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16/01/2018

   
Marcelo Alves

Testemunhos de Istambul (I)

            Como eu disse no artigo da semana passada, a atual Istambul – que já foi chamada de Bizâncio e de Constantinopla, outrora capital do Império Bizantino ou Romano do Oriente e, depois, do Império Turco Otomano – tem, como herança dessa riquíssima história, para o turista de hoje, mil e uma atrações. Entre as mais badaladas, estão o Estreito de Bósforo, o Chifre de Ouro, o Palácio Topkapi, o Hipódromo, a Basílica (hoje museu) de Santa Sofia, as Cisternas da tal Basílica, a Igreja de São Salvador in Chora, a Mesquita Azul, a Mesquita de Suleiman, o Palácio Dolmabahçe, a Torre Gálata, o Bazar das Especiarias e o Grande Bazar. Tudo lindíssimo e fácil de percorrer ou visitar.
            De minha parte, adorei o passeio pelo Estreito de Bósforo, que liga o Mar Negro ao Mar de Mármara, separando a Ásia da Europa dentro da própria Turquia. Ele parte da entrada do Chifre de Ouro, que é, para quem não sabe, a enorme embocadura de um rio que deságua em Istambul e no Bósforo, utilizada como porto pelos locais já faz muitíssimos séculos. Para além da beleza da vista, é a melhor forma de ser ter uma visão geral da enorme cidade. As visitas aos pátios, às instalações adjacentes e ao interior propriamente dito das grandes mesquitas – a Mesquita Azul e a do Sultão Suleiman, o Magnífico (1494-1566), esta última obra de Mimar Sinan (c.1490-1588), o grande arquiteto que o Império Otomano legou à história – também são imperdíveis. Embora tenham me causado menos emoção do que em regra me acontece com as grandes catedrais, seja porque são mais austeras ou seja porque sou cristão, essas duas enormes mesquitas são muitíssimo belas e, sobretudo, diferentes, se comparadas àquilo que estamos acostumados a ver no Ocidente. E digno de nota é o impacto sonoro destas e das outras quase três mil mesquitas de Istambul na vida da cidade, todas ressoando um canto, para nós ininteligível, sempre a certas horas do dia. A região da Torre Gálata, em especial a rua Istiklal Caddesi (só para pedestres), cheia de comércios e restaurantes abertos até tarde, aparentemente mais europeizada que o restante da cidade, é fantástica (vide artigo da semana passada). Adorei também o café que tomamos no Palácio Dolmabahçe, à margem do Bósforo, no cair do sol, e isso basta para dizer o quão agradável foi. Por ser mais afastada do centro, não conhecemos a Igreja de São Salvador in Chora. Me arrependo enormemente. Um dia pretendo bater lá, se Deus (ou Alá, como queiram) permitir.
            Entretanto, três ou quatro coisas que vi em Istambul superaram as minhas mais otimistas expectativas de viajante relativamente experimentado. A maioria concentrada na confluência das regiões de Serralho e Sultanahmet, próximas umas das outras, essas maravilhas da “capital de impérios” podem ser visitadas numa só tarde ou, se quiser fazer tudo mais calmamente, num dia inteiro.
            Primeiramente, muito mais que adorei as visitas à Basílica (hoje museu) de Santa Sofia e à sua Cisterna adjacente.
            A Basílica/Museu de Santa Sofia é nada menos que gigante. Transformada em mesquita no tempo do Império Otomano, foi, na década de 1930, secularizada e convertida em museu (segundo nos foi dito, por decisão de Mustafa Kemal Atatürk, 1881-1938, o “fundador” e primeiro presidente da República da Turquia). Constantemente em restauração, ela sobretudo testemunha a grandiosidade de um Império, o Bizantino ou Romano do Oriente, que durou mais de um milênio (segundo convencionado, de 395 a 1453, tudo isso depois de Cristo, claro). Como explica o “Guia Visual Folha de São Paulo – Turquia” (PubliFolha, 2014): a “'Igreja da santa sabedoria', Santa Sofia, ou Haghia Sophia, figura entre as maiores realizações arquitetônicas do mundo. Com mais de 1.400 anos, resiste como um legado da sofisticação da capital bizantina do século VI, e teve grande influência na arquitetura dos séculos seguintes. A enorme estrutura foi construída sobre duas igrejas anteriores e inaugurada pelo imperador Justiniano [o Grande, 482-565] em 537. No século XV, os otomanos a transformaram em mesquita: minaretes, túmulos e fontes datam desse período.”. A colossal nave, a cúpula, as galerias do primeiro andar (das quais você tem uma real dimensão da enormidade da coisa), os mosaicos, a atmosfera de outrora, tudo aquilo me impressionou. Eu me senti quase um Triboniano (500-547) em meio à elaboração do “Corpus Iuris Civilis”. E, cristão, senti de fato a emoção de fazer parte daquele legado.
            Já a Cisterna da Basílica, a maior do tipo em Istambul, é uma atração à parte, metafórica e literalmente falando, até porque tem bilhete e entrada independentes. Terminada em 532 (antes da Basílica, portanto), estava originalmente relacionada ao majestoso Palácio de Bizâncio, dos imperadores romanos, do qual restam apenas algumas ruínas, a quem fornecia água de qualidade questionável. Também do tempo de Justiniano, o Grande, com suas 336 colunas gigantes e seu aspecto cavernoso, é uma maravilha da ciência/arte da engenharia. A água ali presente e a especial iluminação tornam a coisa mais exótica do que se imagina. Percorrendo as úmidas passarelas, com um fundo musical “subterrâneo”, eu me vi como Robert Langdon em “Inferno” ou o meu amigo James Bond em “From Russia with Love”. Coisa de cinema, sacamos muitas fotos. Fizemos até um “book” profissional, fantasiados de sultão e sultanesa (algo que reconheço contraditório, já que a Cisterna data da época dos romanos). Postamos parte nos instragrans, facebooks e whatsapps da vida. Turista, mesmo aquele um tanto experimentado, é muito besta. 
            E nessa mesmíssima região, bem pertinho da Basílica e da Cisterna, fica uma outra atração de Istambul que atesto rigorosamente imperdível: o gigantesco Palácio Topkapi, construído entre os anos 1459 e 1465, pelo Sultão Mehmet II, o Conquistador (1432-1481), logo após a tomada de Constantinopla (1453), para ser residência principal e sede de governo do recém-instalado Império Turco Otomano. Mas sobre esse palácio, assim como sobre as demais atrações de Serralho e Sultanahmet, eu darei meu testemunho apenas na semana que vem.


