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08/10/2020

 

Que tal provar um Saint Peter ou uma TILÁPIA...

Patrimônio

Graco Aurélio Câmara de Melo Viana

Professor Associado da UFRN

Sócio Efetivo do IHGRN

 

 

Há tempos que um amigo me disse para escrever sobre a Tilápia, na tentativa de desmistificar sua má fama e apresentar sua importância histórica na alimentação do “homem nordestino”. Agora, vamos tentar conseguir este intento.

 

 

 

Nossa intenção não é publicar um artigo acadêmico, uma vez que existem especialistas mais qualificados para tal tarefa, quando o assunto é o peixe Tilápia, da espécie Sarotherodon niloticus, com suas novas e geneticamente melhoradas “variedades”, comercializadas com muito sucesso no mercado mundial. A personagem deste texto é originária das águas do Rio Nilo, também encontrada nos rios e lagos da África. Na atualidade é “espécie do mundo” estendendo-se da Ásia às Américas por suas qualidades biológicas e organolépticas.

 

Ao voltarmos para a história da Tilápia no Brasil, inicialmente, temos de reverenciar a criação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o quase centenário DNOCS. À esse órgão devemos a “invenção” deste peixe nos açudes nordestinos, construídos para combater totalmente ou, pelo menos, minimizar os efeitos dos anos de secas prolongadas no sertão. Sobre os açudes, nosso “sertanejo maior”, o Doutor Honoris Causa da UFRN Oswaldo Lamartine, os descreve de forma exemplar em um de seus livros sobre o tema.

 

Historicamente, temos que nos referir ao pioneirismo do naturalista alemão Dr. Rodolpho Von Ihering que se instalou nas terras do Ceará, lá pelos idos de 1940-, e deu início aos estudos dessa espécie.  Também não podemos esquecer do Dr. José William Bezerra,  que entre outros pesquisadores da Estação de Piscicultura de Pentecostes, deu novo impulso à piscicultura continental com a produção dos alevinos na Estação de Piscicultura, hoje nominada de Centro de Pesquisas em Aquicultura “Rodolpho Von Ihering.

  

No Rio Grande do Norte a Tilápia também  teve seu destaque institucional, através da Estação de Piscicultura “Estevão de Oliveira”- DNOCS - localizada em Caicó; e, por meio da Estação de Piscicultura “Sebastião Monte”, da UFRN, em Macaíba. Ambas contribuíram para difusão da tilapicultura e foram responsáveis pelos alevinos utilizados nos peixamentos de açudes e das primeiras pesquisas, que ajudaram a consolidar uma base de dados dessa espécie, proporcionando o  aprendizado de gerações de estudantes e piscicultores.

 

A criação da Tilápia do Nilo esteve limitada à produção de alevinos e ao povoamento dos açudes recém construídos pelo sertão nordestino, entre as décadas de 70 e 80. Os peixamentos foram muitos, alguns até festivos e representavam a “ocupação” das águas pela Tilápia, que tornou-se popularmente conhecida por “pilatos”. Ela, a Tilápia, compartilharia assim, o mesmo corpo d’água com os nativos carás, piaus  e piabas. Tal ocupação teria originado muitas “estórias” e algumas pelejas ambientais, ocasionadas pela espécie “exótica” trazida da África, que se tornou mais nativa do que qualquer outra espécie introduzida pela Aquicultura.

 

É importante destacar que no inicio da produção da Tilápia nos pequenos açudes, os resultados não foram nada estimulantes na colheita com a captura de milhares de peixes pequenos e de pouco valor comercial. Essa situação estaria relacionado com a limitada  tecnologia na produção dos alevinos, especificamente na sexagem dos machos e das fêmeas, que ocasionavam reprodução excessiva e competição alimentar, e associado à falta de insumos apropriados para a sua alimentação, restringia o crescimento do peixe. Na verdade, tecnicamente, o sistema adotado era da piscicultura extensiva.

 

Por um bom tempo, apelidado de “pilatos” e com gosto de “barro” só poderia ter ficado com má fama mesmo. De feira em feira, tratado como o “peixinho feio”, certamente morrendo de inveja do belo e saboroso Tucunaré, e para quem alimentou até os apóstolos de Cristo a Tilápia encontraria quem a defendesse.  Portanto, registre-se que foi a Tilápia que garantiu ao sertanejo uma das únicas fontes de proteínas nos anos de secas brabas, quando os pequenos açudes ou barreiros secavam até  restar uma ínfima lâmina d’água, e nesta saltitavam esses peixinhos para alegria de quem os pescava.

 

É, o mundo dá muitas voltas...

 

Com a evolução tecnológica da Aquicultura, no caso, da piscicultura continental, a Tilápia passou a ser o peixe mais criado, valorizado e disputado no expressivo mercado mundial de alimentos saudáveis proveniente da atividade aquícola. Hoje, tem disponibilizada a mais alta tecnologia do setor produzida em modernos viveiros, tanques-rede, raceways,  intensivamente e superintensivamente.

 

Já tem lugar garantido nas maiores redes de supermercado, peixarias, fast foods e restaurantes  do mundo globalizado. Afirmo, e tenho “velhas” provas fotográficas, que já as visualizei no meio de salmões, hadocks, linguados, bacalhaus, toda faceira e destacada entre os nobres pescados.

 

Por vezes, fico pensando em São Pedro, padroeiro dos pescadores, quando da multiplicação das Tilápias no rio Nilo, que jamais  imaginaria o sucesso que aquele peixinho faz em famosos restaurantes e além mar e até da nossa Natal, levando seu nome. Muitos já devem ter lido no cardápio,  “Filé de Saint Peter com molho de alcaparras”. Trata-se de uma estratégia de marketing ou “marquetingue”, montada por uma empresa de piscicultura no Peru, que lançou a marca “Saint Peter Fish” para suas tilápias, na época, de coloração vermelhas como as nossas Ciobas.

 

Concluindo, esta estória virou um conto de fadas, pois de “Pilatos” à “Saint Peter”, a milenar Tilápia do Nilo conquistou as passarelas da gastronomia, ganhou campeonatos de “sabor e valor” e hoje faz parte da nossa cultura alimentar. Mesmo que a peçamos pelo seu nome de fantasia: “Garçom, por favor um filé de Saint Peter” , e após saboreá-la, exclamaremos: “ Ô tilápia boa da bixiga!

 

Bom Apetite!!!

Para ler este e outros inscritos, acesse: gustavosobral.com.br

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Colaboração de Gustavo Sobral.

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