11/07/2021

O PROBLEMA NÃO É CHEGAR. É INTEGRAR Tomislav R. Femenick - Historiador Volta e meia, deparamo-nos com a velha arenga sobre quem descobriu a América, assunto que agora voltou à arena, por meio de um estudo, efetuado por acadêmicos de uma universidade britânica. Se considerarmos esta parte do mundo apenas como uma região geográfica e o “estado da arte” da antropologia social, o seu descobrimento deu-se pelos povos que primeiro povoaram este espaço. Dessa forma, a verdade sobre os descobridores reconheceria como tais os asiáticos, polinésios, africanos ou quem quer que tenha dado origem aos chamados povos americanos nativos. Alguns desses grupos desenvolveram-se e até criaram civilizações sofisticadas, como os Maias, Incas e Astecas, porém essas foram sociedades estanques, sem comunicação com o resto do mundo. O “descobrir” da América não tem somente o sentido de encontrar. Seu significado maior está em dar a conhecer, revelar, identificar; integrar com o resto do mundo. É com esse enfoque que se deve garimpar na arqueologia cronológica do descobrimento. Muitos reivindicam a primazia de terem, se não descoberto, pelo menos chegado à América antes dos ibéricos. Não pelo Atlântico, porém pelo Pacífico, os chineses poderiam ter por aqui aportado, muito embora tivessem que vencer os obstáculos das correntes marítimas desfavoráveis e as longas distâncias a serem singradas. A verdade apresentada é um escrito do século V, em que se descreve uma viagem que um monge budista realizou a uma terra com arvores desconhecidas da China, onde havia cavalos e carros. Como na América pré-colombiana não havia cavalos e a roda era desconhecida (Gaibrois, 1946), essa é uma prova desqualificada. Africanos também podem ter acostado no Novo Mundo antes das navegações espanholas e portuguesas. As verdades são muitas, inclusive as grandes estátuas de pedra dos Maias e estatuetas de barro cozido recolhidas de regiões do México, que têm feições típicas da raça negra. Alguns escritos de autores árabes apresentam verdades diferentes, porém menos sólidas. Abubákar, dirigente muçulmano do reino africano de Mali, teria enviado uma frota para explorar o Atlântico, objeto de curiosidade desde os mais antigos tempos (Ki-Zerbo, 1980; Hart, 1984), para investigar a existência de terras atrás do horizonte. Por volta de 1300, o sultão de Guiné, Mohamed Goa, teria efetuado outra expedição à América (Mellafe, 1984). Verdade de outro quilate comprova a presença na América de Leif Ericsson, um viking que aqui fundou uma vila na ponta nordeste do que é hoje a Terra Nova, no Canadá, a Vinlândia. A presença dos nórdicos perdurou até 1020 e foi somente um ato de coragem, uma longa viagem por mares desconhecidos, que nada modificou a compreensão do mundo para eles e para ninguém e não resultou em nenhuma consequência histórica. “O mais extraordinário não foi que os Vikings tenham realmente chegado à América, mas sim que lá tenham chegado, e até nela se tenham fixado durante algum tempo, sem ‘descobrirem’ a América” (Boorstin, 1989; Lamarca, 1910/1913; Gaibrois, 1946; Céspedes, 1985). Não há a menor dúvida quanto à verdade da presença viking no continente, como provam os escritos rúnicos feitos em pedra, em Kensington, no estado norte-americano de Minnesota; espadas típicas em outros lugares no norte do continente (Padron, 1981) e o sítio arqueológico de L’Anse aux Meadows, no Canadá. Entretanto, o chamado Mapa de Vinlândia, pertencente à Universidade de Yale – tido como uma prova cabal de que os exploradores nórdicos traçaram mapas do continente, muitos anos antes das grandes viagens ibéricas – é, segundo tudo indica, falso. Análises