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14/06/2016





   
Marcelo Alves


As leis de Drácon

Como sabemos, antes do advento das primeiras leis escritas – algumas delas já comentadas aqui, como o Código de Ur-Nammu e o Código de Hamurábi –, as pessoas (infelizmente) dependiam da memória e da tradição oral para fins de conhecimento e transmissão do direito de geração para geração. 

É dentro desse contexto de valorização do direito escrito, muito mais estável e seguro que o direito oral, que emerge a figura de Drácon (650-600 a.C., aproximadamente), aristocrata, estadista, legislador e magistrado grego (titulado de “arconte”, como membro da assembleia de nobres grega denominada “Arconato”) que é por muitos considerado o responsável pelas primeiras leis escritas de Atenas e da Grécia antiga, as “leis draconianas”, datadas de 621 a.C. (aproximadamente). 

Muito pouco se sabe com segurança sobre a vida e a morte de Drácon, ambas envoltas em lenda, além do “código de leis” ou “Constituição” que ele elaborou (ou talvez muito mais compilou, cristalizando leis já existentes), que restou conhecido, na história do direito, pela sua severidade, ao ponto de, hoje, o adjetivo “draconiano” ser representativo, com conotação pejorativa, de um rigor absurdamente excessivo e indesejado. 

“As leis de Drácon” – chegou a afirmar, segundo reza lenda, o orador e diplomata grego Dêmades (380-319a.C., aproximadamente) – “foram escritas não com tinta, mas com sangue”. De fato, como registra o grande historiador e biógrafo grego Plutarco (45-120), na legislação de Drácon a pena morte era atribuída para a maioria das ofensas/crimes ali previstos. Assim se dava, por exemplo, tanto com um homicídio como com um “simples” furto. E, nesse ponto, também reza a lenda que o próprio Drácon, quando questionado sobre a imposição da pena de morte para ofensas/crimes de pequena monta, haveria dito algo como: “as ofensas/crimes menores merecem a pena de morte; e, infelizmente, não há pena maior que eu possa atribuir aos crimes mais graves”. 

Entretanto (e antes que vocês pensem o contrário), deve-se enfatizar que muito também milita em favor de Drácon e de sua legislação. Antes de mais nada, boa parte dessa legislação não é propriamente criação de Drácon. Mas ele foi o responsável por colocar no “papel”, veículo de transmissão do conhecimento (e do direito, especificamente) muito mais preciso que a tradição oral, aquilo que já existia (incluindo as antigas e severas leis e punições). E aqui reside, em boa medida, a grandeza de Drácon, como instrumento do ideal de que o direito deve ser estável, previsível e acessível a todos. Até o tempo de Drácon, como anota Rene Albert Wormser (apud Michael H. Roffer, “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015), o direito grego “repousava nas memórias dos aristocratas e dos seus sacerdotes”; a partir de Drácon, “tornou-se possível para um cidadão comum [ao apelar para o Areópago, o tribunal supremo de Atenas] apontar para uma página [ou para o pedaço de madeira, no qual as leis foram também gravadas] e um parágrafo e dizer: 'estes são os meus direitos'”. Sob esse ponto de vista, muitos, entre eles o grande Aristóteles (384-322 a.C.), apontam Drácon como o responsável pela primeira Constituição escrita de Atenas (embora uma Constituição muito rudimentar para o conceito que hoje temos dessa espécie de diploma legal). 

No mais, mesmo quanto ao conteúdo, a legislação de Drácon contém muita coisa boa, progressista por assim dizer, se levarmos em consideração os padrões do direito daquela época, mas também tendo por parâmetro a evolução da ciência jurídica até nós. Nesse sentido, a mais famosa disposição da legislação de Drácon – até porque muito pouco “draconiana” – diz respeito à inovadora distinção entre homicídio intencional (ou doloso, se fizermos uso, mesmo com alguma atecnia, de uma expressão mais comum entre nós) e não intencional (ou culposo), punindo este último crime com a pena mais leve de exílio. Drácon, para quem não sabe, é considerado até hoje o “pai” dessa elogiável e necessária distinção. 

Bom, considerando tudo isso, convenhamos, o que fez esse tal de Drácon – cujo epíteto em forma de adjetivo (draconiano) viajou por mais de dois milênios –, tanto para a sua Atenas como para nosso direito, não foi pouca coisa. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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