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26/07/2014

JF

Escravos, depoimento de Manoel da Rocha Bezerra

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Auto de perguntas a Manoel da Rocha Bezerra, em continuação do interrogatório feito na Vila de Macau, a cerca da questão dos africanos.
Aos 3 dias do mês de agosto do ano do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e setenta, nesta cidade do Assú, comarca do mesmo nome da província do Rio Grande do Norte, em casa de residência do delegado de polícia em exercício do termo do Assú, capitão Luiz José Soares de Macedo, comigo escrivão interino de seu cargo abaixo nomeado, aí, perante o cidadão Manoel da Rocha Bezerra, pelo dito delegado lhe foram feitas as seguintes perguntas. 
Perguntado qual o seu nome, idade, estado, filiação, naturalidade, e profissão? Respondeu chamar-se Manoel da Rocha Bezerra, de setenta e sete anos, casado, filho legítimo de Balthazar da Rocha Bezerra, já falecido, natural desta Freguesia, e empregado na mesa das rendas provinciais da Vila de Macau.
Perguntado pelo delegado se conhece em Macau José Joaquim de Moura e Silva, e se sabe que ele vendera clandestinamente uma mulher livre como escrava pela quantia de oitocentos mil réis, quando e a quem? Respondeu que conhece José Joaquim de Moura e Silva, e sabe que ele vendeu a seu próprio pai Balthazar de Moura e Silva uma escrava de nome Benedicta, crioula, e que ouviu dizer que a venda se efetuara por oitocentos mil réis. Perguntando, ele delegado, se ele respondente sabe em que se funda o correspondente de Macau, para dizer em uma correspondência inserida no “Liberal do Norte”, de onze de junho deste ano, e datada de quatro do mesmo junho, que ali fora vendida por José Joaquim de Moura e Silva uma mulher livre? Respondeu que não sabia, mas que ouviu dizer que esta correspondência fora feita por pessoas desafetas ao mesmo José Joaquim de Moura e Silva, e a Joaquim Rodrigues Ferreira. Perguntado mais pelo delegado, se ele respondente sabia que em poder de Joaquim Rodrigues Ferreira, existem como escravos três pessoas livres, como também, além destes, outras pessoas livres em poder de alguém como escravo, segundo diz o mesmo correspondente? Respondeu que sabe que Joaquim Rodrigues Ferreira possui de oito a dez escravos entre os quais Antonia e duas filhinhas, cujo nome não se recorda; e que por ser a mesma Antonia filha de negra de Angola presume-se que nasceu de ventre livre; e quanto aos outros a que alude a correspondência, ele respondente não sabe.
Perguntado mais pelo delegado, se sabe de quem é filha a dita escrava Antonia? Respondeu que é filha de uma escrava de nome Josefa pertencente ao pai de Joaquim Rodrigues Ferreira. Perguntado mais pelo delegado se sabe de quem o pai de Joaquim Rodrigues Ferreira houve a dita escrava Josefa? Respondeu que não sabia.
Perguntado mais pelo delegado se sabia que no lugar Camoropim estiveram uns africanos que desembarcaram na Ilha de Manoel Gonçalves, vindos em uma escuna que ali aportou no ano de mil oitocentos e trinta e cinco; e se sabe que alguns desses africanos ou filhos dos mesmos são por alguém conservados em cativeiro, como diz o capitão Francisco Trajano Xavier da Cunha, em sua carta de vinte e oito de julho próximo passado, dirigida a esta delegacia por ocasião de ter sido chamado para dizer o que sabia a cerca daquela correspondência? Respondeu que é voz publica na Vila de Macau, que, na Ilha de Manoel Gonçalves aportou um barco no qual vinham africanos, e que dali seguira o mesmo barco para o Ceará, onde ouviu dizer que foram tomados os mesmos africanos pela justiça, em consequência de serem contrabandos; mas que do tempo em que isso se deu não recorda: tendo-lhe dito o mesmo Francisco Trajano Xavier da Cunha, que o finado D. Manoel de Assis Mascarenhas, quando presidente desta província, mandara sindicar desse fato por intermédio das autoridades daquela Ilha de Manoel Gonçalves, onde era então Juiz de Paz, Joaquim Álvares da Costa, mas que não sabe, ele respondente, se ali ficaram africanos vindos no mesmo barco.
Perguntado mais pelo delegado, se sabia de quem era filha Benedita, vendida por José Joaquim de Moura e Silva? Respondeu que era filha de Joaquina, escrava que foi de Balthazar de Moura e Silva. Perguntado mais pelo delegado se ainda existe Joaquina, e de que nação é, e se escrava, ou livre? Respondeu que ainda existe na Vila de Macau, é de nação angola, e hoje liberta pelo dito Balthazar de Moura e Silva; em consequência dos bons serviços a ele prestados. Perguntado mais pelo delegado se sabe donde houve Balthazar de Moura e Silva, a dita escrava Joaquina? Respondeu que por herança do sogro Antonio Joaquim de Sousa. Perguntado mais pelo delegado se sabe de quem a houve Antonio Joaquim de Sousa? Respondeu que não sabia.
Aqui encerrou o auto de perguntas que foi escrito por Luiz da Circuncisão Ferreira Cabeça e assinado em 23 de setembro de 1870.
Este documento foi extraído do jornal “O Assuense”, de 6 de outubro de 1870, digitalizado pela Hemeroteca Nacional.
Manoel da Rocha Bezerra, casou na Ilha de Manoel Gonçalves em 1829, com Josefa Jacinta de Vasconcelos. Era tio-avô do jornalista Pedro Avelino; Francisco Trajano Xavier da Cunha, viúvo, em 1826, de Maria Ignácia Fernandes Pimenta, casou em 1829, nas Oficinas, com Senhorinha Clara dos Anjos, irmã de Josefa Jacinta de Vasconcelos.
O português Antonio Joaquim de Sousa era casado com Thomázia Martins Ferreira, filha do capitão João Martins Ferreira. A filha deles, Josefa Martins de Sousa, casou com o português Balthazar de Moura e Silva, e daí nasceu José Joaquim de Moura e Silva. Este último casou, em 1871, com Antonia Leopoldina de Sousa, filha de Pedro Virgulino de Sousa e Maria Rodrigues Ferreira, esta última, irmã de Joaquim Rodrigues Ferreira, ambos filhos do português Manoel Rodrigues Ferreira e Izabel Martins Ferreira.

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