realizadas pelo Dr. Douglas McNaughton, físico do Smithsonian Institute, evidenciou que somente o pergaminho, sobre o qual foi desenhado o mapa, data do século XV e que ele nada mais é do que uma cópia pouco alterada de outros mapas do século XVI, em uma falsificação realizada no início do século XX (Wilford, 2000). Prova de que é falsa a informação de que vikings mapearam a América, conclui o físico. É, parece que foram mesmo os ibéricos os nossos descobridores e conectores com o resto do mundo. PS: Para mais detalhes, veja meu livro “Conexões e Reflexões sobre História”. Tribuna do Norte. Natal, 09 jul. 2021

06/07/2021

A CONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE Diogenes da Cunha Lima Todos nós somos responsáveis pela preservação da dignidade humana. Há, para tanto, razões jurídicas e filosóficas. A Constituição Federal, em seu artigo primeiro, estabelece a dignidade do homem como fundamento da nacionalidade. Sob outro prisma, é mandamento para quem pensa com sabedoria. Toda pessoa merece respeito, tem direito à honra, ao exercício dos bons costumes, à vida cultural. O nosso confinamento, como defesa sanitária, é povoado por sentimentos e emoções, insegurança, medo, ansiedade e depressão. Desemprego. Tudo isso alimenta a consciência da nossa fragilidade, o que incentiva o reconhecimento do outro, a aproximação, bem como nos conscientiza da necessidade de ajuda mútua, independente do nosso “lugar” na sociedade. A expressão “estamos juntos”, usada como afirmação de cumplicidade amiga, tornou-se planetária, evidenciando que nunca a humanidade esteve tão próxima. A imprescindível solidariedade há que ser construída na família e na escola. Educar e aprimorar o sentimento dos jovens. Na crise por que passa o País, podemos observar o crescimento da solidariedade, notadamente nas pequenas e nas mais humildes comunidades. Também se observa movimentos de cooperação das empresas e entre as mais diversas categorias profissionais. Um belo exemplo foi dado por cem fotógrafos natalenses, sob o tema “Olhar Potiguar”, que doaram a sua arte em favor dos mais necessitados. A solidariedade pode ser manifestada das mais diferentes formas. Usa-se a doação, o empréstimo, a participação no esforço para a solução de um problema. Até mesmo com um abraço ou um sorriso. Guardado na lembrança: Uma mulher de mais de noventa anos que veio reclamar dos meninos da rua. Eles gritavam o seu apelido: “Gasolina!”. Ela respondia com todos os nomes feios conhecidos. Meu pai a confortou: “Não se preocupe, você não é Gasolina, você é Maria. Por isso, nada responda”. Ela replicou: “Eu sou uma pobre órfã, não tenho pai nem mãe”. E ele: “Você vai ser uma pobre órfã silenciosa. Porque não é Gasolina. Você é Maria, mesmo nome de Nossa Senhora”. O confinamento traz consigo, também, o sentimento de solidão, mesmo em meio a outros, na multidão. Contudo, a solidão não é apenas desvantagem. Ao contrário, é, muitas vezes, a razão de ser da criatividade e do melhor uso da liberdade. Sozinho, o homem passa a monologar e nesse diálogo consigo mesmo, reconhece a sua verdadeira função, limitações, o seu destino. Ainda que não atinja a completa felicidade, afinal. É verdadeira a revelação de Tom Jobim quando afirma que “ninguém é feliz sozinho”. Na prática, o homem não consegue viver isolado. É do seu espírito, de suas necessidades. Assim, comprova o poeta John Donne: “Nenhum homem é uma ilha”. Até Deus constatou, como está no livro do “Gênesis”, não ser bom que o homem esteja só. Há grande solidão cósmica, o homem estará sozinho? Jesus ensinou que a Sua casa tem muitas moradas. Devemos fazer da terra, nossa bela morada, a vida solidária.
