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19/11/2020

 


O reino do faz de conta

Tomislav R. Femenick – Economista e Jornalista

 

Era uma vez um reino muito grande, um dos maiores entre os que se conhecia. Era grande mesmo. O verde de suas matas cobria a maior parte do seu território, o amarelo de sua riqueza se refletia nos vitrais das inúmeras cortes palacianas. O azul do seu céu era resplandecente e a paz que reinava entre seu povo era branca, igual às asas das pombas que refugiam em revoadas, na praça à frente do palácio real. Não por acaso, as cores nacionais eram o verde, o amarelo, o azul e o branco. Ah, ia me esquecendo, o seu pendão era um dos poucos que tinham slogan: “vamos pra frente, que atrás vem gente”. Por sua vez, o brasão do reino tinha, em latim macarrônico, os seguintes dizeres: “primum tuis”; em português: primeiro os teus”.

Apesar de tudo, o reino tinha muitos, muitos problemas. Seus primeiros-ministros – escolhidos entre os indicados pelas mais de trinta associações que existiam no país – eram verdadeiros pândegos. Antes da escolha, prometiam mundos e fundos. Depois de empossados, esqueciam-se dos mundos e ficavam com os fundos – teve até um que foi preso, um tal de Molusco IX. Outros foram defenestrados do cargo: o Adorno de Melo (também conhecido como o filho de Dina) e Dilma Palmares (também sabida como a gerentona de nadica de nada).

O rei desse reinado tinha cinco herdeiros, mas um não contava; era mulher e, segundo ele, fora fruto de um vacilo seu. O que contava mesmo eram os quatro filhos homens, ou melhor, os três mais velhos. O filho Zero-um era conhecido por sua amizade com um tal de Queiroz e pelo compartilhamento dos ganhos de seus subordinados. O Zero-dois por querer ser o que não era, principalmente embaixador junto a um império situado ao Norte. O Zero-três por ser o fuxiqueiro mor da corte. O Zero-quatro era apenas um jovem aficionado dos games, ainda sem militância política.

Como todo rei que se preza, o monarca, seus filhos e seguidores tinham um mentor espiritual. Um astrólogo aposentado, filosofo de cantaria e homem de muitas facetas – tanto é que mudava de posição tantas vezes quanto isso lhe aprouvesse, e que gostava de usar palavras de baixo calão; linguajar rude, grosseiro. Seus alvos eram todos: os que faziam oposição ao reinado, o próprio rei, seus ministros, os chefes militares e todos os demais, principalmente quando estava sendo esquecido e ameaçado de ostracismo.

A situação ficou mais caótica quando uma peste desconhecida atacou o reino. Todo mundo ficou preocupado, menos Sua Majestade, que disse se tratar de “uma gripezinha” que, logo-logo, passaria. Isso foi o bastante para tirar o assunto da órbita dos esculápios e colocá-lo no colo dos políticos. Era de conhecimento geral que as gripes se curavam com lambedor, uma beberagem feita à base de mel de abelha e raspa de juá, cuja prevenção era tomar uma roceira de limão com Conhaque de Alcatrão de São José do Porto. O problema que era que o conhaque era importado de uma região eleita pelo rei como sua inimiga e ele não queria saber de nada que viesse de lá.

Quem se colocasse contra essa postura era taxado de inimigo do rei. Imediatamente o país foi inundado de bilhetes com alegações de meias-verdades e meias-falsidades. Não importavam as mais de 160 mil mortes provocadas pela peste. A postura real ficava cada vez mais radical. Os amigos diziam que a posição do rei era: “quem não está comigo está contra migo”. Ele, o rei, continuava a bradar que o bom mesmo era tomar o lambedor e que “morrer era coisa natural, o que eu posso fazer? Só o Messias faz milagre”. Porém, até o rei e alguns da sua corte pegaram a tal gripe. Mas, como foi uma versão leve, serviu apenas para aumentar sua fanfarronice e suas bravatas contra os que pregavam cautela, prudência e bom senso. Enquanto isso, o povo sofria as dores do descaso. Os hospitais estavam cheios de doentes e os mortos eram enterrados em valas comuns ou em covas rasas, cavadas às pressas.    

Tudo o que foi dito até aqui está no campo do faz de conta. Porém a nossa realidade é essa. Pobre nação, que um dia já foi apelidada de país do futuro.

 

Tribuna do Norte. Natal, 15 nov. 2020

  

   


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