Marcelo Alves Dias de Souza

Procurador Regional da República

Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

Testemunhos de Istambul (II)

Como dito na semana passada, bem pertinho da Basílica/Museu de Santa Sofia fica uma outra atração de Istambul que achei fantástica: o Palácio Topkapi, construído entre os anos 1459 e 1465, pelo Sultão Mehmet II, o Conquistador (1432-1481), logo após a tomada de Constantinopla (1453), para ser residência principal do sultão e do seu enorme harém, assim como ser sede de governo do recém-instalado Império Turco Otomano. Sua localização era e ainda é estratégica, num promontório, denominado Serralho, que supervisiona o tríplice encontro entre o Chifre de Ouro, o Estreito de Bósforo e o Mar de Mármara. 

Para facilitar as coisas, sobre a concepção e a história do grande palácio, faço uso do “Guia Visual Folha de São Paulo – Turquia” (PubliFolha, 2014), já outras vezes citado neste espaço: “Entre 1459 e 1465, logo após ter conquistado Constantinopla, Mehmet II construiu o Palácio Topkapi como residência principal. Em vez de uma única edificação, foi concebido como uma série de pavilhões contidos por quatro pátios enormes, uma versão de pedra dos acampamentos com tendas, como os primeiros otomanos nômades costumavam fazer. De início, o palácio servia com sede de governo e dispunha de uma escola na qual eram treinados funcionários civis e soldados. No século XVI, porém, o governo foi para a Porta Sublime. O sultão Abdül Mecid I [1823-1861] abandonou Topkapi em 1853, trocando-o pelo Palácio Dolmabahçe. Em 1924, foi aberto ao público como museu”. 

