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15/06/2017

RELEMBRANDO MOSSORÓ


  

   
Tomislav R. Femenick

CANGACEIRO: FRUTO DA FALTA DE
JUSTIÇA QUE IMPERAVA NO SÉCULO
PASSADO NO SERTÃO NORDESTINO


Reportagem de Tomislav R. Femenick, publicada no jornal Diário de Pernambuco, de 23 junho de 1968. 

É preciso que se faça um pouco de justiça quando tivermos de revisitar a vida dos cangaceiros e bandidos que infestam o Nordeste brasileiro, numa fúria de preamar de crimes, tropelias e devastações. 
Quando se diz “cangaceiro”, eu me recordo do famoso, Jesuíno Brilhante, que fizera justiça com o trabuco, na falta daquela que deveria punir com a Lei. 
FALTA DA JUSTIÇA – A falta de Justiça, no interior do País, gerou esse fruto perigoso que foi o cangaceiro, irmão siamês do banditismo. Jesuíno Brilhante, no entanto, não foi um bandido, na expressão do termo; foi o homem do cangaço, rebelde contra os seus inimigos. Isso nos idos do Império e albores da República, tendo como cenário, municípios do interior norte-riograndense e paraibano. Esse cangaceiro-cavalheiro protegia os fracos, as mulheres e todas as vítimas das misérias daqueles tempos. 
Antônio Silvio foi cangaceiro, também, e, como rezam as histórias das suas façanhas, protegia os pobres, dava esmolas, defendia os injustiçados. Devassava com os seus cabras, emboscando e, algumas vezes, queimando as propriedades e matando seus inimigos. Quando entrava numa fazenda, povoado ou vila, pedia apenas abastecimento para continuar a luta a fim de não ser capturado. 
RIFLE PELO EVANGELHO – Deixou prole e alguns de seus filhos, são de hoje oficiais das nossas forças armadas. Na cadeia dizia haver trocado o rifle pelo evangelho e morreu manso e regenerado. Tornou-se cangaceiro para vingar a morte de seu pai, cujo matador ficara impune e sob a proteção de maiorais políticos. 
Cangaceiros houve no Nordeste, em várias épocas: gente que enfrentava de armas na mão os mandões e até a polícia que lhes dava caça. Não empregavam o chumbo das duas espingardas e garruchas, para o latrocínio, o massacre, o assassínio de populações inermes. Eram, antes de tudo, injustificados que se rebelavam contra a má justiça, que, ainda hoje, gera a revolta das consciências indene a corrupção moral. Há, entretanto, o bandido, ladrão e assassino, que usava e abusava da lei do sertão, para matar friamente, massacrar criaturas indefesas e inocentes, para destruir, roubar e violar mulheres. 
FIGURA DE SALTEADOR – Na fila sinistra desse tipo de bandido, está a figura torva de “Lampião”, – corvo asqueroso e feroz sicário sedento de sangue e salteador. Produto do tempo, que os tuxauas políticos do sertão bravio escoravam o seu poderio eleitoral na força brutal do cangaceiro misturado ao banditismo, pode Virgolino Ferreira, livremente, talar fazendas, povoados, vilas e até cidades. Os seus sequazes, recrutados nas paragens sombrias do Riacho do Navio, Serra Duman, Gruta do Diabo, Vila Bela, porteiras, antros de fanatismo, ignorância e crimes, constituíam a mais terrível malta de salteadores e bandidos. 
Bandido sim, o “Lampião” que hoje serve, o seu nome tenebroso, o seu estendal de crimes, de temas e assuntos para revistas, livros, radio e cinema. “Lampião” da “mulher rendeira”, cantiga que hoje muita gente boa vive a entoar, sem se aperceber de que ela contém o veneno mortal, destilado pela alma danada de um bronco, bruto e feroz que desconhecia as fronteiras da virtude e do mais elementar sentimento de piedade humana. Houve, realmente, de 1912 a 1030, clima propício ao vicejar dessa planta daninha e maldita que foi o banditismo nordestino. 
RAZÕES – As agitações políticas que abalaram os grandes centros do País as suas raízes plantadas no obscuro sertão. Os coronéis e chefetes políticos, de vilas e cidades, cercavam-se de contraventores da lei, a sua brigada de choque e paus para toda obra. Os afamados Contendas, os Dungas, os Zeinácios de Barro, os Maciés e caterva, foram chefes temidos pelo seu poderio nos rifles de assalariados. 
O banditismo oficializado tomou foros de coisas aceita de fato, nos vastos sertões do Nordeste, sendo Juazeiros a Meca das hordas bárbaras que iam receber a bênção do Padrinho Cícero. “Lampião”, ali, invernava com os sequazes, descansando, refazendo-se, e se reabastecendo de armas e munições que lhe eram ofertadas ou vendidas pelos seus agentes e protetores, existentes até nos meios “mantenedores da ordem”. Só depois que “Lampião” assaltou Mossoró e diante do movimento geral de repulsa e repercussão causada pela sinistra aventura, fracassada felizmente, e que se generalizou o combate ao banditismo no Nordeste, numa ação convergente de todos os governos. Uma caça às feras, constantes e sistemáticas foi estabelecida, até que, afinal, o tenente Bezerra deu cabo da vida ao quadrilheiro famoso pelas suas correrias sangrentas através de vasto trato do sertão nordestino. 
PLANO AUDACIOSO – Foi um ambiente favorável ao banditismo que se arquitetou o mais audacioso plano de assalto a uma cidade à margem do litoral potiguar. Muito distante do repelente hinterland onde imperava o trabuco a serviço do latrocínio, do assassino e das ambições criminosas de coronéis boçais e valentões de tocais – tradicional cidade da Libertação de 1883 – mansas, ordeira e pacífica, estava, por uma série de barreiras geográficas e morais, afastada de ser vítima de um assalto. 

