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13/03/2014



 
JOSÉ BONIFÁCIO E A INDEPENDÊNCIA
Por: Gileno Guanabara, advogado.

                                               A explosão revolucionária da França chegou ao Brasil, no momento em que o ouro se exauriu. O “quinto” devido, impossível de saciar Portugal, era de 100 arrobas/ano. Em 1789 rebentaria a revolução das Minas. O movimento de Xavier, o “Tira-dentes”, delineou o espírito nacional.

                                               A chegada da corte portuguesa no Brasil – milhares de servos, conselheiros, desembargadores, marquesas, comendadores, padres e Carlota Joaquina - correspondeu ao expansionismo inglês, abrindo-se os portos às nações amigas e a conseqüente liberdade de produção, criação da imprensa, dos tribunais, banco e escolas superiores. A influência inglesa no governo da corte valia-se de dois áulicos: Linhares e Gauveias. Abarrotara-se a alfândega de mercadorias inglesas para até 10 anos.

                                               De uma gente trabalhadora que habitava as cidades, se antepôs uma horda de famélicos que antes devorara Portugal. Agora, tinha-se o caráter da corte dirigida por um príncipe indolente que governara em nome de sua mãe louca, tendo ao lado uma princesa debochada e pródiga, com quem não mantinha vida conjugal regular e de um filho estouvado e premeditado. À corrupção e a venalidade, tudo se somou à subserviência aos interesses ingleses. Eram contra isso as revoltas da Bahia e de Pernambuco.

                                               Há de se estranhar o fato de São Paulo e Minas não se terem filiado às revoltas do Norte. Eis o significado político da presença hábil de José Bonifácio, o Patriarca, o chefe do partido e o caráter que incorporou à independência, diferentemente dos revoltosos da Bahia e de Pernambuco: explorar a ambição de D. Pedro, tal a temerária nobreza de seu caráter; devolver D. João VI a Portugal, tal a pressão da Corte contaminada  pelo movimento de restauração de 1820.

                                               Vamos reconhecer a prodigalidade intelectual do Brasil do século XVIII. Citam-se diversos brasileiros, ao tempo da presença singular de José Bonifácio de Andrade. Nascido em Santos, em 1765, José Bonifácio, aos 15 anos chegou a Lisboa. Já aos 25 anos foi estudar na França. Época da revolução. Estudou as ciências de então e observou como as sociedades se rebelam, vencem e qual o papel dos chefes destemidos. Estudou com mestres na Alemanha, visitou Wegner, o geólogo de Freyberg, Conheceu as minas do Tirol, da Estíria. Na Itália, visitou  Pávia, onde tomou lições. Aprendeu com Bergmann em Upsala e com Abilgaard em Compenhaque. Dados os estudos e as descobertas, José Bonifácio tivera o mérito de ser reconhecido “mestre da ciência”. 

                                               De volta a Portugal, feito “desembargador”, atribuíram-lhe “todas as coisas”, dentre elas o de ensinar em Coimbra. No entanto, Portugal não estava nem aí para a mineralogia. Passada a crise da guerra com os franceses, Portugal postava-se à inutilidade da Regência de Beresford. A pobreza, a vileza e a corrupção decidiram a volta de José Bonifácio.

                                               Cauteloso quanto ao ideário da revolução, José Bonifácio possuía todos os ingredientes para sua participação no processo de Independência vivido no Brasil. Não era certamente um Bolívar. Era um estadista conservador.

                                               A eclosão da revolução de 1820, em Portugal, e a reclamada volta de D. João VI, acelerou, para os lados de cá, os ideais de Independência. Deu-se a correspondente criação dos partidos. A presença do príncipe Pedro, co-resultado da fragilidade de D. João VI nos fatos, prova a passividade e ambição que o movia, à falta de inteligência ao seu redor. De Portugal, o gênio da mãe que pariu dois filhos gênios díspares: um, institivo pelo poder, reacionário e ultramontino da Austria de Metternich. O outro, liberal, da maçonaria, da Inglaterra de Canning. O primeiro, dos sanguessugas do antigo regime. O segundo, a par da sorte renovada pelos sopros da modernidade da Europa.

                                               Como se avesso ao tio/irmão, D. Miguel, e ao pai, D. João VI, D. Pedro tivera cumplicidade com os republicanos de 1817, em Pernambuco, e era possuído da idéia de voltar a Portugal para assumir a revolução de lá. Idéia bem aceita pelos que não digeriam à autonomia do Brasil a residência do Rei no Rio, açodados pela possibilidade de volta à condição colonial.  De reconhecida incompatibilidade com D. João VI, em razão do gênio herdado da mãe, Carlota, assim era D. Pedro de Orleans e Bragança.

                             Mais para ambicionista e menos para revolucionário, D. Pedro postou-se ao lado dos rebeldes no Brasil, em que pesem os seus instintos absolutistas para com as idéias liberais. Da inutilidade da estada, D. João VI terminara de regresso a Portugal, movido sempre pela indolência e pelo medo das revoluções que cortavam cabeças dos reis, na Europa.  Para os sátrapas da coroa, o regresso era o louvaminho da derrota da colônia, a quem continuariam a explorar. Havia, por fim, o partido separatista de São Paulo e Minas, contrário aos portugueses, ungindo-se pela Constituição de 1815. Diante do embate, instado à frente da guarnição do Rio, D. João VI deixou o seu filho príncipe regente.

                               No ano de 1822, com o fim do período de Regência, diante do intuito das Cortes de restaurar a Colônia, ou D. Pedro retornaria à Europa, ou optaria em ficar no Brasil. A presença de José Bonifácio revelou o momento não de um Reino Unido, mas de um Estado independente de Portugal. De um lado, o partido dos Andrades, defensores do equilibro dos poderes (Bentham), do governo parlamentar, quase radical, que insuflara a D. Pedro não regressar a Portugal. A proclamação do “Fico” comprometeu o príncipe Regente. A sua decisão fez as tropas portuguesas rebelarem-se, em apoio ao plano de restauração colonial. De outro lado, os jacobinos da Bahia e Pernambuco, contrários a D. Pedro, que somaram a favor o posicionamento geral dos partidos brasileiros.                                                               D. Pedro expulsou as tropas portuguesas. Tratava-se de salvar a colônia das Cortes, que instigavam o seu pai e do intuito da re-colonização. Encarnou assim o ideário de Independência em proveito da sua dinastia. Mas esqueceram de indagar a José Bonifácio acerca das questões postas. No arrufo de arrogância, temerário, despótico por temperamento e formação, faltava a D. Pedro o tempero do estadista. Tornara-se vítima da armadilha posta de escolher entre Portugal e o Brasil.

                               Declarado “Defensor Perpétuo” em maio de 1822, proclamou guerra a Portugal. Convocou a Assembléia Constituinte. Bradou de São Paulo o grito de separação. Com a sua opção pelo Brasil, D. Pedro, a par da gratidão da nação recém-proclamada, dissolveu assembléias, subjugou os  Andrades, submeteu os revoltosos, aliciou os áulicos. Vadio nas peripécias amorosas, em pouco tempo foi-se o louvor de haver proclamado a Independência.

                               Produto de uma dinastia européia, D. Pedro não era brasileiro. Aprendeu pouco do gênio nativista: “Abdiquei a Coroa e saio do império, sejam felizes na sua pátria”, disse ao se despedir. Ressalvou “na sua”.  Não disse “na nossa pátria”. Desdenhou o significado que o povo que lhe reconhecia. Restou a figura de José Bonifácio, o “patriarca da Independência”.                            

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