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21/10/2019


A partir de quando?

Dia desses, no Habeas Corpus (HC) 166373, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria (7 x 4), que, em ações penais com réus colaboradores e delatados, é direito destes apresentarem suas alegações finais depois dos réus que firmaram acordo de colaboração. Venceu o entendimento de que, com os interesses conflitantes, apenas a concessão de prazos sucessivos, possibilitando que os delatados falem por último, garante o direito fundamental da ampla defesa e do contraditório.
Tudo bem. Pensando direitinho, isso parece ser o correto.
Entretanto, não se havia pensado nisso, nem mesmo no STF, até bem pouco tempo. E, durante alguns anos, esse procedimento, de prazos sucessivos para as alegações finais, não era o adotado nos juízos e tribunais do país afora.
E aí surgiu um outro problema, gravíssimo, aliás: essa decisão no Habeas Corpus (HC) 166373 pode ter repercussão em diversos processos concluídos ou em tramitação pelo país, agora sujeitos a uma potencial nulidade. Assim, os ministros terão de apresentar, para garantir um mínimo de segurança jurídica, uma tese/solução para orientar as outras instâncias judiciais eventualmente envolvidas.
A solução, espera-se, passará por algum tipo de aplicação prospectiva da decisão que anunciou a nova regra. Numa aplicação prospectiva clássica, o novo precedente, decidindo/disciplinando o caso em julgamento, passará a disciplinar apenas os fatos ocorridos depois do seu estabelecimento. Não retroage para os fatos já ocorridos e os casos já julgados. Tem efeitos apenas ex nunc, como se diz.
A razão da existência da aplicação prospectiva está na necessidade de manutenção da confiança nos precedentes judiciais anteriormente estabelecidos, pois as pessoas e órgãos do Estado agem – ou, pelo menos, deveriam agir – com base e em confiança nas regras até então existentes, incluindo-se as regras elaboradas pelos juízes, em especial aqueles da sua Corte Suprema.
No processo penal, como é o caso do dilema que o STF enfrenta agora, isso é bem sensível, claro. Temos muitos direitos fundamentais em jogo, em especial a liberdade. Mas há boas justificativas para a aplicação prospectiva do novo precedente nessa área do direito. Victoria Sesma, em “El precedente en el common law” (editora Civitas, 1995), levando em consideração a prática judicial dos Estados Unidos da América, oferece-nos pelo menos duas boas razões para aplicar um novo precedente revogador apenas prospectivamente, derivadas da ideia de manutenção da confiança nas decisões judiciais: “a) a justificativa mais usada tem sido a confiança nas decisões judiciais. (...). Um tipo de confiança diferente tem sido alegado por parte de policiais e membros do Ministério Público quando enfrentaram um tribunal que coloca em xeque os procedimentos que se devem seguir em uma investigação criminal. Não é justo, dizem, penalizar a persecução por errar no cumprimento de regras que não tinham sido estabelecidas antes da investigação acontecer. A Corte Suprema dos EUA aceitou este ponto de vista como um dos fundamentos para limitar o efeito de Miranda v. Arizona 384 U.S. 436 (1966); b) uma segunda justificativa assinala que o que motiva o tribunal a revogar um precedente é o desejo de pôr em prática uma nova política, mas uma política que não necessita ter efeito retroativo. Em Mapp v. Ohio, a Corte Suprema dos EUA decidiu que a prova descoberta em um determinado procedimento considerado ilegal não podia ser utilizada em juízo. Em Linkletter v. Walker 381 U.S. 618 (1965), o tribunal decidiu que a regra Mapp era só prospectiva. Disse que a nova regra foi proposta para dissuadir procedimentos ilegais, e que era demasiado tarde para dissuadir aqueles procedimentos que já tinham acontecido. Portanto, não podia ganhar-se nada dando a Mapp efeito retroativo”.
Acho que a coisa vai caminhar por aí – algum tipo de aplicação prospectiva – para a decisão proferida no Habeas Corpus (HC) 166373. Até porque, como disse o Ministro Luiz Fux dia desses, segundo publicação do ConJur de 16 de setembro de 2019, o STF “tem muita preocupação com a segurança jurídica. A segurança jurídica, por vezes, leva o Supremo a modular suas decisões. Quer dizer, as decisões passam a valer de um determinado momento para frente, para não nulificar tudo o que já foi praticado”. Ainda acredito que ele está certo.
Apenas, talvez, com algumas exceções retroativas para corrigir prejuízos efetivamente demonstrados, em processos já julgados, como aquelas sugeridas pelo Ministro Presidente Dias Toffoli: “1) em todos os procedimentos penais é direito do acusado delatado apresentar as alegações finais após o acusado delator que, nos termos da Lei 12.850, de 2013, tenha celebrado acordo de colaboração premiada devidamente homologado, sob pena de nulidade processual, desde que arguido até a fase do artigo 403 do CPP ou o equivalente na legislação especial, e reiterado nas fases recursais subsequentes; 2) para os processos já sentenciados, é necessária ainda a demonstração do prejuízo, que deverá ser aferida no caso concreto pelas instâncias competentes” (site do Conjur de 2 de outubro de 2019).
Bom, aguardemos o nosso Supremo.


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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