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03/10/2019




MACAÍBA, ONTEM

Valério Mesquita*

Escrever sobre o passado de Macaíba é um momento raro confidências emocionais. Macaíba é um centro catalizador e irradiador de emoções, dotada de poderes mágicos. Percorrendo suas ruas, desfilam comigo todo um universo espiritual de amigos ruidosos ou silenciosos, densos e penetrantes. As ruas do centro, umas largas outras estreitas, o rio poluido, o cais desfeito, os lugares que já foram, os casarões destruídos, tudo comanda uma série de imagens, de sensações auditivas, visuais, olfativas ou mesmo táctil, entre o passado e o presente.
São sensações-lembranças povoando os espaços da memória e a recomposição não de um tempo perdido como queria Proust, mas o sentido e o rumor do humano, da paisagem e do tempo, todos síntese e fascinação de horas vividas e profundas.
Política folclórica, intensa, arrebatada, patética. Digna do teatro shakeaspereano. Neco Freire, Estevão Moura, Alfredo Mesquita, José Maciel, Aguinaldo Ferreira, Magno Tinoco, Paulo Mesquita, Aldo Tinoco, Theodorico Freire, Neco Alves, Enock Garcia, Severino Aleixo, Francisco Falcão Freire, Leonel Mesquita, Luís Cúrcio Marinho, entre tantos outros, emergem do tempo com força evocativa de ressurreição de ambientes.
De tipos humanos inesquecíveis relembro, Macaíba social, lírica, romântica, ingenuamente irresponsável, jovem, de Neif no saxofone, Nestor Lima no violão, Raimundo Cavalcante, a voz, José Inácio Neto, o emérito historiador, Ranilson Costa, ruminando sempre, a cordialidade de Bridenor Costa, Né Massena e seu torrado indefectível, Perequeté, Banga, Passarinho, Jorge de Papo, Maria Cabral, Zé Caíco, Sérgio, “o cabeceiro borçal”, Pereira e o seu piston, Gutemberg Marinho, seu irmão Epaminondas e o velho Luís Marinho de Carvalho, Maceira e o seu choque irreprimível, Chico Moura, Olímpio Maciel, D. Nazaré Madruga, Carlos Mesquita e o pisa na fulô, padre Chacon, Nassaro Nasser (Danga) e a coleção de gibi, Chicozinho e o cavaquinho, o jogo de botões pelas calçadas com elenco insuspeito de moleques, Napoleão sapateiro e Charuto, o seu vizinho, as bodegas de Alfredo Almeida e João Manteiga, Miguel Pelado, Zé Pelado do “Café Gato Preto”, o Pax Club, enfim, uma verdadeira procissão de lembranças de um mundo desaparecido mas ainda vivo nas paredes, no chão por onde pisaram, como queria Sartre.
Enfim, devo dizer que ainda ouço com extraordinária nitidez, as mesmas canções eternas de todo esse universo perdido, de todo esse coquetel humano, como se estivesse de uma janelinha aberta e mágica, vendo-os passar numa comovida recomposição de gestos.

(*) Escritor


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