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07/08/2014

Opinião



A VOZ DO BRASIL – POR QUE SEU HORÁRIO DE TRANSMISSÃO NÃO DEVE SER FLEXIBILIZADO.

Idálio Campos[1]

            Lembro-me como se fosse hoje, meu pai tinha um rádio ABC-Canarinho e escutava diariamente a Voz do Brasil sempre no horário das 19 às 20 horas. Depois vieram os rádios transistorizados e a rotina continuou a mesma. Esse horário tradicional vem sendo obedecido desde muito antes do meu nascimento, numa audiência gigantesca de milhões de ouvintes.

            A Voz do Brasil é transmitida há mais de 70 anos, sempre no mesmo horário, e está inserida no artigo 38, alínea “e”, da Lei Federal nº 4.117/62, que instituiu o Código Brasileiro de Comunicações.

            Há algum tempo vem surgindo um movimento para mudar o horário obrigatório dessa retransmissão, sob a roupagem de “flexibilização”, e de uma argumentação que os tempos mudaram.

            O Projeto de Lei nº 595/2003 da Câmara dos Deputados prega a mudança e traz em seu bojo uma parte que merece análise mais acurada. Ele sugere que as alterações no horário atual sejam aplicáveis às emissoras comerciais e comunitárias, mantendo-se a obrigatoriedade do antigo horário somente para as emissoras educativas, ou seja, vigorando para uma minoria nas concessões hoje existentes.

            De cara, dois pesos e duas medidas. Se assim for, pode-se entender que essas rádios comerciais não desempenhariam finalidade pública, apenas as emissoras oficiais e educativas teriam esse papel.

            Seus incentivadores querem retransmitir a Voz do Brasil nos horários que lhes aprouverem. Naturalmente que vão escolher aqueles de menor audiência, até que esse programa morra de inanição e saia definitivamente do ar. É razoável entender que a face oculta deste movimento é o sepultamento definitivo desse programa num prazo futuro, ainda que ninguém ouse assumir isso!

            As emissoras são entregues a particulares através de concessões outorgadas pela União Federal; os beneficiados têm o direito de explorá-las por um tempo determinado e nas condições previstas em Lei.

            Se a União é a detentora dos canais e concede sua exploração temporária mediante condições a uma pessoa ou empresa, esta pode usá-lo por até 24 horas no ar de maneira contínua. Por isso, nada mais razoável que o Governo exija como contrapartida uma hora à sua disposição destinada a transmissão de um programa de utilidade pública. Isso é muito pouco e jamais deveria ser questionado.

            Não é demais lembrar que esse tradicional e popular programa transmite informações dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.

            As grandes nações deste Planeta têm as suas transmissões oficiais radiofônicas em horários préestabelecidos, certos e compatíveis com o bem estar da população. Quem tiver a curiosidade de ligar seu rádio na Voz da Alemanha, Voz da América, BBC de Londres, Voz da China, Voz da Rússia, dentre outras, observará que todas elas são transmitidas em horários razoáveis, de modo que tenham ouvintes acordados.

            Essa “flexibilização” de horários é o primeiro passo para em pouco tempo permitir a retransmissão da Voz do Brasil até de madrugada, e aí, só uns poucos sonâmbulos ou guardas noturnos poderão ouvi-la; é, pois, a decretação antecipada do seu melancólico fim.

            Esse pobre escriba que vos alerta dorme cedo, será um dos que não mais vão ouvi-la no seu “radinho”. Sou ouvinte antigo da Voz, não vou me adaptar a essa pretensa mudança, onde cada emissora individualmente pode escolher a seu talante o horário de retransmissão.

            Quem incentiva esse movimento, possivelmente visa lucros econômicos. Sabe-se que o atual horário das 19 às 20 horas é considerado muito nobre, e nesse intervalo os valores cobrados nas propagandas subiriam de maneira considerável.

            Toda a população perde com essa mudança para o horário flexível. Os maiores prejudicados serão os ouvintes das cidades do interior, seus vilarejos, povoados, sítios, vilas e fazendas da zona rural desse gigantesco país, que não têm acesso a outros meios de comunicação, principalmente internet. Essa imensa legião de brasileiros humildes, relegados por essa proposta insensível, serão prejudicados no seu direito a informação pública da mais alta qualidade.

            Essa história que a mudança de horário aumentará a audiência da Voz parece ser tendenciosa. A Empresa Brasil de Comunicações (EBC) a transmite e sabe qual o horário ideal. Se os detentores das concessões querem mudanças na transmissão é porque elas vão lhes beneficiar e dar mais lucro, senão não fariam tal proposta.

            Existe outra face da moeda que o Projeto parece ter esquecido: A questão do Horário Eleitoral Gratuito no rádio e na TV determinado pela Justiça Eleitoral.

            A Voz do Brasil é um programa agradável, simpático e de grande audiência. O horário eleitoral não parece ser simpático, não provou agradar e não parece ter grande audiência. Desconheço movimento no sentido de “flexibilizar” esse horário eleitoral, tirando-o do horário nobre e transferindo-o para a meia noite ou alta madrugada. Fica a pergunta para o leitor: Porque isso não foi proposto?

            Espero que essa proposta de “flexibilização” do horário da Voz do Brasil seja esmagadoramente rejeitada pela classe política e que os três Poderes se irmanem no mesmo objeto, sob pena de se perder o mais importante, tradicional e respeitado programa radiofônico brasileiro.
           


[1] O autor é Procurador do Estado. O artigo foi escrito em 25.7.2014 em Natal-RN.

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