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22/11/2014

A Gestante

Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam)

Corria o ano de 1904, os bondes a tração animal ainda desciam e subiam, vagarosamente, pela Junqueira Aires. Os meninos caçavam passarinho e lagartixa, com baladeira, e jogavam pião nas calçadas existentes. Nas escolas, era adotado o livro de leitura de Felisberto de Carvalho.
A nossa personagem, Aninha, menina-mulher, casara bem nova, com 14 anos apenas estava grávida, e era o alvo das preocupações de toda a família. O sogro, homem de posses, residente no sertão, quando em Natal, era um dos frequentadores da Potiguarânia, na Rua Ulisses Caldas.
Quando Aninha começou a ficar com o estômago embrulhado, escurecimento de vista, vomitando e enjoando a comida e as pessoas, foi logo diagnosticado: “Está grávida”, disseram as comadres.
A partir daí, todos se desmanchavam em atenções e cuidados, com gravidez tão precoce.
– Leve esse docinho de araçá para Aninha, que ela pode estar com desejo...
Aninha, com tantos dengos, por sorte, não enjoou o marido, que se desdobrava em atenções e carinhos.
Como ele trabalhava no Palácio do Governo, à Rua do Comércio, todo dia, às tardinhas, trazia um cacho de coco verde para ela, pois diziam ser muito bom para as gestantes...
Difícil mesmo foi quando ela passou a ter uns desejos estranhos, e... Por que não dizer?... Impossíveis: chupar caju no mês de outubro, comer bolo de milho e canjica fora da época junina.
Mas, todos faziam o máximo para atender os seus desejos.
O maior medo da família era ela perder a barriga, abortar. Do sertão vinham alfenins, batidas e queijos de coração, regularmente, trazidos pelos tropeiros.
Então, a cada desejo novo, várias pessoas eram mobilizadas para o seu fiel atendimento.
O pai, todo orgulhoso, mal via a hora do herdeiro nascer: seria o primeiro neto.
Na rua era só no que se falava. Os amigos mais chegados justificavam: é o primeiro filho, depois ele se acostuma.
O enxoval da criança vinha todo de Caicó, onde, desde o terceiro mês de gestação, havia sido encomendado às bordadeiras. Mas, não sabiam ainda se era menino ou menina.
Não existiam as ultrassonografias modernas. As senhoras da Rua São Tomé, mais experientes, falavam: se a barriga for redonda é menina; pontuda, é menino na certa.
Existia até uma simpatia que mandava a mulher encostar-se na parede e, depois, começar a andar. Se o primeiro passo fosse dado com o pé direito é menino macho, caso contrário, mulher. O professor Veríssimo de Melo contava que existia uma crendice popular no Rio Grande do Norte que dizia: “A primeira pessoa que bater em casa, no momento em que a mulher gestante começar a contar o enxoval do filho, também indicará o sexo: se for um homem, a criança será do sexo masculino; se for mulher, do sexo feminino”.
O feto, a esta altura, já se movimentava muito na barriga de Aninha, motivo por que alguns garantiam que seria homem.
Depois de vários testes e afirmações diversas, aproximava-se o dia tão esperado por todos. Aí se agravava o problema do enxoval: qual cor escolher... Azul ou rosa?
Em Caicó, onde residia a sua sogra, o enxoval já estava sendo providenciado. Bicos e rendas das mais finas. As bordadeiras eram as melhores de Timbaúba e Acari. Fraldas, camisas de pagão, toucas, sapatinhos, lençóis, fronhas, tudo encomendado, mas... E a cor?!...
Até os frangos já estavam enchiqueirados para o resguardo de Aninha. O marido já preparara os licores que serviria aos visitantes.
A parteira Dona Júlia, que morava nas Rocas, já estava de sobreaviso.
Aninha, como toda grávida, era o centro da atenção de toda família. É verdade que tinha perdido o viço da juventude, engordado uns vinte quilos, não parecia ter 15 anos.
As crendices mais populares eram seguidas à risca:
- Não podia atravessar água corrente
- Não podia olhar para o sol durante um eclipse
- Não podia visitar pessoas mordidas por cobra
- Não podia ter susto
- Não podia brincar com animal peludo
- Não podia passar por cima de corda estendida
Cercada de todos esses cuidados, Aninha tinha uma gravidez saudável e feliz. Quando se aproximou os nove meses, começou a apresentar as dores do parto. Não que ela fosse escandalosa... Mas, as dores só sabe quem já as sentiu. Nesse dia, aumentaram muito, e, ligeiro, foram buscar Dona Júlia, nas Rocas, que já trazia a oração que amarrava no pescoço das parturientes. Foram rápido, pois, nessa época, em Natal, ou se andava a pé ou no lombo de cavalos ou burros.
A casa logo ficou cheia de gente, ávida por notícias. Na cozinha, a panela enorme fervia na trempe, sobre as brasas, e o marido de Aninha andava de um lado para o outro. Dando nós nas fraldas da camisa.
As histórias nas salas eram todas relacionadas com parto. Um mensageiro foi enviado a Caicó, pois era uma viagem longa pelo “Caminho do Sertão”.
O parto transcorria em paz, e todos na sala ao lado rezavam para Nossa Senhora do Bom Parto.
Lá para as 17:00 h, é escutado o choro da criança. A preocupação era se a criança tinha nascido laçada, pois, nesse caso, poderia morrer enforcada.
Alguém saiu do quarto e anunciou: “É menino macho! Louvado seja Nosso Senhor!”.
Na mesma hora ouvia-se, ao longe, o sino da Igreja do Bom Jesus, na Ribeira, que convocava os fiéis para a missa.
O parto transcorreu normal e, depois de expelida a placenta, a lavagem com ervas para estancar a hemorragia, em meio a muitas toalhas brancas.
Em seguida, a placenta é enterrada na porta da casa para, segundo a tradição oral, o menino ser caseiro.
Em meio a muita alegria, todos comemoram a chegada do neném.
No outro dia, pela manhã, a casa cheia de amigos, parentes e compadres, que vinham conhecer o recém-nascido. No ar o cheiro de alfazema e do licor de jenipapo, servido franco.
Aninha, de resguardo, iria passar, no mínimo, dez dias tomando caldo de galinha, e, nem de longe, comida carregada.
O nome da criança foi escolhido: Evaristo. Uma homenagem ao santo do dia 27 de outubro, Santo Evaristo, quarto sucessor de São Pedro.
O pai e os amigos e familiares tomaram, depois que o umbigo do bebê caiu, “o mijo do menino”, olhando o pôr-do-sol no Potengi.
Em tempo: tinham acertado a cor do enxoval.


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