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09/11/2014

Marcelo Alves
Marcelo Alves

Sobre William Blackstone

Embora pouco conhecido dos juristas filiados à tradição do “civil law” (também conhecida como família jurídica romano-germânica), ele é por muitos considerado o grande compilador e sistematizador do “common law”. Refiro-me a William Blackstone (1723-1780), o celebrado jurista inglês.

Nascido em Londres, Blackstone foi educado em Oxford. Estudou no Pembroke College da famosa Universidade. Foi aluno destacado, sendo, ainda muito jovem (em 1743), nomeado “fellow” no All Souls College da Universidade de Oxford. Retornou a Londres como advogado, mais precisamente como “barrister” (uma das categorias de advogado existentes na Inglaterra) vinculado ao Middle Temple. Em 1758, entretanto, voltou a Oxford, desta feita como “Principal” do St. Peter College e primeiro ocupante da “Vinerian Professorship of Common Law” da Universidade Oxford (primeira cadeira criada especificamente para o ensino sistematizado do “common law” inglês). Em 1761, chegou a ser eleito para o Parlamento de Westminster. Mas Blackstone foi, sobretudo, a partir de sua vida acadêmica em Oxford, o grande compilador e sistematizador do “common law” inglês, antes dele um vastíssimo conjunto de normas dispersas criadas pelo costume e por decisões judiciais.

Como se sabe, de um ponto de vista histórico, a Inglaterra, outrora parte do Império Romano, foi conquistada, por volta de 1060, pelos Normandos. Os conquistadores, por sua tradição, não eram acostumados a legislar, tanto é que a própria Magna Carta só surgiu num momento mais avançado da evolução do direito inglês. Com ou sem legislação, o Direito, por imperativo social, existia, sobretudo nos costumes, o que mantinha um altíssimo grau de incerteza.

Mais tarde, no Reino, surgiram os tribunais, onde se conseguiu (ou se procurou) diminuir essa incerteza. Em certo período da história, havia vários tribunais em funcionamento. As decisões dos tribunais, para além da solução do caso concreto, eram a “revelação” do Direito existente. Paralelamente, o que não era chancelado pelos tribunais não era considerado como Direito. Tem-se aí, não se nega, uma evolução no “common law” (já nesse momento também influenciado pela aparição de algumas leis, conhecidas como “statutes”). De fato, em vez de se procurar pelo Direito nos costumes, flutuantes, orais e assim muito mais problemáticos na prática, passa-se a reconhecer o Direito nas decisões judiciais, escritas e dotadas da autoridade do Estado. Todavia, não era o suficiente. As decisões judiciais eram pouco acessíveis e, sobretudo, assistemáticas.

William Blackstone, entretanto, mudou tudo isso com os seus “Commentaries on the Law of England”. Desse livro clássico, possuo, orgulhoso, uma edição fac-símile da 1ª edição de 1765-1769, publicada pela The University of Chicago Press em 1979. Evidentemente, é uma obra de difícil leitura, sobretudo para quem a língua materna não é o inglês, como é o meu caso.

Na verdade, os “Commentaries on the Law of England”, como lembra Robert Hockett em “Little Book of Big Ideas - Law” (“Pequeno Livro de Grandes Ideias - Direito”), foram mais que uma compilação e uma sistematização do “common law”. Eles também interpretaram, em muitíssimos pontos, o Direito. Foram, assim, não só importantes para os juristas e para a sociedade do seu tempo. Eles deixaram um legado extraordinário para as gerações futuras. Formaram por mais de um século - influenciando a academia, os tribunais e prática jurídica como um todo - os juristas das gerações seguintes, na Inglaterra, nos Estados Unidos e nos demais países vinculados à tradição anglo-americana.

Para se ter uma ideia da influência dos “Commentaries” para além da Inglaterra, reza a lenda que Abraham Lincoln (1809-1865), o grande presidente dos Estados Unidos da América e um dos maiores rábulas da história, aprendeu o Direito lendo os “Commentaries” de Blackstone. Tornado um clássico também nos EUA, é muitas vezes referido na literatura daquele imenso país, como, por exemplo, em “Moby Dick” (1851) de Herman Melville (1819-1891) e em “To Kill a Mockingbird” (1960) de Harper Lee (1926-).

Aliás, por falar em “To Kill a Mockingbird”, vou dar uma paradinha agora nos estudos para assistir ao filme homônimo (de 1962), cujo título traduzido no Brasil - bem mais poético, por sinal - é “O Sol é para todos”. Estrelado por Gregory Peck (1916-2003) no papel do advogado sulista Atticus Finch (pelo qual ele ganhou o Oscar de melhor ator), “O Sol é para todos” é um dos mais celebrados “filmes de tribunal” de todos os tempos. Como vou ao sul dos Estados Unidos no mês que vem, quem sabe escrevo aqui sobre ele.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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