Estudante ou aluno? Padre João Medeiros Filho Atendendo a solicitações de leitores, revisamos e reeditamos o presente artigo, publicado em 2013, no extinto Jornal de Hoje. Não nos arrogamos o título de mestre em latim ou latinista, mesmo porque somos eternos aprendizes. O interesse e o gosto pelo seu estudo despertaram, durante nossa formação eclesiástica. Sabemos de sua importância na origem do idioma pátrio. Outrora, integrava os componentes curriculares da educação básica. Não obstante a sua relevância e contribuição para a aprendizagem do português, Olavo Bilac exclamou: “A última flor do Lácio, inculta e bela”. Indagado sobre o significado do adjetivo inculta, no primeiro verso do soneto, o poeta parnasiano respondeu: “o termo fica por conta de todos aqueles que a maltratam, mas que continua a ser bela”. O que diria o vate atualmente? Sem o ensino da língua latina, atropela-se ainda mais o vernáculo. Quantas vezes, deparamo-nos com afirmações e fatos, partindo de modismos e sem base histórica. Surgem do nada e de repente obtêm trânsito livre nos “campi” universitários e até em gabinetes de órgãos educacionais. Adotou-se ultimamente a moda de usar o termo estudante, em lugar de aluno. Tenta-se transformar um sofisma em verdade, consagrando-o como certo, no intuito de convencer incautos. Trata-se do conceito inexato ou distorcido sobre a palavra aluno, divulgado por alguns intelectuais. A nova conotação vem ocupando espaço. Propaga-se que aluno significa sem luz. Para os adeptos dessa teoria, a palavra é formada pelo prefixo grego “a” (partícula de negação), unido ao elemento “lun”, corruptela de “lumen” (luminosidade). E, por significar ausência de luz, aluno torna-se uma palavra depreciativa e antipedagógica. Assim sendo, não seria apropriado o seu emprego. Cabe lembrar primeiramente que “lumen” é um termo técnico, indicando medida de luminosidade e não designando a luz em si mesma. Nesse caso, a palavra exata seria “lux”. No entanto, convém recordar que em português os vocábulos derivam do acusativo latino. Este, em quase todas as situações, requer a partícula “ad” e não “a”, característica do ablativo na declinação latina. Na hipótese de aluno derivar de “lumen” (substantivo neutro), deveríamos ter “ad lumen” (junto à luz), como é a regra gramatical. No caso de “lux”, ter-se-ia “ad lucem” (perto da luz). No entanto, o étimo aluno não deriva de “lumen” ou “lux”, mas de “alumnus”, já conhecido, antes de Cristo. Significava criança, que se nutria unida a sua mãe. Daí, o sentido figurado. Aluno é alguém vinculado e alimentado intelectualmente por outrem. De acordo com o professor Ernesto Faria (catedrático de latim da antiga Universidade do Brasil), Cícero empregou “alumnus”, em suas obras “Verrinas” e “De finibus”. Segundo renomados latinistas, etimólogos e lexicógrafos lusos e brasileiros, dentre eles, Antenor Nascentes, padre Augusto Magne, Cândido de Figueiredo, Carolina Michaëlis, Leite de Vasconcelos e Serafim da Silva Neto, “alumnus” provém do verbo latino “alere”, conjugado numa variante da primeira pessoa do plural do pretérito perfeito. O verbo significa: alimentar, desenvolver. Metaforicamente, tomou a acepção de crescimento ou desenvolvimento intelectual. É nesse sentido usado pelo tribuno romano em “De natura Deorum” e nas Catilinárias. Assim se verifica também nos Dicionários da Língua Portuguesa, de Houaiss e Aurélio, bem como no Dicionário Etimológico, de Antônio Geraldo Cunha. Há que se preservar a origem e a semântica do vocábulo, evitando-se que seja proscrito o seu uso secular. Do contrário, resultaria no aviltamento do idioma nacional e empobrecimento da história da educação. Ressalte-se que na tradição brasileira, nas culturas hebraica, greco-latina e anglo-saxônica, aluno é alguém vinculado a uma instituição de ensino ou a um mestre. Por isso, são consagradas expressões como: aluno do Ateneu, Salesiano, Marista, Diocesano, dos cursos de Medicina, Filosofia, Direito, de Câmara Cascudo etc. Do ponto de vista ético e etimológico, um conceito equivocado é nocivo, pois, além da agressão ao vernáculo, poderá acarretar graves consequências. Certa feita, Dom José Adelino Dantas, exímio latinista, proferiu esta frase: “Sem conhecimento do latim, podemos nos tornar apedeutas e com certa pavonice”. É oportuno citar o apóstolo Paulo “Digo-vos isto para que ninguém vos iluda com discursos enganadores” (Col 2, 4).
