OBITUÁRIO DE OMISSÕES
Valério Mesquita*
Outubro, mês da
emancipação política de Macaíba. E no que se transformou o município? Sinto-me
prisioneiro de mãos atadas, apenas, conduzindo lembranças. A linguagem que eu
falo é somente de epílogos. Estive lá semana passada e não vi mais as esquinas,
as ruas estreitas do centro repletas de segredos, sentimentos, vultos amigos,
antigos, furtivos, que as curvas do tempo encobriram. Ninguém vê mais a lâmina
d’água do rio Jundiaí no qual navegou Severo, Auta, Alberto, os Castriciano na
lancha de mestre Antônio. Uma espessa floresta cobre o leito – e de luto morrem
as recordações dos antepassados. A ponte de sessenta anos nunca mais viu uma embarcação,
cansada de ser todo dia atropelada. Ali, no antigo e histórico cais do porto,
nunca mais surgiu enorme, carregada de mistérios, a lua cheia que nascia e
planava em cima do Solar do Ferreiro Torto.
A cidade de Macaíba hoje
é uma fotografia ampliada dez vezes, cuja memória social, política, cultural,
virou destroço, boletim de ocorrências. Um profundo baú de ossos. Somente a
retina e o amor telúrico, sensitivo, de alguns macaibenses conseguem
reconstruir, aqui e acolá, a passarela da sua história. Vista do alto,
comprova-se que a chaminé das constantes migrações aumentou a população, os
veículos, o barulho, a droga, o homicídio, acabando a paz pastoral dos
verdadeiros habitantes. Macaíba se abre fácil para os que chegam de perto e da
distância. Até motivo de pesquisa e estatística de uma televisão ela e
Parnamirim foram notícias. O fato serve de alerta para que a juventude nativa
não deixe que apaguem as luzes. As luzes e as vozes dos que construíram no
passado, o seu futuro e o seu espírito. Que não permita que padeça nem
desapareça o sentimento de conterraneidade. Evitem o obituário de esquecimentos!!
É preciso plantar urgentes
providencias onde seja possível, à nível federal, estadual e municipal. A
geração nova de macaibenses deve exigir oportunidades de trabalho, educação,
saúde, segurança e combate ao tráfico de drogas, sem olvidar o patrimônio
cultural de sua terra que já integra hoje a história da criminalidade do Rio
Grande do Norte. Que os migrantes e neo-macaibenses no exercício constante de
ir e vir não recusem o gesto de amor a cidade. Que venham e que cheguem como
quem ama uma flor recém descoberta. Que não entendam o município como
prolongamento de Natal devorada pelo capitalismo econômico e pelo
enriquecimento ilícito. Imponham os limites, um basta! Macaíba deve ser a cidade
que perdeu o medo, como se fosse a lâmina límpida de águas novas, extraída da
própria macaibanidade única e indivisível. Cada um de nós tem a mesma dor e mesma
canção.
O esquecimento deliberado
do poder público estadual em restaurar o Empório dos Guarapes é outro crime
perpetrado contra a história do comércio do Rio Grande do Norte. Nas décadas de
1860 a
1880, em termos de comércio de importação e exportação, Macaíba foi o maior porto
do estado. Essa época de apogeu está sendo apagada da história porque o projeto
de restauração dorme em algum birô do Centro Administrativo. A área foi
desapropriada pelo governo, paga, tombada por decreto oficial, o projeto
técnico concluído, prometida a execução, mas o recurso permanece no obituário
da omissão. Na matriz de Nossa Senhora da Conceição, dia 27 de outubro passado,
o aniversário de Macaíba foi celebrado com missa de mais de 20 anos de
esquecimento. Fabrício Gomes Pedroza estará presente. Se Lampião tivesse subido
o monte dos Guarapes, numa chuva de balas, talvez o Guarapes já tivesse sido restaurado.
Mas as balas hoje disparadas estão matando os jovens e rasgando a identidade da
cidade.
(*) Escritor.
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