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19/09/2015

Academia Potengiense de Letras



DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA

“OPTIMUS INTERPRES VERBORUM QUISQUE SUORUM”
Ocupo, nesta Casa, com alegria profunda, GAUDIO PERFUNDI, a Cadeira de nº 22 cujo Patrono é o inesquecível Dom José Adelino Dantas, falecido em Natal, em 24 de Março de 1983. DIES SUPREMUM VALE! Um Homem Digno, um Príncipe da Igreja.  Foi um dos maiores Latinistas da nossa Igreja. Sacerdote de sensibilidade e cultura, sua vida foi uma exaltação à Verdade. Sua simplicidade arrastou até os incrédulos. Era de gesto manso e acolhedor, tinha a capacidade de sempre reunir e nunca de dispersar. De uma profunda cultura filosófica e teológica, foi eleito Bispo para servir à sua Igreja. Seu Lema Episcopal era de profundo sentido cristão, palavras cheias de Unção: “IN FINEM DILEXIT”. Ele era, em primeira linha, um Liturgo, e a partir deste seu predicado primeiro, um Mestre e um Pastor. Acompanhava e vivia as Determinações do Concílio Vaticano II, principalmente, na Desejada Renovação de toda a Igreja, OPTATAM TOTIUS ECCLESIAE RENOVATIONEM. Foi Membro da Academia Norte-Rio-Grandese de Letras, tendo tomado posse, exatamente, no dia 13 de Setembro de 1949, hoje, completando 66 anos, em substituição ao Cônego Luiz Gonzaga do Monte, ocupando a Cadeira de nº 22. A Solenidade aconteceu, na Sede do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, presidida pelo então Acadêmico, Paulo de Viveiros. Dom José Adelino Dantas, um Acadêmico que honrou a “Imortalidade”, um dos nomes mais altos com que pôde contar uma Academia de Letras. Tinha um domínio absoluto dos Clássicos. Poeta de grande estilo e de grande valor. Conhecia o maravilhoso segredo de dizer as coisas e tudo dizia com aquela nobreza de estilo e com aquela austera e linda disciplina. Era um homem sábio, sim, sabia tratar das coisas externas, sem perder a concentração interna; era um místico por dentro e um ativo por fora; homem de implosão mística e de explosão ética; um Pedagogo do Evangelho, educava pela presença, pela amizade, pela convivência, pela defesa dos valores da vida. Possuia sabedoria intuitiva, sem se derramar pela ciência analítica; guiava os outros sem os constranger; não se cansava de servir, não se cansava de ser útil. A este Homem de Cultura e de Fé minha homenagem, AB IMO CORDE, do mais íntimo do coração. Hoje, na Eternidade, a dizer ao seu Deus: – “ECCE EGO QUIA VOCASTI ME” – Chamaste-me e aqui estou. ADELINUS EPISCOPUS, ECCE SACERDOS MAGNUS, NOMEN MEMOR NOSTRUM SEMPER ERIT. PAX ET LAUS TIBI, COLUMNA LUCIS! MIHI PLACET LEGERE VESTIGIA TUA.
Sinto-me feliz em pertencer a esta Casa de Cultura e de Saberes. Isto redunda em honra para mim – ID MIHI LAUDI EST. Casa já enriquecida pelo Verbo dos que aqui, já convivem, fraternalmente, em Emulação, o que significa vida para as Letras e para a Cultura desta Cidade. Esta Academia é de Letras e também de Artes. Nela, há cultores também específicos de outras atividades intelectuais que não as Letras IN INGENUIS ARTIBUS VERSARI, mas todos, enfim, dominando os recursos linguísticos, na exposição do Pensamento. Todos dominando a Língua que traduz a nossa vida, a Língua que nos introduz à Nacionalidade, a Língua em que expressamos nossas raízes, nosso cotidiano, nosso futuro, a Língua Portuguesa, a Última Flor do Lácio, Inculta e Bela, no dizer de Olavo Bilac.
