BATERIA, POR QUE
CHORAS?
Valério Mesquita*
José
Paulino de Brito, magro, moreno, vulgo “Banga”, apelido que o credenciava tanto
como ponta esquerda do Cruzeiro F.C. ou - no comando da bateria do regional musical
- tocava as festas do Pax Club ou em qualquer lugar. Era o acrobata do tarol.
Nos desfiles da banda de música municipal pela cidade, desde os anos cinquenta,
não somente tocava, mas, se exibia com jeitos e trejeitos como se buscasse o
aplauso fácil, espontâneo, provocando a impaciência do maestro. Nas temporadas
dos circos em Macaíba, ver Banga contorcer-se na bateria acompanhando uma
caliente rumba olhando fixo - ali bem perto, os quadris carnudos da rumbeira
rebolativa - era um espetáculo à parte. Cheio de “pinga” Banga deixava-se
hipnotizar pelo bumbum, caprichando na percussão da bateria tal e qual um falo
frenético em cada movimento sensual da arte erótica da rumbeira circense.
Doente do pulmão, Banga viveu de reminiscências, na rua Rodolfo Maranhão,
antigo bas-fond macaibense. Os seus olhos, refletiam as luzes dos bailes e circos
de sua vida.
Banga
ao falecer, desapareceu um dos últimos expoentes do lirismo humano e musical de
Macaíba, onde pontificaram Pereira (piston), Rey (trombone), Neif Nasser (sax),
Chicozinho (cavaquinho), Belchior (banjo), Geraldo Paixão (contra-baixo), Tião
(surdo), Perequeté (pratos), Paraca, Jessé, Edivan e tantos outros que
integravam a banda de música da prefeitura que Cornélio Leite Filho ironizava
apelidando de: “a peidona”. José Paulino de Brito foi servidor municipal
(porteiro da câmara de vereadores). Aposentado, fazia biscates como garçom e em
casas de jogo.
Era
filho do casal seu Paulino (barbeiro) e Hilda, fiel eleitora de seu Mesquita.
Fui amigo de infância de seus irmãos: Raimundo (Prego), Dione, Canindé e Toinho
Chimba. Com a sua morte, a cidade perdeu um pouco a identidade boêmia, na
pessoa de um autêntico notívago e pastorador de auroras das ruas antigas de
sessenta anos passados. Como ponta esquerda do Cruzeiro, o azul celeste dos
gramados do futebol, armava as jogadas simples e complicadas sob a orientação
técnica de Nestor Lima. Ao lado dos atletas Bedé, Tota, Passarinho, Loreto,
Chico Cobra, Malheiro, Edílson, Magela, Mauro, Aguinaldo (Barbosinha),
Galamprão, Caíco e muitos, que formam na minha mente, uma sinfonia provinciana
de humanismo e simplicidade de um tempo de ouro, retalhos de cetim.
Os
jovens daquela época ainda sobreviventes como eu, testemunhas ou notários
públicos, hoje podem relembrar e testemunhar as figuras citadas desse universo
semidesaparecido: Cícero Martins de Macedo Filho, Armando Leite de Holanda,
Karl Mesquita, Dickson e Nássaro Nasser, Silvan Pessoa, Eudivar Farias, além de
tantos que não dá para citar.
A
lembrança de José Paulino de Brito, emite sons e sinais de que o tempo apaga
lentamente as impressões digitais da antiga Macaíba. Banga, mesmo na sua
humildade de nascimento e vida, a sua morte diminui uma fase áurea. Apaga nas
ruas e as paredes dos bares da cidade a memória dos simples. Não são somente os
notáveis, os ricos ou os ambiciosos de todo o gênero que fazem a história de
uma cidade, estado ou país. Lembrem-se que na historiografia da humanidade,
somente os pobres se assemelham aos mártires.
(*) Escritor.
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