gozava de minha intimidade e sempre foi meu dedicado amigo, o Senador Dinarte Mariz.” Quando residia no RJ, certa feita, nas dependências do antigo Palácio Monroe (representação do Senado naquela cidade), ouvi a seguinte declaração do parlamentar norte-rio-grandense: “A política nunca me abalou a fé e o sentimento de Justiça. Walfredo era um político digno, justo e honesto, exemplo de homem público. Fui seu opositor na política, mas o tenho dentro do coração como um amigo querido e um padre que admiro!”
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