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18/05/2021

Os bordados e as rendas do Seridó potiguar Padre João Medeiros Filho Trata-se de uma tradição cultural, socioeconômica e artesanal da região seridoense, cuja origem provavelmente data do final do século XVI. Urge, por conseguinte, uma maior proteção desse patrimônio secular. Em que pesem outras informações, estamos diante de um legado, oriundo do Condado de Flandres. Este durou nove séculos (866-1795), tendo sido integrado aos Países Baixos (Nederland) em 1512. Reunia importantes municípios, compreendendo parte das atuais províncias de Altos da França, Flandres Ocidental e Hainaut. Floresceu com o setor têxtil (incluindo costura, bordados e rendas), dominando o comércio internacional do ramo. Sua capital administrativa era Lille (norte da França), porém Bruges (noroeste da Bélgica) tinha grande expressão artística e mercantil. Desse encontro de culturas resultaram vários étimos, ainda hoje empregados nos produtos aqui manufaturados. É comum entre nós o emprego de palavras francesas (ou aportuguesadas), provenientes daquele condado, tais como: renaissance, richelieu, crochet, macramê, tricot, guipure, luneville, point perlé etc. Alguns tecidos guardam a nomenclatura primitiva: tricoline, laise, crepe, cambraia (da cidade de Cambrai). Plissé e godet são termos que continuam em uso na costura. Bélgica e Itália disputam o berço da renda de bilros, difundida em Portugal e suas colônias. Produzida em menor escala no Seridó, encontra-se mais na região litorânea do Nordeste. É bom lembrar o que consta na Sagrada Escritura: “O Senhor dotou-os [as] de habilidades para executar qualquer tipo de pintura, escultura e bordados.” (Ex 35, 35). É inegável o valor artístico das rendas e bordados portugueses, especialmente os oriundos da Ilha da Madeira. Poderiam ter influenciado as artesãs norte-rio-grandenses. Entretanto, os do Seridó aproximam-se mais das renomadas “dentelles de Bruges”. Por isso, estudiosos e especialistas no assunto têm demonstrado que nossa arte é de origem flamenga. É reconhecida a presença neerlandesa, durante sessenta anos no Nordeste brasileiro, inclusive no Seridó. Os Países Baixos, indexando o Condado de Flandres, mesclaram sua cultura e civilização. E os holandeses, aqui chegando, deixaram sua marca artística. Um passo importante foi dado, em junho de 2018, com o selo de indicação geográfica (IG), concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a onze municípios do Seridó potiguar. O SEBRAE vem orientando as artesãs e suas cooperativas no atendimento às normas do INPI. Entretanto, há necessidade de pesquisas e conclusões teórico-técnicas para não se perder a originalidade e qualidade dos produtos. Na década de 1980, o Padre Pedro Neefs, pároco de Campo Grande, organizou um grupo de bordadeiras na Serra de João do Vale, vinculado à Associação comunitária dos trabalhadores avulsos e artesãos de Augusto Severo (ACTAS). Seu objetivo precípuo era manter a tradição cultural e garantir a sua originalidade, e não simplesmente colocar a produção no mercado. As instituições de ensino superior do Seridó (públicas e particulares) necessitam dar a devida importância ao assunto. Ali, há vários tipos de graduação, mas inexistem cursos voltados para as especificidades culturais e artísticas da região. Os governos e as igrejas poderiam promover estudos para assegurar a fidelidade à tradição dos bordados e rendas. Cabe destacar o valioso contributo do primeiro bispo de Caicó, Dom José de Medeiros Delgado, fundando na sede diocesana a Escola Pré-vocacional – precursora do ensino profissionalizante – que se propunha a ensinar essa arte às jovens. Deve-se igualmente ao aludido prelado a criação, em 1943, da Escola Doméstica Popular Darcy Vargas (extinta em 1972), dedicada também à temática. Outros estados brasileiros defendem criteriosamente suas tradições e história. Os gaúchos incentivam o conhecimento técnico-científico e acadêmico do vinho, churrasco e chimarrão. Os mineiros protegem seus queijos e cachaças com pesquisas e abordagens científicas. Deve-se evitar a apropriação indevida de nosso patrimônio. Seria uma ameaça à nossa identidade histórico-cultural. Há premência de um referencial teórico da herança flamenga legada à nossa gente. É preciso garantir que os produtos estejam de acordo com a sua proveniência. Ressente-se, ainda hoje, da falta de estudos mais completos como suporte de fidelidade e qualidade de nossa produção. O apóstolo Paulo já dizia: “Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e conservai cuidadosamente as tradições que vos foram ensinadas.” (2 Ts 2, 15).

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