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17/03/2014


A PALAVRA E SUAS CONVENIÊNCIAS
Por: Gileno Guanabara, advogado.

O sentido tradicional da expressão “patriarca” se aplica a quem exerce chefia, o juizado da família, do clã, da tribo, o padre, pai ou Pagé. No Brasil, se atribuiu a José Bonifácio o título de “O Patriarca da Independência”. A vinculação do título ao Conselheiro do Império não se deveu a historiadores da época, apesar da sua participação nos atos que antecederam e procederam a proclamação da Independência. Mas a causa maior foi uma graça. Um comerciante expôs na sua loja da Rua do Olvidor, no Rio de Janeiro, a tela, de autor desconhecido, que retratava José Bonifácio entre dois anônimos e onde estava inscrito na parte inferior: “Patriarca da Independência”. Quer se tratasse de mera brincadeira, quer fosse simples humor, no entanto, a ideia vinculada na obra ganhou repercussão entre os partidários do suposto homenageado, que não eram poucos, havendo também reações contrárias de parte dos seus desafetos.

José Bonifácio tivera papel político relevante, quando se incorporou ao Gabinete de D. Pedro I, superando contradições políticas com o Imperador. No entanto, se indispôs com a influência crescente da Marquesa de Santos junto ao monarca, ela que era simpática aos partidários da independência. Diferentemente, o Conselheiro perseguiu os carbonários, cuja ação conspiratória se dava na Maçonaria, na Igreja e na imprensa. No poder, José Bonifácio desencadeou intensa repressão e ordenou a prisão de José Clemente Pereira e do Cônego Januário da Cunha Barbosa, dentre outros. Joaquim Gonçalves Ledo, maçon, jornalista e panfletário, vivendo sob a iminência de ser preso, escapou vestido de padre e se exilou na Argentina.

Os adversários de José Bonifácio, participantes dos atos da proclamação ocorrentes em 1821 e 1822, após a sua demissão, trataram de desfazer o equívoco, de desmistificar a brincadeira inclusa na tela. Mesmo assim, sem querer, o termo “patriarca” ganhou um novo sentido e assim ficou no vernáculo nacional.

A pantomima referida na expressão atribuída ao paulista que ajudou o Brasil a fazer o Império, traduzia bem as contradições de sua prática naquele momento político. Afinal, faça o que eu digo, não faça o que eu faço. O patriarca costumava recomendar aos brasileiros a política dentro da razão e da moral. Contrariamente, no Ministério, mandou prender inocentes e adversários, libertou criminosos, perseguiu seus desafetos, destituiu a carreira de juízes que não lhe eram simpatizantes, e desviou verbas públicas a fim de custear seus partidários. Em cartas que endereçou ao Conde de Funchall, José Bonifácio afirmou que praticara o que as circunstâncias e as oportunidades o exigiram.

Outra expressão que viu alterado o seu sentido tradicional, foi o vocábulo emérito, cuja origem latina decorre do composto “ex”, fora, e da expressão méritus, merecimento. Dessa forma, emérito teria o sentido de imprestável, inútil, sem valor. Nas Catilinárias de Cícero, vê-se a expressão emeritus cônsul, no sentido de cônsul aposentado. Em Seneca, lê-se emérita dies, como dia acabado, dentre outras expressões referentes ao vocábulo.

Dicionários portugueses definem o termo emérito no sentido de:   aposentado, gozando os vencimentos do emprego; ou também glosado como: “Emérito, adj. Aposentado. Ex: soldados eméritos, isto é, reformados, jubilados.”.

A deformação ocorrida se deveu ao texto de um jornalista lusitano que ao legendar a foto de um político ementou: Emérito patriota. Afora a discussão que gerou, no entanto, a expressão cunhou um novo sentido. Deixou de se referir a aposentado, inútil, e passou a ser entendido como corruptela de ilustre, de notável (Significações Burlescas, Fialho de Almeida, Lisboa, 1885).

A renovação do conteúdo das palavras não tem fronteira. O caso de emérito chegou e foi adotado no Brasil, nos conformes do novo sentido. De igual forma, também chegou a Paris, cuja imprensa registrou “emérite”, referindo-se a Victor Hugo, como sendo um destacado escritor. Escusado dizer das manifestações ocorridas pró e contra aquela mudança.

Graciliano Ramos nas crônicas que escreveu, registrou um erro de grafia atribuído a um linotipista de jornal que, em consequência, distorceu o sentido da notícia a ser divulgada.  A nota rabiscada pelo redator e dirigida às máquinas dava conta da presença do Imperador D. Pedro I, na festa de um subúrbio carioca. O inusitado, porém, era o destaque, segundo o qual o Imperador, que havia caído de um cavalo, teria fraturado um dos pés. Daí ter saído amparado num par de muletas. A matéria foi publicada com equívoco: O Imperador D. Pedro compareceu a um baile no subúrbio. Ao se retirar, caminhava trôpego amparado num par de mulatas.

 Por descuido ou imperdoável mau humor, a notícia verdadeira dera lugar ao equívoco e provocou um mal estar governamental. O soberano tinha comparecido e se ausentara do baile amparado num par de muletas. Portanto, o sentido pejorativo da notícia tal o erro publicado, encontrou guarida no procedimento libertino do monarca, de todos sabido, que não podia ver rabos-de-saia na sua frente.

A radicalização da campanha política em 1960, no Rio Grande do Norte, notabilizou-se pelas passeatas populares em que os candidatos e os eleitores caminhavam nas ruas, durante noites inteiras. O então Governador, Dinarte Mariz, líder da UDN, posicionou-se ao lado da candidatura de Djalma Marinho. No vale tudo que prevaleceu, tencionando sensibilizar os eleitores numa avenida do bairro do Alecrim, reduto da oposição, Dinarte subiu o tom do desabafo e acusou o opositor, Aluísio Alves, da Cruzada da Esperança, de lhe fazer acusações indevidas. Do alto do palanque, o governador proclamou: “Foi numa noite como essa, nas Quintas, que Aluisio me desonrou”. A turba de eleitores oposicionistas, incrédulos, no entendimento precário e dúbio da revelação, respondeu: “vai casar ... vai casar”.

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