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02/07/2014

DA ABOLIÇÃO À REPÚBLICA
(DE D.PEDRO II A FLORIANO)

Por: GILENO GUANABARA, do IHGRN


            No dia 13 de maio de 1888, no Brasil, a princesa Izabel assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão. Em Milão, na tarde do dia 22 de maio do mesmo ano, Thereza Christina, imperatriz do Brasil, tensa, assistia ao sofrimento do imperador, D. Pedro II, que, quase moribundo, atacado de febre e de pleurisia, parecia chegar ao fim. O médico francês, Dr. Charcot e o Dr. Sanamola e o Dr. Giovani, médicos italianos, lhe ministraram os últimos recursos da botica. A moléstia insistia e ia vencendo o paciente, já sem forças até para falar. A junta médica reconheceu o estágio terminal do doente. O arcebispo de Milão foi chamado e ministrou-lhe os últimos sacramentos. Estavam desolados os médicos e a imperatriz que já não escondia o choro antes contido.
            Havia um tema que, desde o ano de 1850, aos 25 anos de idade, o imperador se manifestara de público e dizia respeito à repressão ao tráfico negreiro: Prefiro perder a coroa a tolerar a continuação do tráfico de negros. Dez anos depois, o imperador respondeu um apelo da Junta Francesa de Emancipação, declarando-se contrário ao cativeiro. Incumbiu Pimenta Bueno de elaborar minutas de lei, a serem incluídas nas falas do trono e submetidas ao Conselho de Estado, a fim de favorecer as vítimas da escravidão. Uma delas, a lei dos sexagenários.
            Em resposta ao Barão de Cotegipe que no ano de 1870, antecedendo-se à fala do trono, referiu-se a abolição como uma pedra de montanha abaixo, professava: Nós não a devemos precipitar porque seremos esmagados, ao que D. Pedro II retrucou: Não duvidarei de me expôr a quéda da pedra ainda que seja esmagado por ela. O monarca emancipou os escravos da casa imperial e ordenou ao seu genro, o Conde d’Eu, que abolisse a escravidão no Paraguai, ao celebrar a paz no fim da guerra. De outra, na cidade paulista de Campinas, ao emancipar escravos, o imperador se dirigiu a um dos emancipados e apertou-lhe a mão.
            B. Mossé (D. Pedro II, empereur du Brésil) relata que foram atos, momentos e cenas inesquecíveis para os presentes durante a agonia em Milão, em particular para a imperatriz que os revisava de memória, enquanto aguardava sozinha, em recôndita emoção, o desenlace do seu parceiro. De repente, os olhos de D. Pedro II abriram-se, como se aguardasse a cura, transmitindo força de querer ouvir algo. Dona Thereza tomada de raro vigor comunicou ao imperador as últimas notícias chegadas do Brasil. Pelos despachos transmitidos, exatamente no dia 13 de maio, por ato da rainha regente, deixara de existir escravos no Brasil. Sua filha decretara o fim da escravidão.
            Foi o bastante para que D. Pedro se transfigurasse. Com a voz ainda trôpega, porém revigorada, pediu e recebeu a confirmação da notícia. Tomado de um surto inesperado, D. Pedro conclamou: Rendamos graças a Deus. Apertando as mãos da imperatriz, decidiu: Telegrafe já a Isabel, mandando minha benção, com todos os meus agradecimentos à nação e às Câmaras...
            Em poucos dias, o paciente renovara o semblante e readquirira as forças capazes de vencer a doença que o acometera. Todos os que o cercavam durante a convalescença notaram a reviravolta que o quadro abolicionista lhe havia causado. Registra B. Mossé em sua obra: Seu patriotismo lhe inspira a força de pronunciar essas palavras tocantes: - Oh grande povo! ...Oh grande povo. D. Pedro II se referia ao povo brasileiro.
            Em 5 de agosto de 1888, D. Pedro II, restabelecido da saúde, viajou com a sua família a Bordeaux, de onde embarcou de regresso. No Brasil, encontraria o refluxo da abolição que contaminava a política. Proliferavam as ideias republicanas e as personalidades de Deodoro da Fonseca, Benjamin Constante, Eduardo Wandencolk, Francisco Glycerio, Arisitides Lobo, Quintino Bocayuva, Gonçalves Ledo, dentre outros.
            Uma personalidade era emblemática, havida no seio das forças armadas. Líder prestigiado entre os colegas, o ajudante de general Floriano Peixoto gozava do reconhecimento de seus pares, enquanto era dedicado à pessoa do imperador, amigo fidelíssimo do visconde de Ouro Preto, que não escondia sua disposição de fazê-lo Ministro da Guerra.
            Em face do agravo que D. Pedro II sofreu ao comparecer em ato político no Pavilhão de São Cristovão, no Rio de Janeiro, em julho de 1889, Floriano Peixoto recomendou ao imperador: O nosso imperador, bem que estimado e venerado, deve ser vigiado de perto por certo número de amigos e de toda a confiança que façam frustrar todo e qualquer desacato. Sei que v. ex. tomará as medidas precisas; mas eu quizera secundal-o com um pequeno mas forte contingente, que se entenderá com as autoridades de serviço.... Com v. ex. irá entender-se o meu delegado. D. v. ex. sempre amigo velho e obrigado, Floriano Peixoto.
            Diante da manifesta fidelidade de Floriano ao imperador, coube ao velho marechal Deodoro da Fonseca, por sua autoridade e gravidade da hora, fazer a melindrosa interlocução, a fim de pedir a adesão de Floriano à causa e informa-lo do que ocorria a respeito da conspiração republicana. O encontro ocorreu no dia 13 de novembro. O marechal expôs a situação, os apoios de que contava e a disposição de assumir a insurreição. Floriano ouviu e propôs entendimento. Ao final tranquilizou o conspirador, dando-lhe mostras de solidariedade:  Se a coisa é contra os casacas, lá tenho a minha espingarda velha...
 No mesmo dia, porém, Floriano comunicou ao Ministro da Justiça a ocorrência: A esta hora deve v. ex. ter conhecimento de que tramam algo por ahi além... confie na lealdade dos chefes que já estão alerta. Agradeço ainda uma vez os favores que se tem dignado de dispensar-me. De v. ex. menor creado, amigo certo e obrigadíssimo. Floriano Peixoto.

             

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