Esta Academia tem um Lema bonito e profundo: “SAPIENTIAM VOLUMUS” – Queremos Sabedoria. Todos nós nascemos com Inteligência, uns mais, outros menos, cabendo a cada um desenvolvê-la, no decurso da vida. A Sabedoria, porém, é um Dom de Deus, recebe-a quem assim for merecedor, quem se colocar, diante de Deus, com Humildade. O homem prepotente nunca a terá, daí a grande diferença, entre o Homem Inteligente e o Homem Sábio. “DOCTUS VIDERI POTEST, ESSE AUTEM SAPIENS NULLO MODO”, disse Santo Agostinho. Poderá parecer douto, inteligente e culto, porém, de modo algum, será sábio. Somente respirando o Húmus dos nossos defeitos é que podemos chegar perto de Deus. Do contrário, permanecemos como bêbados cambaleantes, amargando nossas solidões sem rumo. O remédio para todas as patologias da alma é a Humildade. O Húmus escondido que fertiliza e fecunda todas as nossas ações. Prepotência é fraqueza e miséria do Homem: Sonho de uma sombra. Para ser feliz é necessário Virtude e, principalmente, Moderação. “Não procures ser um Deus” – MÈ MATEÚSE THEÒS GENÉSTAI – disse o Poeta Grego Píndaro, que nas suas Odes, cantava os Felizes do Mundo.
O homem, na verdade, não se impõe pelo seu grau de escolaridade ou pela sua erudição. O homem se impõe pela sua Sabedoria que o torna capaz de extrair da própria vida, os elementos que lhe permitem compreendê-la. Ela é atividade do Espírito, esse Espírito que age, através dos nossos desejos, de nossas aspirações, de nossa inteligência. Ele é o elã de nossos sentimentos, o invólucro de nossas palavras. Ele é maior do que nossas impressões. Ele nos leva a fazer o caminho da Interioridade e a Descoberta do avesso de todas as coisas. Ele é o motor secreto de todo compromisso, Aquele entusiasmo que anima, Aquele fogo interior que alenta as pessoas, na monotonia das tarefas cotidianas, Aquele que permite manter a soberania e a serenidade, nos equívocos e nos fracassos da vida. Nossa Sabedoria se avalia pela abertura ao Espírito, na disponibilidade à Sua ação, num silêncio habitado. É no Silêncio do Coração, que aprendemos a discernir Sua presença e a ouvir Seus passos. Sabedoria, enfim, não é conhecimento intelectual, é algo que tem o gosto do desconhecido. Somos todos buscadores do Infinito, nômades no encalço da plenitude da vida. Fomos feitos para ir além, sempre além. Ninguém tem o direito de habituar-se e de satisfazer-se, no meio da estrada, é preciso buscar o que pode plenificar. Por detrás das coisas de todos os dias, estamos tentando nos deixar guiar por Aquele que mostra Caminhos, que aponta para a Luz. Estamos sempre fazendo e refazendo. Tudo está feito e tudo precisa ser refeito. “NIHIL ACTUM, SI QUID AGENDUM”.
O Lema da nossa Academia é um Dístico latino. Os Lemas das Instituições do Passado eram todos em Latim, bem como, por exemplo, os Tratados filosóficos, teológicos, os Prefácios dos Tratados de Medicina, como os de Dioscórides, Antístio e Hipócrates, sem falar das Encíclicas Papais e das Constituições Dogmáticas da Igreja. Latim, Língua Nobre, Culta, Erudita. Latim, Idioma requintado que nos permite uma liberdade, praticamente, absoluta do emprego da ordem indireta, permitindo aos bons Prosadores e Poetas uma sonoridade verbal que deleita os ouvidos e uma concisão de linguagem que nos encanta a mente. Língua riquíssima e harmoniosa, cuja Literatura representa, talvez, a mais perfeita expressão do Belo, reflexo da Beleza Infinita. A inegável gravidade e solenidade deste Idioma faz com que QUIDQUID LATINE DICTUM SIT, ALTUM VIDETUR, ou seja, qualquer coisa dita em Latim, soa profundo. Latim, Idioma de Virgílio, Ovídio e Horácio, Poetas latinos que tive a honra e o privilégio de traduzi-los, quando Aluno e quando Professor, no Seminário de São Pedro, “MIHI PRAETER OMNES, HIC FORMOSUS ANGULUS RIDET”. “ITA VIXI UT NON FRUSTRA NATUM ESSE EXISTIMEM”.