O MEMORIAL DE MURILO Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Terminei a última página do livro "Testemunho Político" do saudoso jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho. Desde os estertores da República Velha (1930) até 1965, foram trinta e cinco anos de dança de vampiros. Nele qualquer leitor aprenderá a redefinir a política, o jogo ambíguo, farsante, da luta pelo poder. Já vi muita coisa na atividade pública ao longo do tempo, mas Murilo desvendou outras facetas com excepcional precisão cirúrgica. Um verdadeiro teatro shakeaspereano no qual, não é a política que é narrada somente, mas o ser humano que é caracterizado nas suas fraquezas, ambições, venerabilidades. "Testemunho Político" não é apenas a história pedagógica e sequenciada daqueles anos tumultuados mas a exposição caracterológica dos seus protagonistas que Murilo deixou a cargo do próprio leitor descobrir. Depreendi que todos os grandes líderes ou chefes de Estado desse país morreram agarrados a sua própria angústia. Assim, aconteceu com Getúlio, Café Filho, Juscelino, Jânio, Jango, Lacerda, Tancredo, Castelo, Costa e Silva, Médici e Geisel. Quem não diagnosticaria também Figueiredo e Collor como depressivos, angustiados? E até Sarney, Itamar Franco e Temer. E mais ainda, os torturados Brizola e Lula, dignos dos cuidados do Dr. Salomão Gurgel. Isso tudo sem falar nos generais Lott, Denys, Zenóbio da Costa, Kruel, Mourão Filho, Gois Monteiro, Murici e Jair Bolsonaro, todos pacientes dessa república de sobressaltos. A ordenação dos fatos políticos entremeados com a própria história do autor, conferiu um sentido especial e estilístico a narrativa com o selo da autoridade de quem não apenas foi espectador privilegiado da cena, mas, em algumas vezes, protagonista. Após a leitura, lembrei-me do saudoso jornalista João Batista Machado. A nível de Rio Grande do Norte, ele foi o nosso reporte político, testemunha e analista dos nossos embalos paroquiais e já comprovou isso com o lançamento de três livros. Murilo, veterano no campeonato nacional e Machadinho aqui, no estadual, representavam as duas melhores vertentes jornalísticas do memorialismo político da contemporaneidade brasileira e potiguar, respectivamente. Ambos foram historiadores dessa atividade enfermiça. Sim, porque não posso deixar de crer que todo político é um fronteiriço. A ambição, a vaidade, corrompem o homem por dentro e por fora. O político recebe poderosas deformações caracterológicas no desabrido jogo pelo poder. Não me julgo nenhuma autoridade nesse assunto até porque fui político, interno também do mesmo hospital. Mas a visão global da política que o livro de Murilo nos resgata ou nos restitui, é de uma dramaticidade inquietante. Aqui, vale, contudo, lembrar a história, me contada pelo professor Alvamar Furtado. Ainda no limiar dos anos sessenta, o Dr. Creso Bezerra, ex-prefeito de Natal, ex-deputado estadual, deixou inopinadamente a política. Indagado pelo seu amigo Alvamar sobre o motivo tão repentino da sua atitude, ele explicou que fora a frase de um matuto da Paraíba. "Dr. Creso", disse o filósofo sertanejo, "política é negócio só para rico besta e pobre sabido".