Primeiro foi a velha Apodi, um mês antes do tenebroso 13 de junho de 1927. Velhas rixas políticas determinaram a horrível pilhagem de maio, insuflada e dirigida de longe por espúrios elementos sedentos de vinditas, sangue e latrocínio. Incêndios, mortes, roubos, terror foi a colheita rubra de um grupo de bandidos. 
Incentivo e encorajamento a outras empreitadas, foi o resultado do saque de Apodi. “Lampião” distante, foi convidado pelo carbonários desse crime nefando a tentar, em estilo maior, um assalto que o compensaria as canseiras da longa travessia. Dos sertões adustos de Pernambuco e Ceará, às fraldas cinzentas da Serra Mossoró, umas oitenta léguas, o grupo de “Lampião” troteou em boa cavalhada e armado até os dentes, desceu das serras escarpadas à planície verde dos carnaubais e oiticicas seculares, certo de fácil colheita em dinheiro e objetos de custo alto. 
É certo o ditado popular: “o boi manso aperreado arremete” certamente; uma centena de homens valorosos deu, em “Lampião” e em seu grupo de mais de oitenta cabras um carreiro desabalada, deixando mortos e feridos. O quadrilheiro de fama voltou à sua Caverna do Caco, para não mais voltar à boa terra de Poti. Em Limoeiro, no Ceará, foi recebido com farta mesa de boas comidas. Aqui, porém foram-lhe ofertados repastos de chumbo. 
Combatido, em toda a parte, sem tréguas nem estágios, o bandido feroz foi cedendo em audácia e força, como que amaldiçoado pela vítimas inocentes da maior e mais infeliz das suas tropelias, e aventuras sangrentas: o ataque à velha, tradicional, mansa, ordeira e operosa cidade de Santa Luzia de Mossoró. 
40 CABRAS DE LAMPIÃO TOMARAM PARTE NO ASSALTO A MOSSORÓ – José Leite, temível do grupo de Lampião, que no Rio de Janeiro fora ordenança de coronel Antônio Francisco de Carvalho, quando foi capturado, após o ataque frustado à cidade de Mossoró, teve oportunidade de conversar com o delegado de então a narrar certos fatos da vida errante que levava com seus companheiros de aventuras. 
A narrativa do bandoleiro foi, na época, explorada pelos jornalistas do jornal “O Mossoroense”, então órgão semanal, que se ocupou do fato, tecendo comentários sobre o cangaço, que nos serve para evocar certos e determinados aspectos da entrevista de José Leite, conhecido na vida criminosa do cangaço como Jararaca. 
HISTÓRIA – Ele fora ferido quando Lampião e seu grupo tentava tomar de assalto a residência do então prefeito Rodolfo Fernandes. Informou na entrevista que “um tiro desfechado por defensores tocaidos na torre da igreja de São Vicente atingiu meu companheiro Colchete. Corri para ajudá-lo o fui igualmente ferido. A bala atingiu meu pulmão direito. Parei e caí. Fiquei alguns minutos rolando pelo chão e com dificuldade me dirigi para a estação central, onde fui novamente ferido. Com imensa dificuldade, arrastei-me para a ponte ferroviária, onde em seus dormentes fiquei até que fui capturado e levado para a prisão”. 
