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17/11/2014

A chegada do primeiro automóvel

Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam) 

O grande acontecimento agitava, desde cedo, a pacata cidadezinha do sertão do Rio Grande do Norte, naquele início do século XX. O primeiro automóvel, procedente da Capital, iria chegar dentro em pouco.
Toda a população estava agitada. Os homens confabulavam nas esquinas e as mulheres se demoravam, em longas conversas, nas janelas. As crianças foram proibidas de ficar nas ruas, pois poderiam ser arrastadas para a morte.
Ninguém conhecia o tal veículo, diziam que andava só, como um trem, mas, não se parecia com ele.
– É uma coisa doida, diziam, ainda mais sem bicho para puxar!
Os mais velhos achavam até que isso era um sinal do fim dos tempos, que o mundo deveria estar prestes a se acabar.
– Como é que param uma carroça sem cavalos, sem chicotes e rédeas?... E se desembestar?!
Os poucos moradores que já tinham vindo a Natal sorriam e explicavam que, em todas as Capitais, já havia daqueles carros, e que o automóvel seria o meio de transporte do futuro.
– O tempo das carroças já passou! Só aqui se vê isso!
Embora afirmasse isso, eles também estavam um pouco apreensivos, pois, tinham que tomar cuidado com as crianças, elas poderiam se assustar e correr na frente do automóvel. Aí, seria um desastre.
Como as ruas da cidadezinha eram estreitas, e os freios dos automóveis ainda eram ineficientes, sempre existia o risco de o carro atropelar alguém. Outro receio era o de que o barulho que o veículo fazia assustasse os idosos.
Quando, finalmente, o veículo apontou na entrada da rua, com aquelas rodas altas, pneus finos, o assento lá em cima, pilotado por um homem de guarda-pó e óculos, produzindo explosões que pareciam tiros, a confusão se instalou.
Corria gente para todo lado, as mães alarmadas, as empregadas recolhendo as crianças. As ruas ficaram vazias.
– Cuidado para não serem arrastadas..., gritava um senhor, agarrado a um poste de madeira.
Diziam, na época, que o vento, produzido pelos 20 quilômetros por hora do automóvel, puxava as pessoas de cima das calçadas, jogando-as sob suas rodas.
As explosões do motor pareciam tiros de fuzil.
Como, coincidentemente, era dia de feira, a cidade estava cheia de gente dos sítios próximos, homens e mulheres que, alucinados, corriam assustados, sem rumo, tropeçando e caindo, em meio à gritaria geral.
Uns, mais rápidos, subiam em árvores, outros se jogavam no chão, porém, a maioria procurava abrigo nas casas mais próximas, de parentes ou amigos, que, por sorte, ainda estivessem de portas abertas.
– Corram! Fujam todos! Gritavam alguns, das janelas e portas das casas.
Os soldados do destacamento foram chamados e postaram-se, por trás do edifício da Prefeitura, de fuzil na mão, arriscando um olhar furtivo, de vez em quando.
Alguns meninos corriam desassisados, de um lado para o outro. Os idosos berravam, desesperados, nas janelas. O caos era total!
Alguns, que ainda estavam nas ruas, precisavam atravessar a rua para encontrar a segurança do lar. As beatas se benziam e corriam para a igreja. O automóvel se aproximando, mesmo à distância, não os encorajavam a atravessar a rua.
– É uma temeridade, diziam alguns.
De um lado da rua, uns gritavam: Corra, que dá tempo! Mas, os outros, do lado oposto, desencorajavam: Não! Não atravessem agora! Não vai dar tempo!
O carro avançava, explodindo e resfolegando, com raiva, pela ruazinha central da Cidade, em meio a uma nuvem de poeira e fumaça.
– Cuidado com o vento do carro! Alguém lembrou. Não se debrucem nas janelas, gritava, feito um louco, o dono da padaria, que, prudentemente, fechara as portas do seu estabelecimento desde cedo.
De repente, um rapazinho, que já se encontrava dentro de uma mercearia, apavorou-se com os estrondos, sentindo-se desprotegido e inseguro ali, e no desespero de chegar à sua casa, onde achava que seria mais seguro, precipitou-se porta afora, cruzando a rua a poucos metros do automóvel.
Houve pânico na população – gritos de horror se ouviram – mas, felizmente, o rapaz chegou são e salvo à sua casa, tremendo e muito pálido, no entanto, vivo. Foi necessária apenas uma garapa de açúcar bruto, seguida de um bom banho e de roupas limpas, pois aquelas...
Depois do ocorrido, o comentário geral na Cidade foi: Ele nasceu de novo!


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