04/07/2021

Pequeno Tributo ao Café São Luiz Café São Luiz, tradicional ponto da Cidade Alta, em Natal – Foto: Brechando Gutenberg Costa – Escritor, pesquisador e folclorista Hoje, venho lembrar de um finado que não teve o direito a uma missa de corpo presente. De sétimo dia e nem de mês ou ano. Em sua calçada, nem uma vela acesa, bilhetes ou flores de despedidas e lamentos. O sino da catedral nem dobrou. Literalmente, nem choro, nem velas ou fitas amarelas, apenas lamentações dos seus antigos frequentadores. Natal não rima com tradicional. O que eu vi no meu tempo de criança e adolescência, só em raras fotografias em preto e branco. Digo sempre aos mais chegados que na terra em que nasci, só estou vendo escapar fedendo o seu Forte dos Reis Magos, isso porque não é de ferro, como aquela velha ponte ‘rapinada’ que servia de minha saída para Macau e Pendências. Fico demasiadamente envergonhado quando sou indagado pelos amigos e amigas ligadas a cultura, que vêm a também cidade de Câmara Cascudo: “Gutenberg, aonde fica o tradicional Café da cidade do Natal?”. Assim faço quando chego em uma cidade e procuro pelos seus tradicionais mercados, feiras e Cafés. O que dizer-lhes, sobre tantos monumentos demolidos? Eram particulares? E o nosso velho estádio de futebol ou o Hotel dos Reis Magos? Não tenho motivos sérios para desculpas sobre meu passado quase todo destruído! O que justificar aos meus netos disse tudo? Como ficarei ao mostrar-lhes as fotografias que guardo como velhas recordações do que já existiu da ‘Natal do já teve’… Demolição do Estádio Machadão, em Natal/RN Recentemente, o amigo pesquisador César Barbosa, um dos assíduos degustadores do cafezinho fraterno do saudoso Café São Luiz (o finado de quem hoje estou lamentando o desaparecimento nesse meu pequeno relato), me mandou uma foto histórica de 2005, na qual estávamos em uma mesa para um bate papo e cafezinhos, incluindo o professor Normando Bezerra e o folclorista Severino Vicente. Todos ficamos indignados com o descaso aos prédios particulares e públicos, os quais desapareceram nas caladas das noites, sob o silêncio oficial dos que ganham em nome da cultura do município e do Estado. O machado e a picareta não andam sozinhos. Todo crime tem executor, mandante ou indiretamente os omissos. Pilatos preferiu lavar as mãos e por pouco não foi canonizado. César Barbosa, Gutenberg Costa, Severino Vicente e Normando Bezerra Arquivo: César Barbosa Juro que não acreditei em seu assassinato e fui correndo ainda ao Grande Ponto da Cidade Alta, na rua Princesa Isabel, em 2017. Infelizmente encontrei a sua derrocada aos pedaços. Até lembrei na ocasião daquela canção tão triste e realista, cantada pelo grupo Demônios da Garoa, chorando a debandada da saudosa maloca:” …cada tábua que caia, doía no coração…”. Mas, em Natal, parece que não adianta reclamar a mãe do bispo, nem antes ou depois das ferramentas pararem as demolições. Vou sugerir aos meus amigos fotógrafos, um museu da fotografia do que já desapareceu nos últimos tempos. E diga-se que lei no Brasil tem pra tudo. O que talvez não se tenha é uma lei para se criar ‘museus de memórias’ de nossos santuários arquitetônicos e tradicionais de uma cidade beirando seus 500 anos, que existiram há poucos anos. Demolição do Hotel dos Reis Magos, em Natal/RN Em cada bairro nosso, centenas de lugares históricos já foram demolidos. Em cada rua, dezenas. Crimes sem ‘BO’, sem processos e, o pior, sem culpados. Eu tenho até medo de ir para a cadeia ao ficar do lado dos tradicionalistas e saudosistas ainda de plantão. Hoje é crime, nessa desgraceira da modernidade até perguntar: O que