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18/05/2020


Médicas e mães
Nestes tempos de crise, em que um vírus ataca nossas vidas e nossos sistemas de saúde, algumas mulheres têm se destacado na luta contra esse inimigo. No plano macro, de política sanitária, tenho constatado o excelente trabalho de estadistas como as primeiras-ministras da Alemanha e da Nova Zelândia, Angela Merkel (1954-) e Jacinda Ardern (1980-), respectivamente. Assim como tenho visto e lido, na TV, nos jornais, nas redes sociais, o diuturno trabalho de inúmeras mulheres – médicas, enfermeiras, fisioterapeutas, assistentes sociais e por aí vai – contra essa pandemia. Famosas ou anônimas, elas são, cada qual a seu modo, heroínas nessa guerra para salvar a nossa saúde.
Andei estudando um pouco o tema das “mulheres na medicina”, em especial num livro que possuo (na verdade, um livrão, daqueles de enfeitar centro de mesa), “Medicine: the Definitive Illustrated History” (Dorling Kindersley Limited, 2016), que tem o prolífico divulgador científico Steve Parker (1952-) como seu consultor principal. E sem surpresa constatei que, durantes séculos, o papel das mulheres na medicina refletiu a posição delas na sociedade. “Mulheres sempre exerceram papéis importantes como cuidadoras, enfermeiras e parteiras, mas, até o século XIX, pouquíssimas tiveram uma posição de destaque na medicina”, infelizmente li. Médicos, sobretudo aqueles em posição de destaque, eram, na sua quase totalidade, homens. E um razoável grau de igualdade só foi alcançado no fim do século passado e, mesmo assim, não em todos os países.
É claro que, na história, existiram pioneiras na medicina. A alemã Hildegarda de Bingen (1098-1179), por exemplo, “foi uma proeminente abadessa, poetisa, musicista e médica. Seus trabalhos dos anos 1150 incluem o ‘Liber Simplicis Medicinae’ (‘Livro da medicina simples’), depois chamado de ‘Physica’, no qual descreve centenas de tratamentos a partir de minerais, ervas e extratos animais”. Ela é hoje santa e doutora da Igreja Católica. E, como ainda li no meu livrão, “a aceitação de mulheres na medicina só começou a acontecer no século XVIII. Em 1732, a italiana Laura Bassi foi nomeada professora de anatomia na Universidade de Bolonha, continuando sua carreira na prática médica. Na Prússia, Dorothea Erxleben, com especial permissão do Rei Frederico, o Grande, graduou-se em medicina pela Universidade de Halle em 1754. Mas esses eram ainda casos isolados. Em 1849, Elizabeth Blackwell tornou-se a primeira americana graduada em medicina, vindo a ter uma longa e conceituada carreira, desbravando a história das mulheres na medicina. Na Inglaterra, ela ajudou a criar a London School of Medicine for Women, em 1874, junto com as médicas britânicas Sophia Jex-Blake e Elizabeth Garrett Anderson”. Todas essas pioneiras devem ser aqui penhoradamente homenageadas.
Fico feliz que as coisas tenham mudado e, hoje, possamos ver muitas médicas por aí.
E, dito isso, agora que comemoramos o dia das mães, vou fazer uma homenagem especial às médicas que são também mamães. Até porque, esta semana, vi o depoimento de uma delas, médica-mãe na linha de frente do coronavírus, sobre o sacrifício e a dor, física e emocional, de estar longe dos seus pequenos, para também “salvar” a vida deles. Tocante, de verdade.
Em tempos tão difíceis, digo a elas o que diria à minha mãe ou à minha mulher (mãe do meu pequeno João), repetindo os versos de Mario de Andrade (1893-1945) no poema “Mãe”: “Existirem mães, isso é um caso sério. Afirmam que a mãe atrapalha tudo. É fato. Ela prende os erros da gente. E era bem melhor não existir mãe. Mas em todo caso, quando a vida está mais dura, mais vida, ninguém como a mãe pra aguentar a gente, escondendo a cara entre os joelhos dela. ‘O que você tem?’. Ela bem que sabe. Porém a pergunta é pra disfarçar. Você mente muito. Ela faz que aceita, e a desgraça vira mistério pra dois”. Muito obrigado, mamães!
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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