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19/06/2015


REVIVENDO GILBERTO AVELINO

Valério Mesquita*

Numa noite perdida das marés de Macau, diante do “mar aceso em lua”, lembro-me que proferi em louvor ao poeta Gilberto Avelino uma saudação de praxe e de apreço. Palavras sopradas pelo vento leste, que o poeta dizia ser o vento da resistência. Era o dia oito de setembro de 1983. A cidade inteira compareceu ao lançamento dos seus Pontos Cardeais. Disse naquela hora que o poeta Gilberto Avelino era um argonauta, um navegador impulsionado simultaneamente pelo lirismo e pelo desafio da descoberta de novos mundos. Seus instrumentos náuticos conduzia-o por um caminho de realizações poéticas marcadas por um amor onipresente à cidade de Macau, alfa e ômega de sua criatividade, porto seguro onde conseguia fundear sua temática, sua visão de vida e, sobretudo, a explosão do seu talento. Na cidade de Macau estavam, na realidade, fincados os seus PONTOS CARDEAIS – a rosa-dos-ventos do ser humano e do próprio poeta.
Ele navegava em busca de terras desconhecidas, de universos construídos por sua inesgotável inventividade. Não se conformava, como sempre faziam aqueles tocados pela vocação poética, com a rotina fácil e repetitiva de um mero artesanato exercido através das palavras. Nele vibravam uma chama, um calor, uma luminosidade que transcendiam as situações lineares em que se materializava o estéril cotidiano. Entendera que a vida se exauria em experiências efêmeras e toda a ação inútil e sem sentido não passava de movimento dirigido à conquista de bens perecíveis. O poeta é um ser que transcendia a si mesmo, que se ultrapassava, que se sobrepunha à sua própria contingência. E nisso consistia a sua grandeza. Nós todos estamos mergulhados na transitoriedade de nossas ocupações e preocupações, nascidas da própria vida prosaica a que estamos indissociavelmente presos por profundos condicionamentos. Gilberto Avelino rompia, num gesto de libertação espiritual, essas algemas e proclamava a integridade, a dignidade e percepção que somente nós, humanos, a temos.
Na verdade, o poeta resgatava a condição humana, vítima das distorções existenciais, da luta por objetivos aviltantes, das limitações geradas pela reiteração das mesmas atitudes, dos mesmos procedimentos e perspectivas. O poeta inaugurou um conduto de comunicação encantatória entre o ser e o seu destino, entre o ser e a vida, entre o ser e o contorno social em que se achova imerso. Daí a constatação de um genial poeta alemão: “o que permanece, criam-no os poetas”.
Conclui com a luminosa definição de Joanilo de Paula Rêgo sobre Gilberto Avelino: “O canto de Gilberto ficou para todo o sempre, atravessando gerações e gerações, a bater como um sino, a soar como uma bigorna, a ecoar como um trovão, a comover como uma canção. O seu canto é forte e eterno, é claro e belo. Se os tempos são breves e nebulosos, a poesia de Gilberto vence o calendário e as trevas”.
Hoje, o poeta e acadêmico Gilberto Avelino, está esquecido, somente vivo e renovado na beleza marítima de sua poesia.

(*) Escritor.


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