Casa Religiosa onde conheci noites e madrugadas, debruçado sobre Livros, aprofundando-me, nos conhecimentos do Mistério da vida. Aprendi que o orgulho mata a Bondade e a impaciência destrói a Esperança; que a dúvida condena o Sorriso e o medo torna o Amanhã impossível. Seminário onde a dinâmica da Educação definia, claramente, qual a atividade natural da Inteligência, dando-nos a orientação intelectual e espiritual, impulsionando-nos a alma em direção ao Absoluto, fazendo-nos acreditar que nascemos para destinos mais altos. Para mim, foi um tempo KAIROLÓGICO, tempo privilegiado, qualitativo e proveitoso. Tempo em que minhas palavras estavam sempre tecidas de silêncio e, sem ele, elas não teriam sido audíveis. Não era um mero calar-se, era um estado de vida, uma maneira de ser. Assim entendia que o meu silenciar não era apenas um ato civilizado, mas também um gosto pela palavra ouvida no coração. Palavra que expulsava o temor, suprimia a tristeza, infundia alegria, dilatava a compaixão. Palavra que constituia o acontecimento de tudo – VOX VERO VERBI OMNIS EVENTUS REI. Enfim, o silêncio não me era um abismo vazio, mas o que me permitia escutar bem a vida, condicionando-me à Ação Sagrada. Sobre tudo isto, “NON POSSUM NON LOQUI”, ou seja, não posso ficar calado. HOC MIHI HEREDITATE VENIT. Recordemos as palavras do Profeta que diz: – “O ato de olhar para o passado nos permite vislumbrar a esperança futura”. A vida sempre junta coisas do Passado e do Presente e assim a pessoa vai avançando, porque engloba no seu Presente, o Passado pela Memória, e o Futuro pelo projeto a ser realizado. Tudo o que foi, sempre é. O Velho e o Novo aparecendo entrelaçados entre si. O Novo crescendo do Velho e o Velho encontrando, no Novo, uma explicação mais plena. Eis o adágio que formula, em palavras lapidárias, as relações entre o Passado e o Presente. Diz, explicitamente, que o Antigo se manifesta no Novo, como o Novo está latente no Antigo – “VETUS IN NOVO PATET, NOVUM IN VETERE LATET”.  Se se perde a memória histórica, perde-se o rumo também. Quem perde o seu Passado, perde, também, as balizas do seu Futuro. Preservar o Passado é Tradição. Uma Tradição que nos possibilita ouvir, verdadeiramente, as vozes extintas do Passado.
Agradeço a todos a Bondade de me acolherem nesta Casa. Sou simplesmente um Ser humano em busca da Luz, em busca da Sabedoria. Digo como Fernando Pessoa: – “Não sou da altura que me veem, mas, sim, da altura que meus olhos podem ver”. Ninguém melhor que Blaise Pascal para expressar o Ser complexo que somos: – “O Ser humano, disse ele, é um nada diante do infinito, e um tudo diante do nada; um elo, entre o nada e o tudo, mas incapaz de ver o nada de onde é tirado e o infinito para onde é engolido”. O Teólogo Teilhard de Chardin completa dizendo: – “Nele, o Homem, cruzam-se os três Infinitos: O infinitamente pequeno, o infinitamente grande e o infinitamente complexo”. Diante de tudo isto, podemos concluir dizendo: – Sentimo-nos todos incompletos e ainda nascendo. Estamos sempre na pré-história de nós mesmos, somos um projeto infinito que reclama seu objeto adequado, também infinito, chamado Deus. Não podemos aceitar que o Sal se torne insípido e a Luz fique escondida. Caminhamos rumo a um horizonte que nos transcende, vamos além da nossa própria finitude, buscando as coisas do Alto, e com asas bastante vigorosas para nos lançarmos ao vácuo. QUAE SURSUM SUNT QUAERITE. Disse o Poeta latino Ovídio, no começo de “As Metamorfoses”: “PRONAQUE CUM SPECTENT ANIMALIA CAETERA TERRAM / OS HOMINI SUBLIME DEDIT, CAELUMQUE TUERI / IUSSIT ET ERECTOS AD SIDERA TOLLERE VULTUS” – E, ao passo que os outros animais se inclinam para a terra, Ele, (o Criador), deu ao Homem um rosto voltado para o Alto, mandando-o encarar o Céu e contemplar os Astros. Finalizando, digo a todos que este Momento me marcou. Acredito que vocês me receberam, não tanto no espaço de uma Casa, mas, sobretudo, no afeto e na alegria de uma vida acadêmica de nível elevado. “FORSAN ET HAEC OLIM MEMINISSE IUVABIT” – Um dia, será bom relembrar essas coisas. NON DEPONERE POSSUM MEMORIAM – Não posso esquecer o que, aqui, aconteceu.

São Paulo do Potengi, 13/09/2015
José Ferreira da Rocha
Escritor

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