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21/08/2020

 

Para quem?
A pandemia me leva a retomar um assunto que já abordei em outras ocasiões: as doações. Com a crise humanitária atual, isso se tornou um tema importantíssimo, tanto sob o ponto de vista prático (o que devemos fazer aqui e agora), como pelo prisma teórico, que envolve o estudo dos aspectos morais e utilitários da doação.
Desta feita, entretanto, quero ir além da discussão sobre as alternativas de doação individual às pessoas nas ruas ou de doação através de organizações humanitárias. Embora eu não seja contra as doações indivíduo a indivíduo – e o faça muitas vezes –, já defendi, seguindo a visão utilitarista do filósofo Peter Singer (1946-), em “Quanto Custa Salvar Uma Vida? – Agindo agora para eliminar a pobreza mundial” (2009), que as doações se deem sobretudo de forma ampla e sistematizada, através de organizações encarregadas para tanto. Além de evitar (ou minorar) um certo tipo de dependência nas ruas, é altruisticamente mais eficaz doarmos de modo sistemático, através dessas entidades especializadas, para ajudar as pessoas em situação de vulnerabilidade, estejam elas perto de nós ou mesmo mundo afora.
Hoje vou tratar de outro aspecto polêmico do tema: a doação para alimentação, abrigo ou tratamento de animais não humanos. Há quem olhe enviesado para esse tipo de doação. Alguns por simples falta de empatia, já que carecem de contato afetivo com os animais (e isso tende a mudar quando estabelecido esse contato). Outros – talvez a maioria – têm a tendência de olhar sempre para o que está mais próximo de si. A família, os amigos, a comunidade e, claro, a própria espécie. “A caridade começa em casa”, diz o ditado. A presença de uma criança faminta certamente é mais tocante que o caso de um animal nas mesmas condições de tempo e lugar. Mas há aí, podem ter certeza, muito do tal “especismo”, que está arraigado na nossa formação, sobretudo moral. Por fim, há aqueles que, reclamando de tudo, não doam para ninguém. Não é por falta de dinheiro. Muitos que não o têm, mais que doam, dividem. Os “não doadores universais” acreditam (ou fingem acreditar) numa “máfia dos mendigos” (e aqui falamos de gente). Têm visão política predefinida e preconceitos mil. Ou são simplesmente egoístas.
Devo reconhecer que os sentimentos humanos em relação aos animais são contraditórios. Há crueldade e indiferença. Mas há também respeito, admiração, deleite e até amor. E sabemos que há, apenas para dar como exemplo, uma imensa população de cães e gatos, desassistida, vagando pelas nossas cidades. Se eles não são capazes de raciocinar (como nós), ou se não conseguem falar, eles são, sim, passíveis de sofrimento. Muito sofrimento. Eles são “sencientes”.
Penso que todos os animais têm direito à vida e, sobretudo, direito ao respeito e à proteção do homem. Disse Arthur Schopenhauer (1788-1860), em “Sobre o Fundamento da Moral” (1840): “A compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de caráter, e quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem”. Acho que temos uma responsabilidade para com os animais. Somos os seres mais evoluídos. Somos a única espécie capaz de mudar ecossistemas. E já os mudamos bastante. Temos uma responsabilidade cósmica. E há até quem diga, com plausibilidade, que a humanidade, em alguns anos, olhará para o tratamento hoje dado aos animais (não humanos) com o mesmo asco com que hoje olhamos para o tratamento que um dia demos ao fenômeno da escravidão.
Mas não me tomem como um radical. Nem como dono de conclusões definitivas. Defendo abordagens razoáveis tanto para os humanos como para os animais (não humanos). Doar, em si, é um ato bom. Positivo. Faz bem também para quem doa. Fazer o bem enche nossos corações de alegria, já pregava Sidarta Gautama (563a.C.-483a.C.), o Buda.
E se a pergunta desta crônica é “para quem doar?”, há soluções razoáveis. Existem ONGs como a “Moradores de rua e seus cães”. De São Paulo, ela está também em Natal e Recife. E, assim, você ajuda os dois: humanos e animais. Sem especismo. Não há mais desculpas.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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