ESTRATÉGIA – Conta Jararaca que Lampião dividira i bando em dois grupos, a fim de facilitar a tarefa de assalto. Um dos grupos recebia as ordens do próprio Virgolino Ferreira e outro de Massilon Leite. Os que estavam comandados por Lampião atacaram pelo lado do cemitério e cada cangaceiro dispunha de 400 a 500 cartuchos. 
GRUPO – Quando do ataque a Mossoró, ainda conforme narrativa de Jararaca, o bando contava com os seguintes elementos: Sabino, Massilon, Ezequiel, Virgino, Luiz Pedro, Chumbinho, José Delfino, Manuel Antônio, Á de Ouro, Candeeiro, Serra do Mar, Vicente Feliciano, Luiz Sabino, Fortaleza, Moreno, Euclides, Beija-Flor, Quindu, José de Souza, Trovão, Camilo, Bitivi do Cariri, Dois de Ouro, Jurema de Medeiros – pertencentes às famílias dos Nóbregas e Medriros do Sabugi – Paraíba, Sabiá, Pingo de Ouro, José Relâmpago, Vinte e dois e seus irmãos Lua Branca ,Antônio Cacheado, Pernambuco, Chá Preto, Barro Nova, Pai Velho, José Pretinho, Luiz Pedro, Mergulhão, Coqueiro e Vareda. 
REBATE FALSO – Jararaca, que é pernambucano, de Pajeu de Flores, e contava, na época, 26 anos de idade, segundo o relato, não demonstrava arrependimento do que fizera. Explicando por que decidira ser um fora da lei, disse ser “coisa da vida”. Considerava o cangaço coisa ruim e era um dos poucos que evitavam que seus companheiros de crime maltratassem os prisioneiros. 
Preso, com muitos curiosos por perto, tendo alguns mais exaltados, nas imediações da cadeia, ameaçando linchá-lo, o bandoleiro jamais se perturbou e a tudo olhava com um sorriso nos lábios. Após sua condenação, quando narrou os fatos, teve oportunidade de dizer que quando tempos depois, uma volante da polícia militar da Paraíba deu entrada na cidade, trajada à moda dos cangaceiros, houve uma correria geral, pois se pensava ser Lampião que voltava para libertar os prisioneiros e liquidar todos. O fato é que nada disso acontecia, pois o que “Lampião desejava, quando retornava ao local de qualquer massacre, era conseguir dinheiro a fim de subornar a polícia pernambucana”. 
PODER DO DINHEIRO – Contou Jararaca que na Polícia Militar da Paraíba existia um sangrento, o Kelê, que usava cabelos longos, como promessa que fizera de vingar um seu irmão, que fora assassinado por Lampião, quando ambos viviam no cangaço. Kelé, ex-cangaceiro, pertencente ao grupo de Jararaca, passara para a vida militar por dinheiro, pois o Governo da Paraíba esquecera seus crimes, lhe oferecendo o posto de sargento e a direção de uma “volante” para dizimar os bandidos.
CANGACEIRO: FRUTO DA FALTA DE
JUSTIÇA QUE IMPERAVA NO SÉCULO
PASSADO NO SERTÃO NORDESTINO

Reportag...

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