funcionava nesse terreno de estacionamento? Um edifício? Um Casarão de fulano de tal? Aqui era o Bar do seu sicrano? Era a casa em que nasceu ou morou aquele escritor Beltrano? Mas o nosso querido finado ‘Café São Luiz’, que em vida, cujo pai em seu registro foi o empresário Luiz Veiga, teve sua história biografada pelo padre e escritor José Luiz Silva (1928-1991). Este religioso irreverente, contou sua história do nascimento até os anos 80, do século passado, em livro intitulado ‘Na Calçada do Café São Luiz’, edição de 1982. Café São Luiz – Foto: Brechando Nos anos 70, o amigo padre referido me apresentou a muita gente naquela famosa calçada, entre elas: Chisquito e Chico Traíra. Chico, ex tocador de viola e vendendo seus folhetos em cordel. Chisquito, mesmo com sol forte, óculos de grau bem forte e todo empalitozado, sempre baforando seu inseparável cachimbo. Várias autoridades foram fotografadas tomando o seu cafezinho, como o governador Monsenhor Walfredo Gurgel. Diz ainda o primeiro historiador que esse já teria nascido no rastro do acirramento político entre Dinarte Mariz e Aluízio Alves: “A Calçada do Café São Luiz é o território livre dos potiguares… é doce escutar os passos da vida. E onde reside a vida? Não é nas calçadas?”. Governador Monsenhor Wanfredo Gurgel, no Café São Luiz Reprodução do livro de Zé Luiz (1982) Não posso esquecer o meu tempo e os amigos que lá me faziam companhia e conversas. Existia o grupo da ‘porrinha’, mas eu como nunca gostei de jogos, ficava na roda das conversas culturais com o intuito de ouvir e aprender. Sei que não dá para enumerar tanta gente boa e, em parte, já saudosa. Ali, naquela universidade realmente democrática, nunca paguei sequer um cafezinho quando o jornalista Eugênio Neto estava presente. Esse distribuía amizade e fichinhas aos amigos. Fui um dos privilegiados desse e de outros afetos gestos amigos. Ouvi aulas sobre música popular brasileira quando chegava perto do doutor Grácio Barbalho, inclusive depois passando a ser o seu mais novo confrade no centenário Instituto Histórico e Geográfico do RN, em 1997. Ouvi verdadeiras palestras e conferências sobre literatura do RN e mundial. Marcos Maranhão e Gutenberg Costa, no lançamento do livro ‘Personagens Populares em Natal (1999) Marcos Maranhão, Gutenberg Costa e Leide Câmara, no lançamento do livro, na calçada do Café São Luiz (1999) Aprendi muito com Pedro Grilo, Edmilson de Andrade, Palocha, Osório Almeida, Meroveu Pacheco, Chico Macedo, Francisco Bezerra, Franklin Jorge, Jarbas Martins, Severino Vicente, César Barbosa, Normando Bezerra, Vital Oliveira, Severino Galvão, Catolé, Mery Medeiros, Luiz Rabelo e o guerreiro Miranda Sá, outro pagador contumaz de meus cafezinhos. Ali perto, comprei alguns poemas feitos na hora do poeta Milton Siqueira. Escutei a rabeca do Zé André, em sua esquina. Quando precisei de um advogado, chamei o Sebastião Soares, que lá vivia falando sobre poetas e suas memórias vividas no Rio de Janeiro. Presenciei desafetos discutirem e quase que se atracando. Ouvi discursos de direitistas e esquerdistas. Tudo depois se transformando em abraços e cafés. O milagre da amizade e respeito visto no passado. Lia os jornais independentes de Osório Almeida, Marcus Otonni, César Barbosa e Astral, entre outros. O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é image-1.png Calçada do Café São Luiz – Arquivo: César Barbosa A calçada do Café São Luiz era minha espécie de concentração. De lá ia lanchar no pontinho de Zé Treco, fazer compras no comércio e ver as novidades literárias chegadas na livraria dos irmãos Cortez, na rua Felipe Camarão. Foi ponto para marcar encontros e também comprar as bugigangas importadas de Carrapicho: “Esse relógio é suíço legítimo, juro de pés juntos. Essa caneta veio dos Estados Unidos, pode conferir”. Tudo verdade, mas sem nota fiscal alguma. E o diabo era quem duvidava do maior vendedor do mundo, vindo de Pedro Avelino e ainda está vivinho da silva, beirando os 90 anos e, acreditem, em plena atividade comercial. Naquele finado Café vi Miranda Sá quase chegar ao senado. Zé Luiz quase ser deputado Federal. Osório Almeida e Deodato Dantas quase tomarem assento em nossa Câmara Municipal. Em Natal quem não tem dinheiro ou família ilustre, vira quase. Ali ouvi piadas engraçadas da boca do amigo de infância, humorista conhecido nacionalmente como ‘Espanta’. Recebi aulas de folclore com os mestres Gumercindo Saraiva e Veríssimo de Melo. Tinha sempre de plantão um doido calmo e os contadores de histórias mirabolantes, os quais tinham visto coisas de cem anos passados. Os escritores Franklin Jorge e Gutenberg Costa, no Café São Luiz (1999) Muitos amigos vindos de Mossoró, lá eram encontrados, como o fotógrafo José Rodrigues e o historiador Raimundo Soares de Brito, entre outros. E não tenho como esquecer os cordiais atendimentos de duas mulheres que me serviam os cafezinhos e guardavam minhas encomendas que ali iam deixa-las em minhas ausências: Francisca e Ritinha. Duas santas da paciência com tanta gente, com tantos gostos. Lá, vi inúmeras tardes chegar à prostituta ambulante e desdentada dona Maria Edite, a famosa apelidada Rocas Quintas. A única com esse apelido que toda Natal conheceu até a era de 2000. Esta chegava com um rótulo de um antibiótico e pedindo ajuda financeira, podendo terminar até em sexo, se aparecesse um pretendente. Desde 1959, que nunca ouvi falar em outra pobre Rocas Quintas. E a sua famosa calçada era também apelidada pelos que lá não iam, como a ‘calçada da maledicência’. Papai, que frequentara na Ribeira outro finado Café, o ‘Café Cova da Onça’, dizia-me rindo, que esses ambientes só serviam para aposentados fofocarem… Eugênio Neto – Foto: blogchicolima E esse Café do Grande Ponto da Cidade Alta, foi tema de trabalho acadêmico na UFRN, do jovem Augusto Bernardino de Medeiros, que foi além das xícaras, entre 1950 e 1980, o qual me entrevistou, como também vários frequentadores, entre eles, Eugênio Neto e Mery Medeiros. Ali, como o padre Zé Luiz também lancei o meu livro ‘Natal, Personagens Populares’, de 1999, em um sábado, com festa e carnaval comandado pelo saudoso Mainha, me restando dezenas de fotos com muita gente ilustre que ali compareceram. O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é image-48-1024x768.png Gutenberg Costa e o saudoso músico ‘Mainha’, na calçada do Café São Luiz (1999) Vou encerrar essa pequena homenagem com um trecho do poema do velho Chisquito do Assu: “… Se acaso o São Luiz fechar-se um dia;/ A boa prosa, cordial, sadia, / Eternizar-se-á numa saudade”. E como dizia minha mãe, que descanse em paz o já esquecido finado Café São Luiz, em nossas memórias! Amém! Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN
O eixo cognitivo da sustentabilidade Tomislav R. Femenick – Jornalista Rios, que antes eram fontes naturais de águas límpidas, foram transformados em verdadeiras cloacas a céu aberto, em vertentes de agrotóxicos, e tiveram seus leitos aterrados. Florestas, antes verdejantes, são devastadas e transformadas em campos desnudos de flora, onde os animais silvestres estão ausentes. Mares e oceanos transformados em depósitos de lixo. Lagos que secam, pelo consumo descontrolado das águas que os alimentam. O ar que se respira em certas cidades está carregado de elementos danosos à saúde. Isso não é catastrofismo. Este é um cenário dantesco do nosso planeta, neste século XXI. Os rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo; Pium e Potengi, em Natal; Beberibe e Capibaribe, no Recife, e o canal do Mangue no Rio de Janeiro, são alguns exemplos de vários estágios de transformação de cursos de água em esgotos. O Brasil é campeão mundial em desmatamento de florestas. A Baia da Guanabara recebe diariamente toneladas de dejetos e detritos domésticos ou industriais. No meado dos anos 1980, estive na região centro-ocidental do continente africano, estudando a antiga rota de escravos que, partindo do sul do Saara, atravessava o deserto em direção ao Mar Mediterrâneo. É uma região extremamente seca e de altas temperaturas, onde o Lago Chade destoa pela sua grandeza. É a única fonte de água potável numa das regiões mais secas do planeta, que possui a terceira maior concentração de água doce da África. Mas está morrendo, seca dia a dia. É tão importante, que é ponto de encontro das fronteiras de quatro países: Chade, Camarão, Nigéria e Níger. Originalmente com cerca de 350 mil quilômetros quadrados; em 1963 tinha 25 mil e hoje tem apenas 1.300 quilômetros quadrados de superfície. Essa redução ocorre paralela aos processos de desflorestamento e desertificação, ocasionados por dois fenômenos: uma enorme redução da quantidade de chuvas nas últimas décadas e o aumento da demanda de água para abastecimento da população e para irrigação, que quadruplicou desde o começo dos anos 1960. O mesmo problema atinge o Mar Morto, que já perdeu um terço da sua superfície, em um processo que se iniciou em 1960, pelo desvio das águas do Rio Jordão, o maior vertedouro de água no Mar Morto – 60%, por Israel, através do Aqueduto Nacional, e o restante por barragens construídas pela Síria e pela Jordânia. Com a conclusão da Unity Dam, um empreendimento conjunto sírio-jordaniano sobre o rio Yarmuk, maior afluente do baixo Jordão, este poderá ter a sua vazão reduzida em mais 25%. Em todo o mundo a urbanização da população e o desenvolvimento industrial vêm ocasionando um aumento crescente da emissão de poluentes atmosféricos. Cidades como São Paulo, Belo Horizonte e México são exemplos típicos desse fenômeno. Nas cidades chinesas o problema é bem maior. Nelas o ar que se respira é um dos piores do mundo. Essa poluição atmosférica afeta a saúde de milhões de pessoas, transformando-as em vítimas de doenças respiratórias, como bronquite, rinite e asma. Londres, quando foi o centro do mundo capitalista e capital do Império Britânico, era também o exemplo marcado da poluição, com a putrefação do Tamisa e o seu célebre fog, um nevoeiro espesso carregado de fuligem. Hoje, Londres e o capitalismo são outros. Tanto os governos dos países capitalistas como as grandes corporações mais conscientes, lutam contra o custo da depredação da natureza. Londres voltou a ser exemplo e hoje é referência pela recuperação da pureza das águas do seu rio e pela quase ausência de poluição atmosférica. Por outro lado, uma das maiores obras de engenharia do mundo socialista, na finada União Soviética, foi o Canal Volga-Don, ligando o Rio Volga ao Rio Dom. O problema dessa obra gigantesca é que o governo soviético não levou em conta o Mar Cáspio que, entre 1930 e 1978, teve o nível das suas águas do Mar Cáspio diminuído continuamente. Ambientalista de esquerda ou de direita é balela. Nas questões ecológicas, as posições políticas tradicionais perdem terreno e se transformam em projeções pessoais, desprovidas de base e eixo cognitivos. Tribuna do Norte. Natal, 04 jul. 2021