ZÉ LUIZ,
O COMPOSITOR DO VALE
Berilo de Castro, médico e escritor
Em um saudoso e boêmio encontro nas
tardes-noites das quintas-feiras, na Confeitaria Ateneu, companhia do seleto
violonista/romântico do Vale de Ceará- Mirim, Tita (João Batista da Silva), e
outros amigos admiradores e conhecedores da boa música, o assunto maior e
dominante girava em torno dos velhos e
bons tempos dos verdadeiros seresteiros. Como sempre acontece, vêm as curiosidades
sobre a música brasileira, seus intérpretes, seus compositores, pedidos e mais
pedidos para interpretações das velhas e bem lembradas músicas de seresta/romântica,
sempre capitaneada pela seu maior representante, o produtor musical Zé Dias.
Como um bom apreciador, curioso e
apaixonado pela música de boa qualidade,
começo a fazer algumas indagações sobre famosos e velhos seresteiros dos bons
vividos tempos.
- Tita, você conhece
alguma coisa do famoso intérprete alagoano, conhecido como“A Patativa do
Norte", o inesquecível Augusto Calheiros? Os seus olhos brilharam! A emoção
tomou conta do seu semblante. Fiquei surpreendido e curioso com a reação do bom
violonista. Alguma coisa tocara o seu coração e a sua memória com certeza foi
estimulada e aquecida.
O silêncio dominou
o ambiente, e, de repente, surgiram os acordes
do afinado violão, acompanhado da sua harmoniosa voz:
Vida de Caboclo: “A vida do caboclo
na cidade/ É bem triste na verdade/ Nem é bom de relembrar/ O caboclo vê as
coisas diferente/ Alvoroço, tanta gente/ Que se esquece até de andar..."; Grande
Mágoa: “Quando a mocidade me deixar um dia/ Na
solidão sofrendo a nostalgia/ Ao relembrar o tempo que passou...""; Célia: “ Andei tristonho
e solitário/ Subindo o meu calvário/ Carregando a cruz pesada dessa
vida"...
Entra então o
depoimento de Tita sobre uma simples e desconhecida figura, responsável por
algumas das mais belas composições interpretadas por Augusto Calheiros: Grande
Mágoa, Vida de Caboclo e Célia, que acabávamos de ouvir na interpretação
do bom violonista do Vale.
- Autor dessas músicas chama-se Zé Luiz (José
Luiz da Silva: 1915-1982), nascido em Ponta do Mato, distrito de Ceará-Mirim/RN,
meu grande amigo, meu conterrâneo e meu querido parceiro.
Permaneceu entre nós
(Ceará-Mirim e Natal) até os dezoito anos; quando mudou-se para a cidade do Rio
de Janeiro, onde serviu o Exército, cumprindo a sua obrigação com o serviço
militar obrigatório.
Na cidade
Maravilhosa e no Exército, conheceu a figura também nordestina de Luiz Gonzaga
(ainda em início de carreira ), que lhe deu apoio
para o início de sua nova e desejada carreira artística.
Sua facilidade de
tocar violão lhe abriu as portas para conhecer famosos músicos da época e
iniciar sua carreira de compositor.
Teve momentos de
muitas dificuldades financeiras, tendo que trabalhar pesado,
ganhando muito pouco para se manter no Rio de Janeiro, chegando a dormir em
verdadeiros muquifos, onde compunha suas letras musicais e as vendiam a preço
de "banana". Pior ainda, era usado por “aproveitadores", que,
munidos de suas composições melódicas em nome próprio, nada lhe recompensavam
financeiramente. Exceção feita com a música “Célia” (um dos maiores sucessos de
Augusto Calheiros), da qual, segundo Tita, o próprio Zé Luiz confirmara a
autoria, não constando, no entanto, em nenhum registro o seu nome como autor;
porém foi o o divisor de água na sua vida, do ponto de vista financeiro e artístico.
Gravou em 1949 o
samba “Cremilda”, interpretado pelo cantor Moreira da Silva, quando ganhou o
Concurso Oficial de Sambas e Marchas de carnaval do Rio de Janeiro, disputando
com compositores considerados verdadeiros monstros sagrados da música
brasileira: Ary Barroso, Braguinha e Ataulfo Alves.
Em 1954, gravou a música
“Trabalha Mané”: “É tão bom levantar cedinho/ Tomar um
cafezinho com manteiga e pão/ Sair para o trabalho sem perder o trem/ Você sabe
que a barriga não espera por ninguém”; interpretada por Claudete Soares, Os 3
do Nordeste e Os Cangaceiros, grupo musical
do qual o próprio Zé Luiz
fez parte.
Participou de várias
produções cinematográficas dirigidas por Mazzaropi: “Fuzileiros do
Amor”; “O Cangaceiro” de Lima Barreto, “Fazenda do Ingá” e “O Grande
Pintor", essas últimas com o famoso
comediante Ankito.
Compôs com o seu
conterrâneo, amigo e parceiro Tita, o Hino de Ceará-Mirim,
oficializado pela Câmara Municipal em 19 de outubro de 1973, na gestão do
Prefeito Ruy Pereira Júnior.
Em 1963, já estava
de volta em Natal, depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC),
no Rio de Janeiro, episódio que lhe rendeu uma sequela motora, com perda
parcial dos movimentos do hemicorpo esquerdo, inclusive com distúrbios na
voz.
Faleceu no dia 27
de dezembro de 1982; pobre, esquecido e muito pouco divulgado no meio musical
local e nacional.
Seu corpo encontra-se sepultado no Cemitério do Bom Pastor, onde repousa como mais uma vítima do esquecimento do injusto e ingrato mundo comum.
______________
Colaboração de ODÚLIO BOTELHO MEDEIROS
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário