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24/07/2021

UM HOMEM FEITO DE BOM HUMOR Diogenes da Cunha Lima Vida e obra de Veríssimo de Melo tem sido celebrada no centenário do seu nascimento. Sempre admirável, exerceu eficientemente as funções como professor, antropólogo, jornalista, poeta, cultor de música. Foi o aluno dileto e parceiro continuador da obra de Luís da Câmara Cascudo. O acadêmico Ivan Lyra lembra que o bom humor, geralmente, é atributo de gordos. Veríssimo era um magro alegre. O Mestre de Natal dizia que ele era tão magro e ágil que, em uma chuva, passava entre um pingo e outro sem se molhar. Cascudo dizia também que ele podia se esconder atrás de um i. Foi meu amigo-irmão-camarada. Conversávamos, quase todo dia, por telefone, em meu escritório ou na Academia. Chegava a começar um diálogo reclamando: “Você tem uma mania de ...”. Eu rebatia: Calma, amigo, seja civilizado. Primeiro dê bom dia, pergunte como eu estou. Quando fui nomeado reitor da UFRN, pensei nele como pró-reitor, pois era um grande promotor cultural. Recusou o convite. Preferia dirigir a Imprensa Universitária. Argumentei dizendo que ele ganhava mais como diretor do Museu Câmara Cascudo. E ele: “Você não sabe os meus planos. Vou publicar os meus livros, depois os seus livros e de amigos selecionados”. Contestei: Veríssimo, e os trabalhos da Universidade? A resposta inesperada: “A gente manda imprimir fora”. O Conselho Universitário aprovou a nossa proposta para fazer Jorge Amado paraninfo de todas as turmas concluintes. O lendário escritor aceitou e acertou a sua vinda à Natal. Na última hora, não pode comparecer, e mandou o discurso para ser lido por Veríssimo perante a assembleia, na noite colorida com professores e alunos concluintes. Notei que o distraído orador “ad hoc” pulara algumas páginas. Reclamei. Ele explicou o “engano”: “Você devia era me agradecer. O seu amado Jorge, esculhamba o Regime Militar e os militares. Você seria o primeiro a ser preso...”. O primeiro reitor da nossa UFRN, Onofre Lopes, tinha dois assessores culturais: o rígido e impecável professor Edgar Barbosa e o lírico buliçoso Veríssimo de Melo. Edgar levou ao reitor o comportamento do colega que chegava ao cúmulo de comparecer ao expediente cheio de cerveja. Depois de defender o poeta, doutor Onofre apenas sorriu: “Edgar, deixa Vivi viver”. O livro “Folclore Infantil” alcançou êxito no Brasil e em Portugal. Foi lançado, em sessão solene, na Academia Norte-Riograndense de Letras. Fiz apresentação dizendo que o autor ampliava as pesquisas de Câmara Cascudo. A meu lado, ele, Veríssimo, soprou: “É pouco! ”. Continuei... disse que ele era um notável folclorista. Novamente, ele sussurrou que era pouco. Somente sossegou quando eu afirmei que não iria compará-lo ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Adquiri o terreno com o Baobá de Natal. Escreveu dizendo que, por mais que fizesse, publicasse livros, eu seria apenas reconhecido como: O homem que comprou o Baobá, um pé de pau. Fazia rir, falando com sinônimo picaresco de árvore e a dimensão da minha propriedade. Veríssimo é uma lição de vida. Ensinava a todos que o bom humor deve comandar as nossas ações.

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