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29/09/2017

Padre JOÃO MEDEIROS



TEMPOS DE DISTOPIA
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
A filosofia e a sociologia concebem distopia como o oposto de utopia, o túmulo da esperança. Em meados do século XX, alimentávamos o sonho de mudar os costumes e a sociedade de nosso país. Éramos voltados para a utopia. Corria em nossas veias o ufanismo nacional com seus valores e ideais. Pensávamos e desejávamos um futuro próspero. O Brasil focalizou em especial um adjetivo: novo. O cinema, novo; a bossa, nova; o projeto de desenvolvimento liderado por Celso Furtado, igualmente fértil e novo.
Vivemos agora tempos distópicos, ou seja, de descrédito, apatia, indiferença, depressão individual e social. O autor do Eclesiastes padeceu desse mesmo sentimento de desânimo: “Todas as palavras estão gastas... O que foi é o que será; o que se fez é o que se fará. Nada de novo sob o sol!” (Ecl 1, 8-9). Da mesma forma, nossa pátria hoje se ressente de incredulidade, está pobre de espiritualidade e distante de Deus.
O monge cisterciense Thomas Merton, inspirado em John Donne, dizia que “Homem algum é uma ilha”. No reino animal, somos as criaturas que mais necessitam de proteção e cuidados, por isso buscamos o próximo. Levamos cerca de duas décadas para atingir a maioridade. A natureza humana convida-nos à solidariedade. No entanto, a desesperança leva-nos a ficar isolados em nossos medos e inseguranças. Sabemos o que não queremos e manifestamos o nosso desagrado, a nossa frustração e indignação. No entanto, sentimo-nos impotentes e poucas vezes podemos propor algo factível. São tempos distópicos, de desalento.
A crise é igualmente civilizatória. O mundo está dominado pelo dinheiro e pela violência. Empresas, às vezes, têm mais poder e força do que Estados e governos. Tudo é pensado em função da acumulação do capital e infelizmente a natureza é massacrada ao extremo. Sua preservação é considerada entrave ao progresso. Inverteu-se a axiologia: o ser humano existe em função desses projetos e não eles em função do homem.
O respeito está em agonia. No entanto, a espiritualidade sobrevive. Ela é a essência de nossa subjetividade, altar no qual erigimos nossos deuses. Há quem a empregue como sustentáculo de seu egoísmo e eleja o interesse egocêntrico como bem supremo. Mas, há, sim, quem a nutre em fontes altruístas, como Cristo, Buda, Gandhi e outros tantos líderes. Nossas opções dependem de nossa espiritualidade.
A mercantilização dos bens da vida e das relações humanas, a política, desprovida de sensibilidade e interesses sociais, propiciam fortemente o surgimento de religiões sem teologia, igrejas sem liturgia, fiéis sem caridade. Emerge um transcendentalismo, que atribui todos os males à luta entre o Bem e o Mal. Declina-se da responsabilidade de buscar as causas dos danos na vida humana e social. Há que se resignar à “vontade de Deus” e orar para que o milagre aconteça, afirmam os mais crentes e fervorosos.
Está se disseminando a sensação de que o Brasil acabou ou está falido. Predomina o sentimento de descrença. É a distopia reinando. Silenciamos. As igrejas, portadoras da Palavra de Deus, carecem de ânimo e de esperança, a qual é uma virtude teologal.  Revoltamo-nos com os gastos excessivos dos poderes da nação, com o estrago incomensurável da corrupção e o cinismo dos infratores, além da politicagem de interesses escusos. De resto, ficamos apopléticos e impotentes. Assim, aceitamos passivamente a perda da liberdade e da segurança, a queda dos princípios pelos interesses, do público pelo privado, do Bem pelos bens. Civilização distópica.

A esperança evapora-se. A Bíblia é rica em períodos de desalento, como o que ora atravessamos. A saída não depende apenas de nossa vontade, partido ou igreja. Ela necessita da união de todo o povo brasileiro, embasada em uma maneira honesta e digna de pensar e agir. Por isso, Jesus não teve pressa para que o Reino de Deus acontecesse logo. Adotou a única atitude que torna efetiva a esperança proposta: organizou um pequeno grupo e plantou as sementes de um novo projeto civilizatório. Este se alicerça no amor, na compaixão e na partilha. Não esqueçamos: “Se eu tiver de andar nas trevas, não temerei” (Sl 23/22, 4), pois Deus está comigo. “Coragem, eu venci o mundo”, ensinara o Mestre (Jo 16, 33).

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