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24/01/2018

Cecília Meireles, viajo sozinha no meu coração


texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Dela disseram: cantou a reinvenção da vida e teve serenidade frente ao tempo. O que nos deixa sem mais para dizer. Conhecida tanto pela graça do seu Ou isto ou aquilo,  quanto pelo seu clássico Romanceiro da Inconfidência. Décima quarta entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é poeta, Cecília Meireles que compartilha com o poeta Drummond o sentimento do mundo todo. Entrevistamos a poeta nos volumes Viagem e Vaga Música.

Entrevistador: Qual o motivo da sua poesia?
Cecília Meireles: Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.

E: É alegre ou é triste?
CM: não sou alegre nem sou triste: sou poeta.

E: E o que é que sabe?
CM: Sei que canto. E a canção é nada.

E: Algo mais?
CM: eu um dia sei que estarei mudo – mais nada.

E: É de passar ou de ficar?
CM: não sei, não sei. Não sei se fico ou se passo.

E: É hoje a mesma de ontem?
CM: Eu não tinha o rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos vazios, nem o lábio amargo.

E: Tem noção de quem é?
CM: entre mim e mim, há vastidões bastantes para a navegação dos meus desejos afligidos.

E: Como?
CM: Virei-me sobre a minha própria existência e contemplei-a.

E: E o que procura na vida?
CM: Ando à procura do espaço para o desenho da vida.

E: Mede a vida em régua e compasso?
CM: Em números me embaraço e perco sempre a medida.

E: Capaz de recuar?
CM: Se volto sobre o meu passo, é já distância perdida.

E: E assim não anda perdida?
CM: Não ando perdida, mas desencontrada.

E: Desencontrada?
CM: saudosa do que não faço, mas do que faço arrependida.

E: Então o que procuras, o que deseja?
CM: Tudo. Nada. Viajo sozinha no meu coração.

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