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15/06/2015

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Acla Pedro Simões Neto
14 de junho às 06:31
 
CARTA A NILO PEREIRA E SUA RESPOSTA
Ciro José Tavares.
Mestre Nilo:
Leio com entusiasmo sua Crônica do Velho Casarão, publicada no Jornal do Commercio e tomo a liberdade de enviar o meu poema Farewell Adelle. Fácil observar que o ambiente que me contagia é o mesmo, diferenciado apenas pela fantasia que me veste.
Depois que Adelle e Mariê partiram, minha mãe, Juraci, resistiu em rever suas antigas ruas e locais abençoados, não voltando nunca mais. Guardava a sensação, segundo me disse, da cidade adormecida permanentemente, como se estivesse morta.
Nas vezes em que lá fui, constatei a informação. À medida que o veículo descia, lentamente, a Rua São José até a estação ferroviária, margeando a linha férrea, conduzindo-me a casa, eu vislumbrava o largo pátio da Matriz e via a inexistência das mãos amigas que nos saudavam a chegada.
Para o lado do canavial, adentrado o vale, havia uma multidão de fantasmas no meio da qual rondava a realidade. O aspecto físico da cidade, no seu setor mais nobre e conhecido, não se modificou tanto. O espiritual, sim, volatizou-se, dando a impressão de que teria sido arrastado pelos que se despediram deste mundo, levando jardins, escadarias de acesso e terraços bordados de sancas e florões, suspensos nas colunas jônicas. Habituei-me a associar os velhos personagens da cidade à figura do Tio Spencer da novela O Chapéu Mexicano, de Aldous Huxley. Mansos de coração, eternizados na doce arquitetura.
Ciro José Tavares.

O poema que Ciro José Tavares dedica a Adelle de Oliveira é, para mim, a ressurreição da primavera da vida. Ela foi minha primeira professora no Ceará-Mirim. Tinha a fragilidade de um lírio e o encanto de uma alma pura, solitária, romântica. Seus versos rivalizam, em muita coisa, com os de Auta de Souza. Sempre a lembrarei, Como fiz na Academia Norte-rio-grandense de letras, ao ser empossado e saudado por outro cearamirinense, o realmente grande escritor Edgar Barbosa. É para este universo sentimental que Ciro me remete, numa hora de meditação e de quase êxtase. Hora da infância restituída. A aurora ainda indecisa da vida.
Nilo Pereira.

FAREWELL ADELE
Ciro José Tavares.

la etemidad espera en la encrucijada de estrellas.
JORGE LUIS BORGES – UM PATIO

Os sinos da matriz chamam
às vésperas os fiéis.
Galahad!
Galahad apressa-te!
Quando voltarmos verás
o trem das seis e meia
ganhando o rumo agreste.
Depois da ceia do senhor
(rogai por nós), a nossa.
Virgo, na cozinha,
permanece preparando
nosso magro pão de cada dia.

As oito, na praça Lateral à Igreja,
barracas, carrossel,
roda gigante iluminados,
empolgam feérica quermesse dos fiéis.
Há Verônica, Marias, Madalenas,
Tranças louras, vestidos rendilhados,
passando, por dois réis, rifas vermelhas
e azuis, na ajuda ao velho sacerdote.
Galahad, cuidado, não percas sobre alguém
o teu olhar perdido, nem sujes
a vistosa calça curta de algodão.
Na páscoa do domingo vais usá-la.
Se as dez a luz apaga, acende, é sinal,
logo silenciará o gerador.
Atento embala na ladeira, a noite,
assim como folguedos, é terminal.
Oramos antes de dormir, mantendo
brancas velas acesas no oratório.
Mesmo frágil, o lume guiará teus passos
Pelos silentes quarto e corredores.
Galahad, Galahad, penitencia-te,
Cristo é recrucificado sexta-feira.
Rangem máquinas, vagões, aguardando
que se processem embarques na estação,
antiga e fronteira à rua São José.

Reprime as lágrimas e logo saberás
que tua saudade é transitória.
Prometemos, crescido, repetir
nossas santas semanas no futuro.
Segura a bolsa e leva à bandoleira
tuas roupas, lembranças, brinquedos.
Cuidado na janela, o vento sopra
as cinzas para trás, Galahad, Galahad,
a direção é leste, hoje é contra o tempo.
Ouve, os sinos da Matriz parecem
dobrar em Jerusalém, Galahad,
Galahad, Galahad, alegra-te.
Aberto o santo sepulcro o Cristo
está ressuscitado, busquemos
reencontro na páscoa matinal.
Apesar dos muitos pecados, convidamos.

Quem sabe não queiras antes da missa
confessá-los ao jovem celebrante,
serão compreendidos e perdoados.
Esperamo-te na porta principal,
nossas pernas cansadas e franzinas
têm pela frente a ladeira e degraus.
Não tardes, guardião do sono, a toalha
está presa no varal, a jarra d’água cheia
no úmido banheiro do quintal,
as roupas na cadeira, os sapatos sob a cama.
Quanto ao café, na volta, arranjam-te
essas duas tias alquebradas,
porque faz muito tempo que partiu a doce Virgo.

Não vieste à Ceia do Senhor, ao pão do corpo,
ao cálice de sangue do Cordeiro?
No átrio montaste vigilância, perdido
de amores ou espanando a diáfana bruma
da aurora sonolenta, Galahad.
Para revê-la volta ao átrio amanhã cedo,
deitada indormida nos canaviais,
mágicos riachos, engenhos mortos,
nas moendas gastas e carros de boi
sumidos nos caminhos de verde rendilhados.
O trem, o trem podes perdê-lo, Galahad.
Se puderes faz breve longo regresso,
ou breves notícias apesar do espaço longo.
Sabes que somos as filhas puras da bruma
onde estaremos para sempre fixadas,
Galahad, Galahad.

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