“Tudo passa. Só Deus basta”
Padre João Medeiros Filho
Muitos conhecem essa afirmação da poetisa e mística espanhola Santa Teresa d´Ávila, inspirada no Evangelho: “o céu e a terra passarão, mas minhas palavras jamais passarão” (Mt 24, 35; Lc 21, 33). Um cantor da atualidade interpreta uma música de sua autoria, na qual entoa: “A vida é [como as águas de] um rio. Não seremos os mesmos jamais. Se a gente falar menos... teremos estrelas pra alcançar, sonhos pra sonhar, flores pra regar”. Talvez, alguns recordem Maysa, interpretando um de seus grandes sucessos: “Meu mundo caiu”. O título da música é deveras atual. O universo de cada um desabou, dos sonhos banais aos ideais mais consagrados da alma humana. A fênix de nosso íntimo ressurgirá e sairá voando em busca da ressignificação dos valores, outrora inarredáveis em nossos devaneios. Igualmente, procurará algum porto seguro, onde possa depositar novas convicções. É o momento do Pai e de sua graça, como expressava a filósofa Simone Weil, sempre sedenta do Infinito, em “Attente de Dieu” (À espera de Deus).
A pandemia, que ora grassa pelo nosso país, colocou-nos cara a cara com pretensas certezas, derrubando a segurança de algumas emoções. Ela sacudiu-nos com angústias e temores, abalando nossos alicerces. Mas, no ziguezague dos sustos e apreensões, Cristo sempre aparece, apontando a estrada: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Paul Claudel (que foi diplomata no Brasil) dizia: “Jesus desafia-nos a assumir nossa infância espiritual e, vez por outra, brinca de esconde-esconde conosco”. Pode-se verificar tal assertiva, perpassando pelas páginas dos evangelhos. No episódio dos discípulos de Emaús, o Ressuscitado permaneceu inicialmente desconhecido, durante a viagem. Mas, ao sentir a tristeza dos caminhantes desnorteados, revelou-se, demonstrando que está sempre conosco e não nos abandona à própria sorte.
É possível que saibamos agora dar o devido valor à conversa com os amigos no café da esquina; ao cheiro da comidinha caseira; ao abraço apertado na pessoa querida e, até mesmo, às nossas briguinhas familiares. Aprenderemos melhor a repaginar tudo o que era desvalorizado pela banalidade do gesto ou trivialidade do conteúdo. Isso irá nos ensinar: “Vita quae sera tamen” (vida ainda que tardia). Mudaríamos uma palavra do lema dos inconfidentes mineiros, oriundo da Primeira Égloga de Virgílio. Acreditamos que mudar é preciso, realidade preconizada por Cristo, na narrativa do evangelista João, ao dialogar com Nicodemos: “Necessário vos é nascer de novo” (Jo 3, 3).
Recentemente, aqui no Brasil, pessoas indignaram-se porque na França – a partir da reabertura gradual do comércio – formaram-se filas em frente a uma tradicional loja parisiense de roupas. Também se poderia condenar, por acaso, uma jovem que vá a um shopping natalense (quando voltar a funcionar) e comprar uma linda blusa, e vestida com ela contemplar a beleza do mar e o encanto do pôr do sol? Optaria por um visual diferente, simbolismo externo da renovada vestimenta da alma. Afinal, o mundo não mudou? O Evangelho é isso: Boa Nova, alegria, outra visão do mundo e das pessoas. Cristo ensinou: “Verão novos céus e nova terra” (Ap 21, 1). Sua mensagem é clara. Mas, a dor teve de vir para nos fazer abrir os olhos. Foram-se as nossas pretensas certezas.
A pandemia trouxe lições que insistíamos em não aprender. Poderemos ser felizes sem as “seguranças”, que nos tornaram frágeis e as obviedades que nos obnubilaram. Falarão mais alto as palavras do apóstolo Paulo: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4, 13). Ou ainda, a advertência do Mestre: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5). Já não somos mais o que éramos. Voltaremos às nossas origens. “Somos filhos de Deus, dele saímos e para Ele voltaremos” (Rm 8, 16). A vida se renovará e o Amor ressurgirá. Vale lembrar as sábias palavras de Sêneca “Durante toda a vida é preciso reaprender a viver”. Esperamos que se possa também ter chegado à conclusão de que ainda (infelizmente) “debaixo do sol, no lugar do direito reina a impiedade, em vez da justiça domina a iniquidade”! (Ecl 3, 16). E isso não é de Deus!
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