Na minha opinião, o Palácio Topkapi, hoje basicamente um “museu” aberto à visitação, é o que há de melhor para se entender a história do grande Império Turco Otomano, história que, com seus sultões e grão-vizires, suas conquistas e retrocessos, está muito mais presente na vida e no imaginário da atual Istambul do que está a sua herança romano bizantina. De toda sorte, embora surpreso no começo, essa prevalência turco otomana, em comparação ao romano-bizantino, me pareceu, ao final da minha estada por lá, bastante natural. Se pensarmos bem, o Império Turco Otomano é bem mais recente que o Império Bizantino, sem falar que sua fé islâmica coincide – e isso é muito importante – com a orientação religiosa da Turquia contemporânea. 

Hoje cercado por parques públicos, o Palácio Topkapi, desde a Porta das Saudações, que dá acesso à parte principal do complexo, impressiona. Seus quatro pátios são belíssimos; seus edifícios, que são inúmeros, mais ainda. As entradas decoradas (como a do harém), os vários terraços, os pavilhões, os quiosques (como o da Justiça e o de Bagdá), as salas de audiência, as câmaras, as cozinhas, os aposentos, a Biblioteca de Ahmet III (1673-1736), são tantos espaços e tão ornados que é quase impossível não se perder por ali maravilhado. Para além da arquitetura, adorei as coleções de relógios, de armas e armaduras, de trajes imperiais e, sobretudo, do riquíssimo tesouro do Palácio. Chamou-me a atenção mais ainda a coleção de relíquias reunida pelos sultões otomanos, tais como o cajado de Moisés, as espadas de Maomé e de alguns dos seus companheiros na criação do Islã e até mesmo uma “pegada” (no sentido de “marca do pé”, que fique claro) do Profeta, coisas que, infelizmente, de papel passado, não posso atestar serem verdadeiras. De toda sorte, apoiador da aposta de Pascal (1623-1662), eu vi e acreditei. Por fim, encantei-me sobretudo com a sala de retratos dos tais sultões otomanos, onde, de fato, tive a oportunidade de ter uma visão geral da história do grande Império. E registro que ainda deu para tomar um café no restaurante palaciano, observando o mar de Mármara e a Istambul asiática que luziam à nossa frente. 

Se não bastasse tudo isso, bem pertinho dali, praticamente colados ao Topkapi e dentro do denominado primeiro pátio do Palácio, ainda estão outras famosas atrações de Istambul, como a igreja bizantina de Santa Irene (“Haghia Eirene”), do século VI (quando do reinado de Justiniano, o Grande), mas restaurada no século VIII, curiosamente nunca convertida em Mesquita, e o riquíssimo Museu de Arqueologia, especialmente bem dotado no que toca a artefatos dos períodos pré-clássico, clássico e bizantino, mas que não tivemos a oportunidade de visitar. Aliás, não sou de necessariamente visitar museus em viagens. Falo daqueles museus formais, claro, tipo o Louvre ou o British Museum. Museus desse tipo, penso, são mais para frequentar do que para simplesmente visitar, quase sempre às pressas. 

Na verdade, no restante das nossas horas em Istambul, como bons “flâneurs”, preferimos, sem destino certo mas atentos a tudo, vagar pelas muralhas e ruínas, pelas calçadas e esquinas e pelas lojinhas e praças das regiões de Serralho e Sultanahmet, tão cheias de história e estórias para contar. O que elas nos disseram, isso eu confesso para vocês na semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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