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03/08/2014

blog Verde Vale
LÚCIA HELENA

TERTULINA, A COZINHEIRA DE VOVÓ MADALENA - UMA EXTRAORDINÁRIA. MULHER!

Lúcia Helena e vovó Madalena, no terraço da casada Hermes da Fonseca, 700, Tirol - foto 1957, numa das tantas e tantas vezes que eu chegava do colégio e corria para ver vovó (nossas casas eram vizinhas).


TERTULINA

Não se dizer quando Terta ( Tertulina ou Tertinha) chegou para trabalhar na casa dos meus avós paternos (os únicos que conheci). Eu saí de Ceará-Mirim antes de completar os sete anos e Terta já existia.
Ainda me lembro do sabor da comidinha feita por Terta. Fazia o trivial, porém, saboroso, bem preparado e estava sempre com um ar de muita paz. Na casa dos meus pais a comida também era deliciosa, mas, como diz o velho adágio: " A galinha do vizinho é bem melhor", isso é verdade.
Terta era loura e longilínea, sua voz era grave e terna, os gestos sempre de carinho para todos, até com a impertinência de vovô Olympio.
De Tertulina jamais esquecerei a carne picadinha torrada. Depois de pronta ela despejava pedaços de cenoura, batatinha e gerimum, já cozidos. O arroz-de-leite era insuperável e servido, sempre, com carne de sol assada e moída. O sarapatel exalando  um cheiro inesquecível, quando já bem cozido, na panela de barro ou alumínio, Terta colocava coentro e cebolinha verde por cima e tampava. O vapor cuidava de fazer a sua parte amolecendo os temperos. Antes de ir para a mesa, numa tirrina de louça ou vidro, ela colocava tomates inteiros e pré-cozidos. O visual era agradável.
Sempre fui um bom garfo. As empregadas de mamãe eram ótimas e se esmeravam nos doces, canjicas, pamonhas, feijoada, cozido, galinhada, galinha à cabidela,  peru cevado no quintal e depois, muito bem temperado e assado. Que deliciosas comidas!

Ainda do talento culinário de Tertinha, lembro-me do preparo de uma iguaria que jamais comi em nenhum outro lugar: ela dava uma refolgada nos pedaços de carne com ossos de tutano e colocava para cozinhar com todos os temperos, por fim, jogava os legumes. Eu gostava de ver aquele fogão à lenha com as panelas nas seis bocas fervendo.

 Na casa de vovó, a cozinha ficava já perto do quintal, as paredes tinham combogós e me lembro dos galhos das árvores abanando-se contra a inclemência do sol e fazendo piruetas como artistas plásticos fazem com pincéis. Eu ficava acompanhando aquele malabarismo enquanto o sol esbanjava seu poder. Vez ou outra, Terta saía de junto do fogão e dava uns passos pelo quintal, trazia tempero verde e tomates lindos, hortelã, tudo plantado por ela. Ao retornar ao fogão, mexia a carne com uma grande colher de pau, colhia um pouco do caldo e colocava na palma da mão para provar, em seguida, colocava pedaços de milho que cozinhariam juntamente com a forte iguaria. Tudo pronto, a mesa ficava com um lindo visual e a refeição perfeita, acompanhada de refresco de cajá, do quintal. Falando nisso, à época não havia liquidificador e Terta espremia os cajás sobre uma peneira, mexia, coava e colocava numa jarra - uma maravilha.
Do peixe (jamais suportei), camarão, carnes, galinhas e tudo o mais, ficou em mim o saboroso e farto cardápio da querida Tertulina, com o pano amarrado aos louros cabelos. Ela não era jovem, mas tinha um olhar doce e firme, mãos calejadas e a voz bem grave.
Quando vovó adoeceu e teve que amputar uma perna, ela chorava e dizia: "vou fazer muito caldo pra dona Madá...e ela vai andar de novo"...


AS VERDURAS DO COZIDO
O COZIDO DE CARNE COM MILHO
A GALINHA OU CAPÃO, SURPREENDIDO NO QUINTAL E PREPARADO COM OS COUROS, SEM JAMAIS FALTAR UMA FOLHINHA DE HORTELÃ GRAÚDO...
O cuscuz preparado por Terta , embebido no leite de coco - Deus, que coisa boa -. Por umas duas vezes comi cuscuz paulista no apartamento de Camilo Barreto e Anna. Saboroso e bem preparado!
 Naqueles momentos lembrava-me dos meus tempos de ontem com a mesa da casa dos meus pais. 
Uma noite, com o casal querido, já no apartamento da Rodrigues Alves, deliciei-me com a farta mesa numa ceia bem regional. Camilo Barreto a dizer, pilheriando, que tudo ali tinha sido preparado por ele! Um homem bom, agradável (como tantas vezes testemunhei)!
Momentos de emoção quando recordo e choro!
A carne picada, onde Terta colocava cenoura, batatinha e gerimum, servindo com farofa de cuscuz e "arroz pegado".
 
A sopa de legumes com bastante tomate.

Sempre que passo diante do local onde foram construídas a casa de vovó (*) e de papai, na Hermes da Fonseca, tenho a impressão de que aquele fogão está lá, fumegante, panelas fervendo e o almoço vai  servido com todas aquelas delícias.
Ou, quem dera, tomando uma sopinha de legumes, comendo cuscuz com leite de coco...
Fecho os olhos para ver melhor e pesco o sol para bordar a paisagem distante onde Terta e vovó se encontram, certamente,
onde as nuvens, pintadas de um azul inigualável, trazem, no mistério das coisas impressentidas, todo o fascínio de um tempo mágico, cheio de luz e sonho!

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(*) Maria Madalena Antunes Pereira

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