AFLIÇÃO E MORTE NA PRAIA (2)
Jurandyr Navarro
Procurador do Estado,
aposentado, e Presidente
do Instituto Histórico e
Geográfico do RN
Em sequência ao artigo anterior, acontecimento, dos mais desesperadores e, mais doloroso do que a
própria morte, foi o que envolveu o
atual engenheiro Ademar José Medeiros de Oliveira, na conhecida Pedra do
Lascão, passados alguns anos. Numa rodada do Pâmpano, o então pequeno Ademar, garoto,
com outros da sua idade, assistiam a pesca junto aos seus pais, quando uma
onda maior levantou um dos blocos de pedras soltas e, no arrastão de volta,
foram atraídos para dentro das locas e a pedra voltou ao seu lugar, fechando
parcialmente a abertura. Quatro meninos reapareceram e foi sentida a falta de
Ademar. Havia caído na armadilha do mar, debatendo-se sem poder dela sair.
Todos adultos que ali se encontravam, naquele torneio de pesca, inclusive o
seu pai Magi, tudo fizeram para tirá-lo, sendo em vão todos os esforços. O pior estava para
acontecer. Era que a maré começava a encher e, pouco a pouco, abaixo das
pedras, o nível d'água lentamente subia, chegando a um ponto em que o pequeno
pescador via-se encoberto, por cada vaga que começava a cobrir o grande
arrecife.
. E tal ponto chegou que, para poder respirar, foi improvisado um canudo
de metal, arranjado às pressas, sabe Deus como, tirado dos apetrechos de pesca
de Rossine Azevedo. Vendo infrutíferos os esforços, o pai do garoto corre e
pega o carro e se dirige ao quartel do Exército, ali perto da praia do Forte;
e, alucinado, na corrida põe abaixo a corrente de proteção da porta do quartel,
abrindo à força a guarda, na ânsia de salvar o filho. E de lá traz Cerca de uns
soldados, com uma marreta enorme e um pedaço de trilho de trem, para
servir de alavanca.
Voltando ao rochedo fatídico, recomeça o trabalho desesperado de
salvamento, lutando todos contra o tempo, já que a maré continuava a subir,
insensível às preces e ao desempenho sobre-humano dos que se debatiam pela
sorte de Ademar, cuja aflição somente o seu coração de criança poderia
traduzir, como prisioneiro de uma armadilha do mar.
De tanto puxá-lo, os braços já fraquejavam, ao apelo súplice, e o corpo
sangrava a cada puxão, deslizando o dorso, os ombros e o peito nas pontas afiadas e recobertas de ostras daqueles
arrecifes de coral.
Os bravos soldados e os circunstantes empregam todos os meios ditados pelo
desespero da hora. E com a marreta martelam a pedra enorme, colossal, a
sepultura assassina. E todos usam-na no afã de quebrá-la em pedaços.
Enquanto isso, outro grupo de pescadores forma, na ponta do arrecife, uma
muralha humana, para evitar que as continuadas ondas cobrissem o pequeno
Ademar, respirando pela boca com o canudo improvisado. Perdurou, ainda, a
agonia, por um longo espaço de tempo. Com a maré crescendo, a pedra começa a
ceder ao descompassado martelar do ferro, vergastando a rocha marinha, que se
fragmenta, afinal, sendo o menino Ademar retirado, semimorto, das entranhas do
oceano.
é desnecessário salientar as emoções sentidas pelas
mulheres e homens, que assistiam aquela cena dramática. O sargento de nome
Yale tentou penetrar, por várias vezes, nos canais dos arrecifes. Soube-se,
depois, que passara toda a tarde, em sua casa, sem conter o pranto nervoso.
Gritos de desespero vibraram no ar, logo abafados pelo barulho da ressaca
marinha.
Rossine Azevedo teve uma prolongada crise de choro, caindo, soluçando, no
lajão fatídico.
Transtornados, dali saíram, daquela manhã de um domingo de Verão, Cleantho
Siqueira, Luiz G. M. Bezerra e outros.
Hoje, mesmo semi-apagada pela erosão marinha, lê-se a inscrição emotiva,
redigida pela pena mágica de Antônio Soares Filho, gravada num diminuto
monumento, no local erguido, como registro histórico da lamentável ocorrência:
"Aqui, na manhã do dia 13 de abril de 1958,
reuniram-se, em torno dê uma criança, o milagre, a aflição, a renúncia, o
dever, o heroísmo e a solidariedade humana".
Escapou Ademar de viver como Vulcano, durante algum
tempo, numa gruta do mar. No entanto, na sua profissão de engenheiro, imita o
deus mitológico, ao fabricar engenhos e construir o que a arte cretense
estabelecer, a exemplo do que fez este, forjando o cetro de Agamenon, a lança
de Aquiles e, das pérolas do mar, moldando o colar de Hermíone...
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